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quinta-feira, 24 de março de 2016

eu só quero ser criança

       Era uma vez uma mãe muito orgulhosa e vaidosa da sua filha prodígio, como qualquer outra mãe que ama os seus filhos. 
       Com cinco anos, a menina já sabia tocar muitos instrumentos musicais, cantar lindamente, ler e escrever muito bem.
       A menina inicialmente estava feliz, por ir à frente dos outros, por saber mais que os outros, e por toda a gente reparar nos seus dotes, elogiar, tirar fotos…até já ia a programas de televisão e era reconhecida na rua.
       A mãe estava a ganhar muito dinheiro à custa dela, algo que precisava muito porque era mãe solteira e tinha poucas condições.
       A menina tinha os dias muito preenchidos, cheios de ensaios, colégio, entrevistas, e atuações por todo o lado, cabeleireiro, unhas, guarda-roupa, tudo. 
      Não tinha tempo para brincar, e mal podia dormir e comer como devia ser.
      Um dia, a menina chegou ao limite das suas forças, cansou-se da vida agitada e ficou muito doente…com um esgotamento nervoso, físico e emocional. 
      Caiu sem forças no colégio, e ultimamente andava muito nervosa, gritava e chorava muito.
      A sua mãe levou-a ao hospital e pelo caminho grita:

- Ai de ti que fiques doente! Dou-te uma coça! Sua preguiçosa! Tens de continuar…! Quem me dera a mim ter a vida que tu estás a ter…não tenho a tua fama, mas tenho o teu dinheiro. Acorda! Não podes dormir…! Tens de ensaiar…! Logo tens o programa na televisão.

      A menina não reage de tão cansada que está. Chega ao hospital, observam-na, e percebem que ela tem um esgotamento.

- Minha senhora: peço desculpa, mas a sua filha não pode ir para casa. Tem de ficar internada.

- (grita) Não pode ser! Ela tem espetáculos! É muito conhecida. – Diz a mãe.

- Lamento…mas terá de cancelar tudo. – Informa o médico

- (grita) O quê? Nem pensar.

- Minha senhora…acalme-se por favor…está no hospital, peço que fale mais baixo.

- (grita) Como assim? Eu não tenho nada.

- Pois não. Não tem nada na cabeça, isso vê-se pelo que está a fazer com a sua filha. Está a aproveitar-se dela para tirar proveito para si! Isso é exploração.

- (grita, nervosa) O quê? Eu não exploro a minha filha. Ela tem talento.

- Pode ter talento…não duvido, mas está a passar dos limites. Ela não é um adulto. É uma criança. Chegou ao limite das forças dela…está doente.

- (grita) Não pode ser!

- Sim, é verdade!

- (grita) Está a brincar comigo não?

- Não.

- Foi ela que o comprou não foi? Aquela preguiçosa! Ela sabe que não pode dormir…! Precisamos de todo o dinheiro que nos dão…não podemos perder esta oportunidade. A vida não está fácil e eu sou mãe solteira.

- A menina não fala sequer! Ela não tem maldade nem segundas intenções como os adultos.

- Como não fala? Fala e bem…é uma grande oradora. Isso foi ela que fez de propósito…não falou para fingir que está doente…preguiçosa.

      Passa a enfermeira com a menina na maca a soro com vários tubos e garrafas, e a dormir, e com outros frascos de vitaminas e outras coisas.

- Esta é a minha filha?

- Sim! Deixe-a descansar! Prefere o dinheiro, ou a sua filha?

- O dinheiro!

- Bem me parecia. Vou encaminhá-la para psiquiatria.

- Eu não estou louca!

- Não! Está só cansada e nervosa. Venha!

- (grita) Ela não pode ficar doente…não pode dormir.

- Xxxxiiiiiiiuuuuuuuuu… - Respondem todos.

- Criminosa! – Acusa uma senhora

- Cale-se! – Grita a mãe.

- Xxxxxxxxiiiiiiiiiuuuuuuuu… - Respondem todos

- Claro…não gosta de ouvir a verdade. – Critica outra senhora

- Explora a filha…que vergonha! – Diz outra senhora

- É verdade! – Dizem todos

- Leva uma criança desta idade para a televisão…só para ganhar dinheiro à custa dos dons da filha. – Comenta outra senhora

- Vagabunda! – Grita outra senhora

      A mãe quase dá um estalo à outra senhora. O médico segura-a.

- Por favor…! Controlem-se. – Aconselha o médico

- Ouviu o que elas estão a dizer…? – Diz a mãe muito indignada.

- Não ligue…não dê resposta que ainda é pior.

- Linguarudas…- Murmura a mãe.

- Devia ser presa! – Rabuja outra senhora

- Pois claro! – Gritam todas

- Foi por isso que a menina ficou doente, sua irresponsável. – Critica outra senhora

     Ela entra com o médico no gabinete de psiquiatria, onde tem uma longa conversa com o psiquiatra, chora, grita, desabafa, e o psiquiatra receita-lhe vários medicamentos.
       
     A menina dorme profundamente todo o dia e toda a noite, e no dia seguinte, todo o dia e toda a noite. No dia seguinte, a mesma coisa. 
    
    Quatro dias depois de tanto dormir, a menina abre os olhos, e tem a mãe ao seu lado, calma, e a sorrir.

- Mãe…

- Então filha?

- Estamos na televisão?

- Não! Estamos no hospital.

- No hospital? O que aconteceu?

- Tiveste um esgotamento, e caíste no colégio. Já dormiste quatro dias!

- Quatro dias? Estou cheia de sono…

- Como te sentes?

- Não sei…perdida…com muito sono…acho eu.

- É normal. A culpa foi toda minha.

- Culpa?

- Sim.

- De quê?

- De estares aqui.

- Porquê?

- Porque eu só estava a ver o dinheiro! Só queria que fosses famosa. Só queria dinheiro…e esqueci-me que tu és um ser humano…ainda muito pequeno.

- Eu estava muito cansada e nervosa. Mas a culpa não é tua.

- Eu sei, filha…e eu a piorar ainda mais as coisas…a pressionar-te…! Estava louca! É claro que tinhas de ficar esgotada, com a vida que eu te estava a exigir. A culpa é toda minha…pus o dinheiro e a fama à frente da minha filha.

- Quando é que eu vou sair daqui?

- Em breve, espero! Os médicos ainda não disseram.

- E vou voltar ao mesmo?

- Não!

- Não? Eu não vou mais andar pela televisão? Nem de um lado para o outro?

- Não!

- Porquê?

- Porque és uma criança! Tens de andar no colégio, brincar, conviver com os amigos, rir, dormir…dançar…(A menina abre um grande sorriso)

- A sério, mãe?

- Sim!

- Estás mesmo a falar a sério?

- Sim! Tu querias voltar à vida que tinhas antes? Se quiseres voltas, mas para mim, tu és muito mais importante que o dinheiro e o meu capricho de ser famosa…com tanta ambição pelo dinheiro, pela ilusão…quase te perdi. Filha…de que me ia adiantar muito dinheiro, e fama, se não te tivesse? Foi preciso ficares doente, para eu acordar! Perdoa-me filha!

- (sorri) Esta foi a melhor notícia que me podias ter dado, mãe! Muito obrigada! Não quero fama, não quero televisão, não quero revistas, não quero cabeleireiro, nem nada. Quero apenas estar contigo do teu lado…quero apenas o teu carinho e o teu amor…a tua atenção…a tua companhia, o teu mimo…o teu calor dos abraços…do teu aconchego…quero ver televisão na tua cama, abraçada a ti, no quentinho…quero dormir contigo…quero ouvir as tuas história, imaginar e sonhar com elas, quero comer…quero brincar…tropeçar, esfolar os joelhos, ou os cotovelos, quero saltar, escorregar, com os outros meninos da minha idade! Quero sujar-me…quero ver as coisas bonitas da natureza…mãe…eu só quero ser feliz contigo! E ser apenas criança, como outra criança qualquer.

- (sorri) Claro que sim, filha! Tens toda a razão, e tens todo o direito disso assim será, meu amor…minha luz…minha bebé…! Amo-te muito, filha…perdoa-me! Tanta maldade que fiz contigo. Eu quero ser criança contigo! E como tu! Posso?

- (ri) Sim, podes.

       A mãe e a filha abraçam-se e beijam-se.

- Amo-te, amo-te, amo-te, amo-te…amo-te minha doçura…minha filha, minha coisa boa… (mais beijos) Fica boa depressa para irmos as duas crianças viver uma vida nova.

- (sorri) Está bem! Mãe…também te amo. Desculpa não ter cumprido as tuas vontades. Acho que vou dormir mais um bocadinho.

- (sorridente) Claro. Dorme bem, meu bebé…estou aqui. Dorme!
         
        A menina está feliz, dorme um pouco e vai melhorando de dia para dia. Quando tem alta, mãe e filha, vivem juntas grandes momentos de ternura, felicidade, serenidade, carinho, cumplicidade, muita brincadeira, muito riso, como se a mãe também fosse uma criança outra vez.
       A menina passou a ser, simplesmente, uma criança que ajudava e ensinava às outras, o que sabia.

                                                        FIM
                                                   Lara Rocha 
                                               (3/Março/2014) 

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