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sexta-feira, 25 de março de 2016

A mulher descascada (adolescentes e adultos/as)



Era uma vez uma mulher que vivia à procura de si mesma. Durante muito tempo, sentia-se uma desconhecida de si mesma…tinha medo de se ver ao espelho, de olhar para os seus olhos e de falar com a criança que um dia já foi. Perguntava muitas vezes a si mesma quando se via ao espelho.
- Quem és tu?
Fugia de todos os espelhos e muitas vezes, aos gritos.
- Estou a alucinar…ou está ali uma mulher no espelho? Que feia que és! Não gosto nada de ti. Desaparece.
            Mas é claro que a mulher que ela via no espelho, não era alucinação. Era bem real…era ela própria. Ela é que tinha medo de se enfrentar a si mesma. Era tímida, mas usava todos os dias muitas máscaras para disfarçar tudo o que era, e porque tinha medo que ninguém gostasse dela, por isso, fingia ser quem não era, e até conseguia cativar muitos amigos. Quer dizer…ela achava que eram amigos só porque a procuravam e gostavam de se rir com ela.
As máscaras faziam-na parecer aos outros alguém simpático…parecia ser aberta, divertida, brincalhona, um pouco escandalosa e espalhafatosa. Quando saia da escola, era outra pessoa.
Olhava-se ao espelho, mas só via o rosto completo…sem conseguir ver a parte mais importante…o seu interior. Porque sempre que passava nos espelhos, fugia. Tinha medo.
Mas ia vivendo, debaixo de máscaras atraentes. Um dia, sentia-se muito estranha. Olhou para o espelho com muito medo, e vê uma outra mulher…muito diferente dela, com ar sério e frio.
- O que é isto? – Pergunta a mulher assustada
- Isto o quê? Estás a falar comigo?
- Sim.
- Deves estar enganada…não sou coisa…sou uma mulher.
- Uma mulher…sim, isso já reparei, mas o que é que eu tenho a ver contigo?
- Tudo!
- O quê? Deves estar a precisar de óculos.
- Não. Tu é que estás.
- Porquê?
- Uns óculos especiais.
- Onde estás?
- Mesmo diante dos teus olhos.
- Já sei.
- Estou no teu espelho.
- Como é que entraste para aí?
- Pelos teus olhos.
- Estavas dentro de mim?
- Sim.
- Nunca te vi, nem te sentia.
- Pois.
- E o que estavas a fazer dentro de mim…? És uma bactéria?
- Não…sou a mesma pessoa que tu.
- Pessoa?
- Sim, somos uma pessoa.
- O que é isso?
- É o que somos.
- É um insulto.
- Que disparate.
- Eu não te conheço.
- Pois não. E gostas disso?
- Não me importo minimamente.
- Que insensível.
- Nunca outra vi…estar a falar para um espelho…que loucura.
- Não é loucura! É a tua saúde.
- O que é que tem a minha saúde? Está boa.
- Vou directa ao assunto.
- Está bem.
- Venho convidar-te para uma viagem.
- Uma viagem?
- Sim. Sei que gostas de viajar.
- Mas não vou com estranhos.
- Não vais com estranhos…vais comigo e contigo.
- O quê?
- Verás.
- Não tenho dinheiro.
- Também não tens de pagar.
- Então como é que vamos viajar?
- Nem precisamos de sair do quarto.
- Como assim?
- É. Vamos viajar através dos teus olhos, para ver quem és.
- Não quero ver quem sou. Sei bem, quem sou.
- Não sabes não…olhas para o espelho e não sabes quem sou. Sempre tiveste medo. Fugias dos espelhos, e fugias de ti…de mim…de nós.
- Não estou a perceber nada.
- Anda comigo.
- Não posso…
- Porque não?
- Não te conheço, nem confio em ti.
- É verdade…não te conheces, nem confias em ti. Mas estás sempre a tempo de te conheceres, e de me conhecer…de nos conhecermos.
- Porque é que falas tanto em nós? Não somos namoradas…
- Pois não. Mas somos uma só. Ainda não nos fundimos.
- Nem faremos isso…com todo o respeito por mulheres…não pretendo juntar-me a uma mulher.
- Vais juntar-te a ti mesma.
- Como?
- Anda comigo.
- Onde?
- Para dentro de ti.
- Não.
- Porque não?
- Não quero.
- Não queres ou tens medo?
- As duas coisas.
- Anda…chega de fugir de ti. Fecha-te um pouco para o mundo, para os outros, para tudo…e viaja para ti.
- Eu não sei onde é esse sítio. E não quero.
- Não é sítio...só tens de olhar para ti, ao espelho, e não fugir…deixar que as coisas surjam naturalmente…não as traves…deixa-as sair. Só tens que as observar e recebê-las.
- Não quero.
- Não serás mais a mesma pessoa. Vale a pena. Vai…coragem! Tenho a certeza que vais adorar.
- Não.
- Não sejas teimosa. Eu estou contigo…confia em mim.
            E a mulher do espelho põe-lhe uma casca dos pés à cabeça. Ela sentia-se muito assustada e presa. Gritava e pedia para sair, mas a mulher não a deixava sair, apenas lhe dizia:
- Não tenhas medo. Não fujas. Entrega-te.
            Esteve assim vários dias, e várias semanas. Entrou e saiu da viagem a si mesma e da casca, várias vezes por dia, e depois da primeira vez, decidiu ganhar coragem e enfrentar-se a si mesma.
Viveu momentos muito bons, de calma, serenidade, sorrisos, lágrimas, dançou, dormiu, sonhou, recordou momentos bons, e momentos tristes da sua vida, brincou com a criança que foi, gritou, enrolou-se e esticou-se, mexeu nos longos cabelos (prendeu e soltou) para ver como gostava mais.
            Depois, perdoou pessoas que a magoaram, depois de explodir de raiva e de escrever em papéis tudo o que sentia. Fez desenhos e pinturas, escreveu, apanhou estrelas e luzes, flores, caiu várias vezes, no seu mundo, e até gostou dessa viagem.
            A mulher esteve sempre do seu lado, e viveu as mesmas emoções que ela. Abraçou-a, acariciou-a, deu-lhe a mão nos momentos mais difíceis, em que a outra queria fugir ou pedia socorro e chorava, embalou-a no seu colo, cantou-lhe canções, brincou e saltou com ela, riu e disse muitas palavras de encorajamento.
            Ao fim de algum tempo, a mulher do espelho sentiu que já conhecia muito de si.
- Está na hora de nasceres…! – Diz a mulher do espelho.
- Não.
- Sim!
- Porquê?
- Porque por agora já sabemos muito de nós. Chegou a hora de nos fundirmos.
- Não nos vamos separar?
- Não. Vamo-nos juntar.
- Ainda bem. Porque gostei mesmo de te conhecer, e de me conhecer. Mas como vamos fazer isso?
            As duas abraçam-se e transformam-se numa enorme luz, que vai diminuindo de intensidade, até ficar só um pontinho no peito, do lado do coração. E toda a casca que envolvia a mulher, desfaz-se e cai em mil pedaços.
- O que é isto?
- Calma! Não te assustes. É só a tua antiga mulher que se está a desfazer. Essa era a barreira que nos separava uma da outra, era por isso que tinhas medo dos espelhos, e não querias viajar dentro de ti. Agora és uma nova mulher…
- Descobri coisas muito interessantes…não sabia que era assim. Onde estás?
- Eu disse-te que ias adorar a viagem, que não tinhas de pagar bilhete, nem transporte…tudo iria acontecer sem sair do quarto. Dentro de ti.
- Porque é que foste para aí?
- Porque agora já somos uma só!
- E a criança?
- Está aqui também.
- Tomas conta dela?
- Tomamos!
- Está bem. Muito obrigada pela viagem, pela companhia e pela presença. Sinto-me muito diferente.
- Claro. És uma nova mulher.
- Sim! Mas…agora não vamos voltar a ver-nos mais vezes?
- Vamos, claro que sim. Sempre que te vires ao espelho, vais ver-me.
- Onde?
- No brilho do teu olhar.
            A mulher olha para o espelho e sorri.
- Isso mesmo. Vês-me?
- Vejo.
- Somos lindas…! Nunca te esqueças que somos únicas, diferentes e especiais. Sente orgulho em nós.
- Sim, sinto orgulho no que somos…ou…no que sou.
- Boa! Sempre que quiseres falar comigo…connosco…só tens de olhar para o espelho.
- Combinado. Muito obrigada.
- Agradece a ti própria.
- Foi uma viagem muito especial.

            De facto, a mulher estava mesmo diferente. Agora ela já se conhecia como era, e reconhecia-se ao espelho. Já não tinha medo do espelho, nem fugia. Agora sabia que tinha qualidades, defeitos como toda a gente, e tinha aprendido a perder o medo de mostrar como era.
Às vezes, todos precisamos de nos fechar em cascas, para viajar dentro de nós, seguir os trilhos dos nossos olhos, e ver o que existe neles. Deixar fluir, sem prender. Apenas…ver! E aceitar! Sem máscaras.
Precisamos de conhecer a mulher que aparece no espelho, e transformar alguns aspectos dela, aceitá-la e tratá-la com carinho. Até precisaremos de mais que uma viagem. Mas vale a pena!

FIM
Lálá 
(10/Abril/2014) 

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