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quinta-feira, 24 de março de 2016

pensamentos guiados

Era uma vez um jovem músico que tinha sido proibido de tocar instrumentos musicais, porque vivia num prédio e fazia muito barulho.
O rapaz procurou casas sem fim, mas todas as que encontrava eram em apartamentos, prédios, e todas muito caras, para o dinheiro que ele tinha. Como vivia da música, não ganhava muito dinheiro.
A sua sorte no meio disto, era não ser casado e não ter filhos para sustentar…se isso acontecesse, seria muito pior, não poderia sustentá-los, ou teria de tirar outro curso, e não ser feliz, ou até continuar sem trabalho, com esse novo curso.
O que o fazia verdadeiramente feliz era a música e os instrumentos.
- Gente louca, insensível! Para onde vou agora? Os meus pais estão longe, e também vivem num apartamento! Os meus irmãos… têm os meus sobrinhos que já mal têm espaço para todos no prédio e nas casas! As vivendas…nem pensar. Os apartamentos estão todos mais que caros. Para onde vou? Não tenho dinheiro para outro curso, nem tenho lata para pedir aos meus pais, porque não têm obrigação nenhuma de me sustentar…mal têm para eles…claro que se eu voltasse para casa, eles abriam-me a porta, e ficavam contentes…eu é que acho que não tenho esse direito! Para onde vou agora? – Pensa alto, o rapaz.
            De repente, já muito desanimado e triste, perdido, olha para os seus instrumentos musicais, suspira e lembra-se de ir dar uma volta para ver se encontrava alguma solução.
            Passeou sem pressa, e sem rumo, perdido nos seus pensamentos. Quando percebe, tinha chegado a um monte miradouro da cidade, onde não vive ninguém! Só existem moinhos abandonados que não funcionavam.
Pensava-se que aqueles moinhos eram de outros povos muito antigos, e muita gente tinha medo de ir lá, porque acreditavam que aquele sítio e aqueles moinhos estavam assombrados…pessoas que às vezes iam lá visitar diziam ouvir coisas estranhas, ver luzes, ouvir gritos, estouros, gargalhadas, choros, cavalos a relinchar e outras histórias.
O músico achava que era tudo imaginação das pessoas, e não acreditava em nada do que diziam sobre aquele sítio.
- Como é possível este sítio ter almas penadas, ou cavalos e outras coisas que dizem? Tudo não passa da imaginação das pessoas, só porque leram ou ouviram histórias de casas assombradas nas montanhas e moinhos…eu já vim aqui e não vi nada, nem ouvi nada! São apenas lendas e histórias doidas.
            De repente, do silêncio ouve-se uma voz:
- Achas que é tudo invenção?
            O músico estremece, arrepiado e diz:
- É claro que sim! Até eu já estou a ouvir coisas imaginadas.
            A voz responde:
- Ai é? Então olha para trás de ti.
            Ele olha e no moinho vê uma linda mulher elegante, de cabelos pretos muito compridos, olhos verdes, vestido preto brilhante, comprido. Com o vento que lhe abanava os cabelos e o vestido, ficava ainda mais atraente. Ela sorri e ele pisca os olhos.
- Uau! Que linda…existes mesmo, ou és da minha imaginação, e solidão?
- Existo mesmo! Por isso é que te perguntei se achavas que era tudo invenção! Estás a ver-me é porque sou real.
- É que…já vim aqui de outras vezes, e não vi nada, nem ouvi nada! Nem te vi!
- Mas eu vi-te!
- Viste? Então porque não apareceste?
- Porque era muito cedo!
- E agora é tarde?
- Não! Agora é a altura certa.
- Para quê?
- Para eu aparecer.
- E o que queres de mim?
- Nada!
- Nada? Então porque é que apareceste, e porque é que esta é a altura certa?
- A minha presença incomoda-te?
- Não!
- Agora precisas de ajuda! Na altura em que vieste cá, não precisavas!
- Áh! Foi então por isso que eu não te vi!
- Claro! Mas eu estou sempre aqui!
- Há quem diga que sim.
- E quem diz que sim, tem toda a razão.
- Mas então deves ser má!
- Má? Eu? Porquê?
- Porque toda a gente tem medo de ti!
- Eu sei que têm medo de mim. Não acreditam, acham que sou uma visão, e não me deixam ajudar.
- E tu ajudas?
- Sim! Só a quem não tem medo de mim!
- E apareces assim às pessoas?
- Assim como? Não estou vestida, ou tenho uma cara que mete medo de tão feia…?
- Não! Não foi isso que eu quis dizer. Apareces assim de repente?
- Eu não apareço! Estou sempre aqui. Todos me vêem…porque têm olhos. Mas uns têm medo, outros não. Os que não têm medo, eu ajudo.
- Mas os que não têm medo, também te vêem?
- Claro! Felizmente têm olhos. Uns têm vergonha de dizer que me vêem, outros dizem que me vêem, mas são logo baptizados de loucos.
- És de carne e osso?
- Claro! Ia ser de quê? De porcelana, madeira, cera, pedra…? Se fosse desse material não falava, nem te ajudava, certo?
- Claro! Tens razão.
- Eu percebo a tua pergunta. Queres saber se sou um fantasma…não…não sou! Sou humana, como tu.
- Áh! (sorri)
- Sei que precisas de ajuda!
- Sim. É verdade! Como é que sabes? Lês os pensamentos?
- Não! Sinto as vibrações dos teus pensamentos. Estás desiludido com as pessoas, com o teu trabalho, não tens dinheiro…nem para onde ir porque não podes fazer barulho, mas precisas de ensaiar.
- Acertaste!
- Vieste aqui à procura de ajuda. Não foi por acaso! Vieste, porque posso ajudar-te!
- Eu vim sem rumo…estava distraído nos meus pensamentos…fui andar para ver se organizava as minhas ideias e se encontrava a solução. Nem sequer me lembro de ter vindo para aqui.
- Sim! Eu percebi.
- Foste tu que me trouxeste para aqui?
- Sim! Puxei os teus pensamentos.
- Como é que me podes ajudar?
- Este moinho ao lado está todo mobilado e desabitado…porque não o aproveitas para ser a tua casa? aqui não pagas nada, podes tocar à vontade que não fazes barulho para ninguém, e assim voltas a ser feliz.
- (sorri) A sério?
- Sim. Entra.
            Ele abre a porta do moinho e fica maravilhado.
- Isto é uma verdadeira casa! Que linda! Ááááhhh…tem fogão, luz, água…tudo! E cama, sofá, TV…maravilhoso! Mas não te vou incomodar?
- Não!
- Achas que me posso mudar ainda hoje?
- Claro que sim! Quando quiseres!
- (feliz) Boa! É já...! Já venho! Muito obrigado.
            A jovem mulher sorri. O rapaz volta depressa à sua casa, e mete tudo em sacos, e malas. Ele murmura:
- Acho que até encontrei o amor da minha vida…ela deve querer é a minha companhia…acho que está apaixonada por mim.
- É inacreditável! – Soa a voz da mulher.
- Ai, que susto!
- Eu ajudo, e tu achas logo que estou apaixonada por ti, e que pus aquele moinho ao lado da minha casa, para tu ficares lá…à minha beira, porque quero a tua companhia, e estou apaixonada…! Francamente! Mas que limitada, essa tua cabeça. É por isso que não encontraste nenhuma solução.
- E tu encontravas?
- Com certeza…e não precisava de homem nenhum…decidia por mim, conforme a minha vontade, e reunia todas as minhas forças e energias para conseguir o que queria…nem que fosse fazer limpezas…mas tu perdes tempo com vaidades irreais, de que fiz tudo para te prender, e porque estou apaixonada! – Dá umas sonoras gargalhadas. – Não estejas com o trabalho de arrumar. Sinto que não é lá que queres viver! Só deste a entender que ias ficar lá, porque achaste logo que tinhas encontrado a mulher da tua vida…sem me conhecer…é fantástico! Vocês realmente…conhecem mesmo bem as mulheres… (irónica) Eu ia mesmo apaixonar-me por ti nos primeiros minutos que te vi, sem fazer a mais pequena ideia de quem és, se és casado, se tens filhos, quais são os teus gostos…e ainda por cima, prender-te…na casa ao lado! Vocês realmente…superam todos os limites do ridículo.
- Desculpa, não queria ofender-te!
- Tens de aprender a tocar as cordas do instrumental que é a mulher…ela não cai na tua primeira música. Tens de tocar músicas suaves, e ter dedos para tocar o coração dela…a alma dela…a amizade dela…não o corpo dela! Um passo de cada vez. Um dedo do pé, de cada vez…e às vezes, uma unha de cada vez.
- Cruzes…Isso demora uma eternidade…
- A mulher não é um naco de carne, nem um instrumento!
- Entendi…! Achas que vou depressa demais?
- Claro que sim. É por isso que elas acabam por fugir…não gostam de crias esfomeadas. Voltando ao nosso assunto…Não posso ficar a viver aqui! Gosto muito desta casa, mas não posso ficar…tenho de ir atrás do que me faz feliz, que é tocar!
- Certo. Mas não precisas de mudar de sítio. A não ser de vez em quando, quando tocares instrumentos barulhentos.
- Barulhentos são todos! Gosto de tocar todos!
- Vai à tua varanda e ao teu quarto…ali também.
            O rapaz vê uns instrumentos iguaizinhos aos seus.
- Eu tenho estes instrumentos todos. 
- Experimenta para ver se são iguais.
            Os que ele experimenta são silenciosos.
- Estes são falsos. São silenciosos!
- Não. Eles tocam, mas são para tu ensaiares sem fazer barulho! Assim podes tocar à vontade que não incomodas. Quando saíres de casa, levas os verdadeiros.
            O rapaz fica surpreso.
- Áh! Fantástico! (sorri) Nunca tinha pensado nisto!
- (sorri) Por isso é que te levei para os moinhos…para te ajudar.
- E ajudaste mesmo! Ei…nem sei o que dizer, nem o que pensar…muito menos como te agradecer…!
- Mas eu disse que tinhas de agradecer?
- Não! Mas fui educado para agradecer, quando fazem alguma coisa por mim!
- A tua paga é a amizade, se quiseres.
- Claro que sim! Foste fantástica.
- Sei que vais ter muito sucesso!
- Obrigado! Muito obrigado…almoça comigo!
- Está bem!
- No fim vou ensaiar um pouco, e quero que fiques para ouvir.
- Com muito gosto!
            Os dois têm uma longa conversa, animados, riem, e a mulher ajuda a fazer o almoço. Almoçam, no fim, o rapaz ensaia com os instrumentos silenciosos e a mulher fica a ouvir.
- Consegues ouvir?
- Consigo! Tocas muito bem, e músicas lindas.
- Obrigado! (sorri) Também sabes tocas?
- Sei!
- Queres trabalhar comigo?
- Posso trabalhar… (sorri)
- Boa!
            Os dois ensaiam a tarde toda. A mulher demonstra o que sabe tocar, ele aplaude e à noite fazem uma actuação na cidade, onde tocam instrumentos leves, com sons muito leves, e agradáveis.
Uns são tocados apenas com a aragem do vento que passa, e faz mexer as cordas. Outros são tocados com as penas das pombas que caem, e raspam nas cordas. Outros são tocados com os sopros dos artistas.
Todos os que assistem ficam encantados. Cada um deita moedas de valor no saco de instrumentos do rapaz, no fim de cada música que ele toca, e aplaudem de pé, no fim de cada actuação. Tiram muitas fotos, e chovem pedidos de actuações todas as noites.
O rapaz começa a ganhar muito dinheiro todos os dias e torna-se muito famoso pelos instrumentos tão leves e tão bonitos com a sua amiga. O tempo passa e com o dinheiro que ele ganha, abre uma escola de música no monte dos moinhos, frequentada por centenas de pessoas que querem aprender.
Uma pequena mudança que mudou a sua vida para sempre, e deu-lhe uma nova e verdadeira amiga. Não precisou de mudar de casa, nem de profissão.
Às vezes precisamos de ter uma estrelinha da sorte, para vivermos a fazer o que gostamos e o que nos faz feliz. Outras vezes, não descobrimos à primeira, o que nos faz realmente felizes, e precisamos de mudar…nunca é tarde e vale a pena!
Outras vezes, a mudança acontece inesperadamente, fruto da nossa voz interior e da vida que nos leva a sítios diferentes sem sabermos porquê, e faz-nos encontrar pessoas inesperadas, que nos guiam na mudança.
Podemos sempre mudar…basta acreditarmos nas mudanças, e na vontade de mudarmos. Nunca devemos desistir de mudar para o que nos faz sentir realizados, felizes e completos.


                                               FIM
                                               Lálá 
                                       (24/Maio/2014)  

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