Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 25 de março de 2016

A confissão (Adultos)

NARRADORA – Era uma vez uma princesa que se chamava Maria Luísa. Vivia num castelo com a sua família muito numerosa. Já era crescida, e todos os dias recebia visitas de homens encantados por ela, que lhe ofereciam jóias valiosas, presentes caros para a conquistar. Ela ficava vaidosa, e gostava, agradecia, mesmo assim, o seu coração só batia mais forte por um rapaz jovem e bonito que animava as noites…o bobo da corte, que também estava apaixonado por ela. Um dia, o Rei apanhou os dois juntos, a trocar beijos e abraços, e não permitiu este namoro. Castigou o bobo que foi preso na prisão do castelo, e a filha, por se ter apaixonado por um que não era da sua classe. A princesa ficou tão triste que se fechou no quarto e não queria sair. Estava a ficar doente por não comer há vários dias.
REI (da porta) – Minha filha, sai desse quarto.
PRINCESA – Não quero sair deste quarto. Será aqui o meu fim.
REI (preocupado) – O quê?
PRINCESA – É isso mesmo! Vou apodrecer aqui.
REI – Mas que disparate.
PRINCESA – Disparate é o que tu estás a fazer comigo.
REI (grita) – Abre esta porta…deixa-me entrar.
PRINCESA – Não quero que entres. Vai-te embora.
REI – Por favor.
PRINCESA – Não. Só entra aqui o Gonçalo.
REI (grita, nervoso) – Esse desgraçado…vou acabar com ele…
PRINCESA – Primeiro tens de acabar comigo, ou connosco…os dois juntos... eu e ele.
(Aparece a Rainha)
RAINHA – Com licença. Deixa-me entrar.
REI – Ela não deixa.
RAINHA – Filha…deixa-me entrar.
PRINCESA – Não.
RAINHA – Vá lá…sou eu, a tua mãe.
PRINCESA – Não.
REI – Ela está louca e a deixar-me louco.
RAINHA – Filha…por favor…sai desse quarto! É a tua mãe que pede.
PRINCESA – Não saio. Vou apodrecer aqui, até que me deixem viver a minha paixão com o Gonçalo, em paz.
REI – Então vais mesmo apodrecer aí, porque eu nunca vou autorizar o teu namoro com esse.
PRINCESA – Eu atiro-me da janela abaixo.
REI – Atira-te!
RAINHA – Que loucura…isto não me pode estar a acontecer.
PRINCESA – Obrigada por tudo.
(Aproxima-se da janela e salta mesmo. Cai no jardim).
REI – Filha…?
RAINHA – Filha…?
(Silêncio)
REI – Agora está a fazer chantagem!
RAINHA – Estou preocupada.
REI - Temos de arrombar a porta. Eu não acredito que ela tenha feito isso.
(O Rei manda arrombar a porta do quarto)
GUARDA (em pânico) – A princesa está no chão.
(Os Reis descem a correr, em pânico)
REI – Filha…
RAINHA – Filha…
GUARDA – Está…desmaiada!
RAINHA – É com a fome.
REI – Ai, não posso acreditar que ela fez isto.
RAINHA (revoltada) – Satisfeito?
REI – Como é possível?
RAINHA (nervosa) – Como é possível seres um cubo de gelo, e a evolução da tua cabeça ter parado no século da pedra?
REI – Porque é que ela fez isto?
(A princesa abre os olhos)
PRINCESA – Estou no céu? Onde está o bobo…? (sorri) Papá…obrigada…mataste-nos aos dois…boa! Agora sim…vamos ficar juntos para sempre…bobo…Gonçalo…! Onde estás…? Ainda não chegaste…?
GUARDA – Ela não está a dizer coisa com coisa…!
REI – Está louca! (grita nervoso) Esse maldito
RAINHA – Cala-te. Vamos mas é, chamar alguém. Ela deve ter dado com a cabeça…e precisa de comer.
PRINCESA – Aqui também se come? Mas não precisamos de comer…
REI – Pega nela…leva-a para a sala, e vamos chamar o médico.
NARRADORA – A princesa está aérea, a delirar. O médico observa-a, e dá-lhe uns medicamentos, manda-a alimentar-se. As empregadas preparam comida, e ela come. O Rei vai ter com o bobo à cadeia.
REI – Palerma…acorda…! (Gonçalo estremece) O que é que tu fizeste à minha filha?
GONÇALO – Nada, o todo poderoso não me deixa aproximar dela, sequer.
REI – Ela está louca.
GONÇALO – Louca, como?
REI – Avariada daquela cabeça, por tua causa…só te vê à frente, deixou de comer, e atirou-se da janela abaixo.
GONÇALO – Óh não.
REI – Sim. A culpa é toda tua.
GONÇALO – Minha? É totalmente sua…você é que não a deixou envolver-se comigo, só porque eu não tenho sangue azul.
REI – Sim, claro. Ela só pode ficar com alguém que tenha sangue azul.
GONÇALO – Não está correcto.
REI – Quem és tu para dizer o que está correcto ou não?
GONÇALO – Que eu saiba não há leis que digam que alguém manda no coração.
REI – Tu não sabes nada. Não sei do que é que a minha filha se encantou de ti. Tantos pretendentes jeitosos, ricos…que vêm vê-la todos os dias, e trazem-lhe presentes caríssimos, e ela rejeita todos. Onde é que ela tem a cabeça?
GONÇALO – Pois…eu sou pobre.
REI – És pobre, e do povo…não tens uma profissão digna. Não vales nada.
GONÇALO – Talvez seja por isso que ela não gosta dos outros, que só têm material.
REI – O que é que tu dás à minha filha? Nada…
GONÇALO – Dou tudo o que os outros não dão.
REI – Como assim?
GONÇALO – Faço-a rir…
REI – Que grande coisa. Ela não precisa de rir.
GONÇALO – Claro que precisa de rir, você também precisa de rir…toda a gente precisa de rir. Brinco na minha profissão…mas não brinco com ela, nem com os sentimentos dela.
REI – És pobre…! Os sentimentos dela não interessam, o que interessa é que seja alguém de sangue azul.
GONÇALO – Para quê?
REI – Porque as leis da realeza são assim.
GONÇALO – Só para aparecer…e parecer bem aos outros?
REI – Claro, que mais importa?
GONÇALO – E o amor?
REI – Que amor…? Que raio é isso?
GONÇALO – Não sabe o que é amor?
REI – Não…nem me interessa.
GONÇALO – O Rei é feliz?
REI – Claro que sou.
GONÇALO – Duvido que seja…
REI – Mas sou!
GONÇALO – Sem amor…?
REI – Sim, essa coisa não faz falta nenhuma.
GONÇALO – Nunca teve amor?
REI – Sei lá o que é isso.
GONÇALO – Pois…claro que não sabe…nunca teve amor, nunca o ensinaram o que era isso, apenas lhe ensinaram futilidades e leis estúpidas, que não fazem qualquer sentido…só lhe ensinaram aparência. no fundo, tenho pena de si, sabe…?!
REI – Pena? Porquê?
GONÇALO – Por nunca ter conhecido o amor….por nunca ter sido amado…!
REI – É. Isso nunca fez parte da minha vida.
GONÇALO – Porque não?
REI – Porque…era uma coisa desnecessária.
GONÇALO – Era uma coisa? Não…o amor não é uma coisa! É um sentimento, uma emoção…é vida!
REI – Ora essa…
GONÇALO – Sim, é verdade. O Rei nasceu do amor.
REI (emocionado e triste) – Não…nasci da minha mãe, que nunca me abraçou, nunca me beijou, nunca me deu carinho…nunca me pegou ao colo!
GONÇALO – Como assim?
REI – Porque era desnecessário. Ela tinha mais o que fazer…sempre que me aproximava dela…ela pedia às aias que me aturassem, mas as aias também tinham mais o que fazer!
GONÇALO – Como pode dizer que o amor é desnecessário…? É essencial à vida…à pessoa.
REI – Eu não sou uma pessoa.
GONÇALO – É uma pessoa, sim! Apenas não conheceu o amor e o carinho…! Mas conheceu a sua mulher, que o ama, e as suas filhas que ama, e que o amam. Não?
REI (triste) – Óh…Não sei.
GONÇALO – Eu tenho a certeza que sim.
REI – Como é que elas podem amar-me, ou gostar de mim, eu sou tão severo!
GONÇALO – Elas são mulheres, e têm amor. Entendem…encontram sempre uma pontinha de amor, ou descobrem muito amor, mesmo quando achamos que não temos…! Elas são a luz dos homens.
REI (triste) – A minha mãe nunca viu…
GONÇALO – Deve ter visto…talvez não conseguisse expressar esse amor que sentia por si.
REI (triste) – Eu nunca fui um bom pai.
GONÇALO – Não acredito nisso.
REI (triste) – Acredita! (triste, a chorar) – Óh, desculpa…
GONÇALO – Desculpo o quê?
REI (triste) – As minhas lágrimas.
GONÇALO – As suas lágrimas?
REI (triste) – Ai que vergonha…
GONÇALO – Vergonha…? As lágrimas…?
REI (triste) – Sim!
GONÇALO – Não sei porque é vergonha…o que é que elas têm de mal? Existem em todos os olhos! Nos homens e nas senhoras…nas crianças…nos adultos e nos mais maduros!
REI (triste) – Sempre me ensinaram que um homem não chora!
GONÇALO – Mas que ensinamento mais parvo…! Vergonha é não chorar…onde já se viu…se não pudéssemos chorar…então para que temos lágrimas? Nunca lhe apeteceu chorar?
REI (triste) – Sim…quantas vezes!
GONÇALO – Então, porque não o faz?
REI (triste) – Porque sempre me disseram que é feio. É uma vergonha fazê-lo.
GONÇALO – Que disparate!
REI (a chorar) - Eu sou um monstro.
GONÇALO – Não diga isso.
REI (a chorar) – É verdade.
GONÇALO – Não. Eu sei que por baixo dessa pele de gelo, há um homem que derrete como manteiga no Verão e que tem um bom coração.
REI (a chorar) – Eu…nunca dei carinho às minha filhas, nunca as peguei no colo, nunca as abracei, nunca as beijei…só as critico e grito com elas! Muitas vezes arrependo-me, e queria muito ser como a minha mulher…mas não consigo.
GONÇALO – Não consegue, porque o seu coração está muito ferido, pela sua mãe, que também não fez por mal, simplesmente, foi como aprendeu a ser.
REI (a chorar) – Sabes…eu nunca contei isto a ninguém.
GONÇALO – Ainda contou a tempo. E ainda está muito a tempo de compensar e de tirar essa armadura de ferro…
REI (triste) – Não sabes como eu desejo isso há tantos anos, mas não consigo.
GONÇALO – Claro que consegue.
REI (a chorar) – Óh…sai daí…estás livre!
(O Rei liberta-o)
GONÇALO – Vamos dar um passeio e conversar um pouco mais.
REI (triste) – Vamos!
NARRADORA – Os dois passeiam sem pressa, e têm uma longa conversa sobre o passado, sobre a infância, sobre muitos outros assuntos. No fim, o Rei sofre uma grande transformação como pessoa. Depois da longa conversa com o Gonçalo, o Rei tira a armadura de ferro que vestia, e passa a mostrar todos os sentimentos. Recupera toda a sua infância, e o tempo perdido com as suas filhas, acariciando-as, beijando-as, brincando com elas e com o bobo que ensina algumas habilidades ao Rei, e que ri às gargalhadas. Agora, sim, torna-se um Rei muito generoso, e autoriza o namoro da filha com o bobo. A filha também aprende habilidades e todos juntos, parecem crianças em ponto grande. A rainha está verdadeiramente feliz, e o Rei ainda mais. O bobo além de divertir o Rei, fez a sua máscara cair, e nascer um homem que vivia preso dentro daquele ar de ferro, e ensinou-lhe o amor. Às vezes acontece! Há determinadas pessoas que entram na nossa vida, e que têm a função de nos fazer cair as máscaras que usamos todos os dias, por medo, pela repressão da sociedade e da família, por vergonha, por tudo e mais alguma coisa.

FIM
Lálá
(20/Dezembro/2013)



Sem comentários:

Enviar um comentário

Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras