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sexta-feira, 25 de março de 2016

O palhaço mudo



Era uma vez um palhacinho ainda jovem que adorava a arte de representar e de fazer rir. E conseguia. Quando não era palhaço, era um rapaz como os outros, simpático, divertido, brincalhão, agradável e fazia rir.
        Um dia, concorreu a um concurso para ver se conseguia ganhar um curso e aperfeiçoar a sua arte, era o prémio do concurso. Como toda a gente lhe dizia que ele tinha muito jeito, e ele gostava, foi tentar a sua sorte.
        Já era um talento que tinha nascido com ele, e que todos os dias ele esforçava-se por ser melhor. Mas nem toda a gente da sua família e amigos o apoiavam, mesmo assim ele não desistia, e tinha a certeza de que um dia ia surpreender.
        Foi com essa força que ele concorreu. Infelizmente nem toda a gente é sensível a estas artes que parecem fáceis mas são na verdade muito difíceis. O rapaz concorreu, deu o seu melhor, o público aplaudiu de pé e riu muito, mas o júri não gostou, e humilhou quanto mais pôde, gozou e disse coisas muito desagradáveis.
        Todos ficaram surpresos e chocados com os comentários. O rapaz saiu do concurso completamente desanimado, destroçado e muito triste. Ficou com muita vergonha, e só lhe apeteceu fugir, depois de tanto chorar.
        Aquelas palavras horríveis não lhe saiam da cabeça, e a tristeza era tanta que nunca mais falou. Só falou com os pais que também lhe disseram que ser palhaço não era profissão, poderia ser um passatempo, mas ele teria que se ocupar com outra coisa.
         E foi isso que ele fez. Foi estudar para a Universidade, no curso de Jornalismo. Não era bem o que ele queria, mas em algumas coisas era parecido com a representação, público e televisão.
        Ele só conseguia falar, quando se esquecia que não era palhaço. Mas todas as noites, o pobre jovem chorava muito. Sentia falta desse mundo, dessa experiência.
- Será que alguma vez voltarei a ser palhaço? – Perguntava ele constantemente a si mesmo
        E as palavras feias que ele ouviu assombravam-no a toda a hora.
- Aqueles malditos…vão pagá-las! Se não for por mim, será de outra maneira. - Gritava ele com muita raiva
        Olhava para o espelho, e chorava ao lembrar-se das palavras humilhantes.
- Não pode ser verdade. Como há gente tão má…! Como é possível? Tenho tantas saudades…
        E ficava pensativo. Um dia, depois de tanto chorar e pensar, decidiu matar saudades do palhacinho que existia dentro dele, e tentar a sua sorte. Ficou tão feliz, como uma criança pequena. Mas escolheu ser um palhaço mudo…não queria passar outra vez pela humilhação.
Também não precisava de palavras, porque todo o seu corpo falava…os seus olhos, a sua expressão facial, os movimentos dos braços e das pernas. Ele conseguia contar histórias e comunicar com quem o via, sem palavras…e era mesmo possível perceber o que ele queria dizer.
Expressava-se de forma tão bonita, tão leve, e tão engraçada, que recebia muitas palmas, muitas gargalhadas, e retribuía com sorrisos e vénias. No fim, deixavam-lhe dinheiro e pediam para tirar fotos.
Muitas pessoas na rua começaram a contratá-lo para festas de anos de crianças, a receber. Ele ficou muito feliz, e sozinho procurou melhorar cada vez mais…conseguiu ganhar tanto dinheiro que pôde fazer também o curso de representação e de palhaço como ele queria, além do de jornalismo.
Quando apareceu na televisão, os quatro elementos do júri do concurso onde ele tinha tentado ficou espantado.
- Não pode ser… - Diz uma
- Olha quem é ele. – Diz outro
- Ei…como é que ele consegui? – Diz outra
- Nós fomos tão reles com ele… - Diz outro
- Dissemos tão mal dele. – Diz uma
- Mas…e não é que ele até se safa?
- Ele tem muito jeito!
- Como é que na altura não reparamos…?
- Eu na altura não lhe achei piada nenhuma…
- Nem eu.
- Acho que nos precipitamos.
- Pois foi.
- Ei…que vergonha.
- Acho que devíamos fazer alguma coisa…
- O quê? Nem sabemos onde está.
        E procuram saber. Quando o encontram vão ter com ele. Ele faz de conta que não os conhece, porque apesar de magoado e triste com eles, sente-se feliz e orgulhoso por não ter precisado deles, nem do prémio deles para fazer o curso. Os quatro tentam conversar com ele, pedem-lhe desculpa, mas ele não abre a boca e não aceita, só abana a cabeça. Tentam contratá-lo, mas ele recusa com a cabeça. Eles insistem.
Ele fica nervoso e grita:
- Vocês não prestam! Vão para o inferno. Não preciso de vocês para nada. Não quero nada de vocês…vocês são podres. Não têm nada, são uns infelizes, não valem nada. Têm a mania que são muito competentes…onde está a vossa competência? Em humilhar? Claro…só assim conseguem tentar mostrar que são superiores, quando na verdade, não valem nada. Tudo o que sai de vocês é sujo, nojento…podre…fraco…nojentos. Fazem ideia do que aquelas vossas palavras que saíram dessas bocas nojentas e vazias provocaram em mim? Quanto tempo chorei por causa delas, e até deixei de ser palhaço. Mas nem preciso de palavras, muito menos daquelas imundas, e falsas como as vossas para ter a atenção e o carinho de quem me vê! Não preciso da vossa atenção, dos vossos olhos que só têm e só vêem porcaria, coisas feias…claro…como era possível verem coisas bonitas, se vocês são qualquer coisa, menos bonitos? São uns monstros…uns fracos…não valem nada…mereciam qualquer coisa, menos estar a julgar os outros. Não entendem nada de artes, não têm o mínimo de sensibilidade, muito menos de humanidade. Não prestam. Precisam de humilhar e pisar para se sentirem alguém…coitados de vocês. São uns infelizes. Não merecem nada.
- Ei…somos assim tão maus?
- Naaaaaaa…. (irónico) Quem…? Vocês…? Que ideia…quem falou nisso…
- Sabemos que estás magoado…
- E com razão!
- Nós estávamos errados.
- Foi uma decisão precipitada.
- Queremos pedir-te desculpa.
- Tu és mesmo muito bom.
- Falsos! Eu só quero que um dia paguem por tudo o que me disseram…um dia, a minha esperança é que vocês engulam cada palavra assassina e rude que me dirigiram, e que elas se transformem em veneno…que vos destruam como fizeram a mim, quando as ouvi. – Diz o palhaço
- Que violência. – Comenta uma
- Nós sabemos que fomos pouco simpáticos…
- Mas…perdoa-nos…todos erramos.
- É. Até aí tudo muito bem, muito bonito, compreensível, mas o que vocês me disseram, a humilhação que me fizeram passar…não tem perdão. Não foi um erro.
- Eram as regras do jogo – Defende outro
- Regras do jogo…pois claro…eu vi as regras do jogo. Do vosso jogo nojento. Imbecis. Nunca compreenderão o que me fizeram sentir. Sorte a vossa…
- A nós também nos humilharam. – Diz uma
- Coitadinhos…que pena que eu tenho da vossa humilhação…deviam ter vergonha nessa fuça… gostaram de ser humilhados?
- Não! – Respondem todos
- Mas gostaram de me humilhar…
- Não.
- Mentirosos! Estavam felizes…eu vi. Que bonito que é humilhar não é? Quem está no poleiro…
- Perdoa-nos…
- Nunca! É tarde.
- Por favor…
- Tarde demais. Nunca vos perdoarei.
- Vá lá.
- Não. Nem que se esborrachem todos… eu quero que vão para o inferno. Eu sabia que um dia iriam pagar pelo que fizeram. Só espero que não façam o mesmo a muita mais gente, pois caso contrário estaremos a viver numa sociedade de bichos pré-históricos, vingativos…podres como vocês.
        Tentam negociar, mas sem sucesso porque o palhacinho está mesmo magoado e desiludido. Eles sentem-se agora muito envergonhados, mas não comovem o palhacinho. A televisão contrata-o para ser professor de artes de representação e ele aceita.
As palavras que o magoaram, serviram para ele crescer, tornar-se mais forte e trabalhar mais, para provar que era capaz, e que fazia o seu trabalho sem precisar de glórias de outros. Fazia o que amava e era o suficiente para ele ter muito sucesso.
Na realidade nunca desistiu de ser palhaço, só parou um pouco, para recuperar o fôlego das palavras horríveis que lhe disseram, e transformá-las depois em escadas para o sucesso.
Quando não nos dão o valor que temos, depois da tristeza, devemos aproveitar para crescer e fazer quem nos humilha engolir tudo o que nos disse…provar que afinal eles estavam errados. E de preferência…não fazermos o mesmo que eles. Sermos superiores. NADA JUSTIFICA HUMILHAÇÃO E SUPERIORIDADE… na verdade, humilham para se sentirem superiores. Esses precisam de ajuda psicológica ou psiquiátrica.
                                FIM  
                               Lálá
                           10/Abril/2015
                       

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