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sexta-feira, 25 de março de 2016

Libertação (adultos)

Uma mulher que foi maltratada pelo marido fala da sua experiência a outras mulheres:

foto de Lara Rocha 

        Olá, ouvintes...posso dizer que hoje é um dos dias mais felizes da minha vida! Primeiro, porque acordei de coma, e depois, porque me libertei. É. Estive em coma, por causa do homem primitivo com quem casei! 
       É. Ainda hoje penso comigo mesma...como pude juntar-me àquele monstro? E monstro é um termo carinhoso. Onde é que eu estava com a cabeça? Acho que era ele que a tinha, e fazia de mim um robô. 
       Como pude ser tão ingénua, e acreditar nas palavras bonitas que ele me disse…? Como pude aguentar tanta chapada e sempre a acreditar que ele ia mudar...eu arranjava desculpas para o que ele me fazia...sem nunca perceber o tamanho do monstro que vivia debaixo do mesmo teto que eu! Porque ele pedia sempre desculpa, depois de me bater, e eu...feita …ou...mulher apaixonada...acreditava...caía como um patinho. 
    Como pude ouvir as mentiras todas que ele me dizia…? Não entendo! Acho que ele comandava mesmo a minha cabeça e todo o meu ser, e eu nem me apercebia...iludia-me descaradamente, e eu acreditava. 
    Primeiro...uma chapada...e passou quase despercebida, como estávamos na véspera de casamento, pensei que estaria nervoso, e compreendi. Pediu-me desculpa, e eu perdoei. Passou. 
    Uns dias depois de casarmos, sua monstruosidade, começou a deitar as garras de fora: uma chapada aqui, outra chapada ali, como se fossem carinhos provocadores, a que se seguiam beijos e abraços, e risos...e pedidos de desculpa...desculpa amor...entusiasmei-me…! - Dizia - me ele...e eu...acreditava, e deixava-me levar. 
      Depois, começou a mostrar-se muito possessivo, e louco de ciúmes, sempre que me via a falar ou a rir ao telemóvel com as minhas amigas, e com os meus pais...bateu-me várias vezes, com chapadas, pontapés, cinto e puxa-me pelos cabelos, levando-me a rastos pelo chão até ao quarto. 
       No quarto, a porrada continuava...chapadas, murros, pontapés, ficava toda negra. Pedia-me desculpa, e eu, mais uma vez, e outra, e mais outra vez, perdoava. Parecia que estava anestesiada.
    À frente dos outros, ele era o exemplo de marido, mas dentro da nossa casa, transformava-se, e tudo começava de novo: proibia-me de falar ao telefone e ao telemóvel, proibia-me de falar e sair com as minhas amigas, fechava-me em casa, levava as chaves e o meu telemóvel com ele, desligava o telefone de casa para eu não poder falar...basicamente, fechou-me como se fecha um animal na jaula. 
        Comecei a ficar deprimida, e de dia para dia...afundava-me cada vez mais, passei a ser uma boneca de madeira nas mãos dele. Tudo me doía...mas eu não conseguia falar, quase nem comer. Ficava tão ferida, que nem saia à rua. 
      Deixou-me marcas no corpo todo, deu-me facadas, e a última vez...a gota de água, depois de ter provocado um traumatismo craniano, ainda me partiu as pernas e um braço, e atirou-me da janela abaixo...o cobarde fugiu, mas felizmente, os vizinhos encontraram-no rapidamente. 
      Mais cedo ou mais tarde, eu ia mesmo atirar-me, na tentativa de fugir, e denunciar aquele maldito, estava cansada, sem forças...quase na pele e no osso, e cheia de marcas, dos maus tratos que ele me dava. Talvez a fuga corresse mal, mas mal por mal...era melhor do que levar mais dele. 
      Felizmente, o rinoceronte foi preso na mesma hora, os vizinhos deram-lhe uma bela tareia nesse dia, e eu vim para o hospital. Não me lembro desse momento. Dizem que estive muito mal, mas felizmente, recuperei e estou aqui, para contar a história, e para dizer às mulheres...Não permitam que vos mexam num fio de cabelo vosso, se não quiserem. 
      Não pensem que ele vai mudar. Infelizmente nunca mudam, só para pior. Não se deixem levar pelos poucos momentos de carinho que eles até parecem mostrar, nem perdoem à primeira. Isso é o que eles querem, para poder controlar tudo...todo o nosso ser fica dominado por eles, e depois, nós é que apanhamos. 
      Nunca! Nunca mesmo. Não permitem que ele vos levante a mão...ao primeiro sinal de agressão dele, é a hora certa de saírem das garras desses primitivos pré-históricos. Denunciem a primeira coisa de mal que ele vos faça...não tenho medo! Defendam-se, peçam ajuda. 
      Não precisam de viver com um homem pré-histórico. Nós mulheres, merecemos ser bem tratadas. Não se fiem que os homens são ciumentos porque vos amam...nada disso! São ciumentos e possessivos, é porque não estão bem com eles próprios, ou não confiam em nós. 
    E o amor é confiança, não é ciúme, nem violência. Libertem-se das garras desses malditos, enquanto ainda são capazes de pensar por vocês, enquanto ainda são mulheres, num corpo humano, que têm, de mulheres...não esperem que eles tomem conta do vosso cérebro, depois das chapadas, com os carinhos superficiais e pedidos de desculpas...Palavras leva-os o vento. 
    O amor não é posse, nem prisão, por isso, quando se sentirem presas ou como posse...libertem-se! Afirmem-se! Mostrem o vosso lado demoníaco, que pode ser pior que o dele, se precisarem. 
     Não permitem é que as coisas avancem até não ter mais saída. Amem-se a vocês mesmas! Primeiro vocês, depois vocês, e só vocês, sempre! Primeiro a vossa vontade, primeiro o vosso respeito por vocês mesmas, e exijam-no em relação a vocês mesmas...e depois, a vossa força de mulheres! 
  Não somos bichos para estar numa jaula, nem marionetas para estarmos penduradas...muito menos, coisas para não podermos falar, e não fazermos mais nada, a não ser estar dependentes deles, para estarmos submetidas a eles, e eles fazerem tudo o que querem connosco, usarem-nos, tratarem-nos como objetos, e como lixo. 
     Abram os olhos, mulheres! Não existem príncipes encantados...o único que pode ser mais próximo de um príncipe, é alguém que vos ame, um homem que vos liberte, que vos respeite, que vos trate com delicadeza e confie em vocês! Mesmo que seja um pequeno sapo, desde que tenha conteúdo interior e cerebral...é esse o vosso príncipe...será esse o que vos vai amar, respeitar, e deixar voar, esperando por vocês! 
      Abram os olhos, mulheres, e todos os sentidos...há sempre os sinais de alerta que já vos falei. À primeira suspeita...Xau aí,...Não precisamos de homem para sermos femininas e felizes! 
     Não precisamos de homem para sabermos o nosso valor, e as nossas qualidades, aquilo que queremos, e que é o melhor para nós. Não precisamos de um homem que nos sustente...nem de um homem para nos sentirmos preenchidas. 
        Como pude permitir a mim mesma sofrer tanto nas garras daquele pré-histórico? Como pude deixar que ele tomasse conta do meu cérebro? Como pude sujeitar-me a uma besta? Talvez tenha sido por sonhar com o príncipe encantado, e que ele seria o homem da minha vida. 
       Não se deixem conquistar pelas palavras bonitas. Somos mulheres, e nascemos para sermos felizes, livres, respeitadas, amadas, bem cuidadas. Agora...hoje...sou uma mulher diferente. Depois do que passei, sinto-me renascida, fortalecida, madura! Se fosse agora, tudo seria diferente, e as coisas não teriam chegado a este ponto. 
        Mas não queiram ter de chegar a este ponto, para ganharem consciência da realidade, e do que é o amor! Acordem, antes de se envolverem num pesadelo. Como eu, há muitas mulheres...gostava de lhes poder contar a minha experiência, e acordá-las para o que são...Mulheres! E como têm de ser tratadas. 
       Como pude permitir que nas tuas mãos fosse sempre um brinquedo, uma coisa, uma pedra, um boneco de madeira. Nas tuas mãos senti a minha vida a desfazer-se, nas tuas mãos a minha alma deixou de respirar, nas tuas mãos as minhas lágrimas secaram. Nas tuas mãos a minha boca esqueceu-se de como sorrir, nas tuas mãos a minha cabeça deixou de pensar. 
        Nas tuas mãos, todo o meu corpo deixou de ser o meu corpo, nas tuas mãos deixei de saber quem era, nas tuas mãos...simplesmente não era nada! Agora, que me libertei das tuas mãos, a minha alma voltou a nascer, a respirar, o meu corpo voltou a ser meu. A minha cabeça voltou a funcionar, a minha boca voltou a saber sorrir! Agora que me libertei das tuas mãos...sou eu! Eu, eu. 
     E penso: como pude estar tanto tempo nas tuas mãos, duas foices que me seguravam, dois chicotes que me fustigavam, duas facas que me cortavam, duas pás que me torturavam. Como pude permitir ficar nas tuas mãos? Como pude deixar de viver para me entregar às tuas mãos? 
      Mãos...que irónica, que ilusão minha, que injustiça chamar de «mãos», se tivesses mãos, elas segurariam as minhas, com delicadeza e carinho. Se tivesses mãos, elas abraçavam-me com fogo e ternura. 
      Se tivesses mãos, elas cortariam flores para me oferecer, ou colocariam um anel no meu dedo. Se tivesses mãos, elas acariciariam os meus cabelos e a minha pele. Se tivesses mãos, elas pegariam em mim ao colo...e jamais me bateriam ou matariam. 
     Se tivesses mãos, nunca me prenderiam, se tivesses mãos...como pude desejar estar nas tuas mãos? Porquê? Porquê? Porque é que as tuas mãos, não são mãos? Agora que me libertei das tuas mãos assassinas, digo a todas as mulheres...mulheres: livrem-se das mãos assassinas, mãos que nos amam, são usadas para nos tratar com carinho, como merecemos.
     Mãos que nos amam, amparam as nossas mãos, beijam-nas, acariciam-nas. Mãos que nos amam, respeitam-nos, mãos que nos amam, oferecem-nos flores, mãos que nos amam, sussurram-nos ao coração. 
    Mulheres...recebam mãos que vos amam, mãos que vos acolhem, mãos que vos deixam respirar, mãos que vos valorizam, queiram apenas mãos que tocam com todo o seu ser. Agora...longe das tuas mãos sou uma verdadeira mulher! Agora...sem as tuas mãos, sei quem sou, sei o que quero, sou eu, uma nova mulher! Aquela mulher que nunca fui. 
    Vamos, MULHERES...temos de nos unir mais, e lutar contra pré-históricos que querem acabar connosco. Esqueçam essa ideia de que: entre marido e mulher, ninguém mete a colher...nunca foi verdade, nem faz qualquer sentido, no caso de mulheres mal tratadas.
    ACORDEM MULHERES...SEJAMOS UMAS PARA AS OUTRAS...juntas podemos tudo! Sempre que tiverem conhecimento de casos de violência doméstica denunciem sem medo...antes que seja tarde demais. Espero que aquela besta apodreça na cadeia, que seja torturado pelos outros. 
       Não sei quando as dores irão passar, mas sei que vou ser forte, porque já sou livre, e sei o valor que tenho. Ainda vou ficar aqui mais algum tempo para recuperar, e ajudar outras mulheres que passem pelo mesmo. Mas ACORDEI! Isso é o mais importante...e o meu desejo sincero é que daqui para a frente, muitas mais mulheres acordem. 

FIM 
Lara Rocha 
26/Agosto/2014 

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