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terça-feira, 23 de setembro de 2014

AS ESTRELAS DA AVÓ

desenhado por Lara Rocha 

            Era uma vez uma senhora com alguma idade, que vivia triste e solitária, pois os seus filhos estavam muito perto, mas era como se estivessem muito longe porque nunca a iam visitar. Os netos também seguiam o exemplo dos pais, e não queriam saber da avó.
            A senhora chorava horas a fio, dias seguidos, passava grande parte da noite acordada, com medos, e a recordar os tempos felizes que tinha passado com os filhos, e que lhe traziam muitos sorrisos, carinho e muitas saudades.

- Quem me dera que o tempo voltasse para trás, e que os meus filhos voltassem a ser bebés! Nessa altura eu era mesmo muito feliz, tinha a casa sempre cheia de crianças, às vezes até me cansavam, mas ainda assim, eu adorava estar com eles. Até sentia falta deles quando não estavam. Era tão bom senti-los nos meus braços, pegar-lhes ao colo, embalá-los, tê-los à minha beira, beijá-los até quase os aspirar…É! Como eu era feliz nessa altura. Foram 8 crianças que trouxe ao mundo…e agora…? Agora…nem um me vem ver, nem me telefonam, e estão quase à minha porta. Chego a esperar horas ali à porta, na esperança de ver um…um que fosse…dos meus 8 filhos. Ou netos. Ai, que mundo este nosso! Antigamente, não era nada disto. Não sei o que ainda estou cá a fazer…a sofrer…! Até os meus netos, que criei com tanto amor…agora fazem de conta que eu não existo. Uma mãe está habituada, desde que decide ser mãe, a esperar…esperar, esperar…esperar que os filhos nasçam, esperar que os filhos comam, esperar que os filhos adormeçam, esperar que os filhos acordem, esperar que os filhos…eu sei lá…tudo gira à volta dos filhos. Até nos esquecemos de nós, e do marido…por isso é que o meu se pôs a andar depois de fabricar o oitavo. E eu…à espera que ele voltasse! Até hoje…nunca voltou. Se calhar já nem existe. Também não quero saber. Ai, que saudades…o que eu era, e o que sou agora…sou uma velha…um traste…um trapo…Ai…quem me dera que o tempo voltasse para trás…nem que fosse só por uns minutos, para eu ver outra vez os meus pequeninos…de certeza que sentiria ainda agora, o mesmo amor, e o mesmo orgulho que senti nessa altura, e certamente, sentir-me-ia totalmente preenchida, como me senti antes…agora…sinto um enorme vazio! Se pudesse voltar atrás…ia ser outra vez tão feliz…! Depois que os meus filhos se formaram…nunca mais conheci a felicidade…a não ser…quando os meus netos nasceram, e quando eles vinham para cá, encher-me a casa e os ouvidos…como eu era feliz! Depois, cresceram…e…parece que deixaram de saber que têm uma Avó. Talvez se eu lhes desse dinheirinho quando eles vem cá, eles lembravam-se mais…mas como não dou. Não dou, não é porque não tenha, e se eles precisassem eu dava, mas não dou! Primeiro, porque não precisam, e depois…porque não eduquei os meus filhos para o dinheiro. Eduquei-os para serem pessoas…boas, trabalhadoras, lutadoras…e não materialistas. Não sei se eles educaram os meus netos para os valores, ou para o dinheiro…é muito triste, depois de tudo o que fiz por eles…depois do amor que lhes dei, agora viram-me os rabos. A solidão é muito triste! Ai…que mundo, mundo…! Isto não é um mundo…é um desfiladeiro para o inferno.

            A senhora continua a lamentar-se, triste, a olhar para a janela e para o horizonte, sentada na sua poltrona da marquise.

- Nem viva alma! Só chuva! – Suspira a senhora

            Nesse dia, depois de muito chorar, deitada na sua cama olha para a janela e vê estrelas a brilhar.

- Olha as estrelas…quem me dera estar no lugar delas…lá em cima…de certeza que era mais feliz. Com tantas estrelas à minha volta…Ainda me lembro que pedia desejos às estrelas, na minha inocência. Óh…como elas são lindas! Se pudesse voltar atrás no tempo, eu queria voltar à minha inocência e pedir desejos às estrelas…achava eu que elas me ouviam e concediam os desejos. Se fosse agora, pedia…uma companhia…uma estrelinha para me acompanhar e dormir comigo…que falasse comigo, que me abraçasse…que me fizesse sentir mais feliz.
            Suspira, deita-se e adormece a sorrir pela lembrança feliz que esse momento lhe trouxe. As estrelas ouviram o seu pedido. Uma estrela envia uma cesta com dois lindos cãezinhos bebés, muito fofos, e pendura na porta da senhora. A senhora acorda, sobressaltada, levanta-se, vai à janela e vê qualquer coisa na porta.

- O que é isto?

            Sai a porta, abre, e vê a cestinha com os dois cãezinhos deliciosos. Ela pega na cestinha, e abre um enorme sorriso de felicidade e dá uma gargalhada.

- Estas são duas estrelinhas para ti… - Diz um bilhetinho que vinha na cestinha

- Ai, que coisas mais fofas…Óóóhhh…tão lindos…

            A senhora pega na cesta, entra a porta, e pega nos cãezinhos, um de cada lado. Abraça-os, encosta-os a ela, beija-os, acaricia-os, eles lambem-na, ela sorri, e brinca com eles. Dá-lhes de beber, e comer.

- Vocês são as minhas companhias, minhas estrelinhas…ai…que coisa tão boa. Obrigada, obrigada, obrigada!

            De repente tocam à campainha. A senhora assusta-se. Espreita.

- Quem é?

- Sou eu, Avó!

- Avó?
            Abre a porta, e vê um dos seus netos, com o irmão mais pequeno, a chorar.
- Ai…

- Avó…

- O que foi…?

- Por favor…deixe-nos dormir aqui.

- Entrem…

            Os dois meninos entram, e contam à Avó que a mãe deles fugiu com outro homem, e o pai deles, filho da senhora, ficou tão triste, que se meteu no álcool e não consegue cuidar deles. A senhora chora.

- Desculpe, Avó!

- Óh, não se preocupem…

- Podemos ficar consigo? Eu sei que não fomos bons netos, porque não viemos mais vê-la, mas gostamos muito de si.

- Óh filhos, claro que podem ficar…

- Tem dois cãezinhos agora?

- Sim! São duas estrelinhas que me ofereceram…

- São lindos…

- Segurem-me neles, por favor que eu vou fazer alguma coisa para vocês!

            Eles seguram nos cãezinhos, brincam com eles, acariciam-nos, e a senhora cozinha. Serve uma bela sopa, que eles comem deliciados, e faz uns belos panados com batata frita.

- Muito obrigado, Avó.

            Tocam outra vez à campainha e ela vai ver quem é. É o seu filho, pai dos meninos.

- Mãe…perdoe-me…por favor… (Põe-se de joelhos e chora aos pés da mãe) Eu sei que não fui um bom filho, não tive cabeça…por favor…preciso de ti! Dá-me colo…ou podes dar-me uma tareia.

- Óh filho…olha para ti. Estão aqui os teus filhos.

            Ele entra de gatas. A mãe dá-lhe uma sapatada e grita-lhe:

- Tu merecias mesmo um belo para de chineladas…primeiro porque deixaste-me aqui tipo cadela vadia, abandonada…quase porta a porta e não quiseste saber…e agora vens pedir colo…? Nesse estado? Onde está a responsabilidade e a educação nos valores que te ensinei? – Dá-lhe outra sapatada no rabo.

- Sim, podes bater, mãe…tens toda a razão. Aliás, sempre tiveste toda a razão.

- Ai, agora reconheces…Ááááhhh…é bom! A carcaça sempre serve para alguma coisa…

- Que carcaça?

- A tua mãe…

- Mãe…não digas isso. Por favor…perdoa-me…deixa-me voltar para aqui…

- Merecias ficar lá fora…com tanto amor que te dei, e desde que te formaste, eu deixei de existir…mas quando o coração dói, a mãe serve não é?

- Desculpa mãe…eu não fiz por mal.

- Não tiveste cabeça…deixaste-te levar pela ilusão…é bem-feita. Eu bem te avisei…mas tu pensaste que era ciúmes.

- Pois era…posso ficar…? Por favor?

- Sim, podes. Mas o álcool fica lá fora…entendeste bem?

- Sim, mãe…tudo o que quiseres…até durmo no jardim, se quiseres.

- Cala-te. Uma mãe mesmo magoada, perdoa, porque o amor pelos filhos nunca acaba, e não tem tamanho, nem idade.

            A avó está mais feliz, embora magoada. Uns dias depois, os filhos e os netos começam a regressar a casa dela, para a visitar muitas vezes, almoçar com ela, levá-la a passear e ficar com os netos, enquanto os pais trabalham. Todos a adoram.
A Avó parece que rejuvenesceu uma série de anos, está muito mais feliz, muito mais sorridente, e cheia de actividade. Os netos adoram brincar e fazer tarefas com ela, ajudam-na, e brincam com os cãezinhos.
A Avó nunca mais chorou, nem ficou triste, nem sozinha. Voltou a ter a casa cheia como sempre, e era uma avó maravilhosa para os netos, uma mãe excelente para os filhos, e uma sogra acolhedora e simpática.
Passados uns meses, a Avó foi novamente à sua janela e olhou para as estrelas.
- (sorri) Estrelinhas…desculpem já não falar convosco há muito tempo…quero agradecer-vos muito, as estrelinhas que me mandaram! Os cãezinhos, e as maiores estrelas que se pode ter: filhos e netos…e agora bisnetos. São o meu sol…a minha vida e a luz da minha casa.
            Uma neta ainda pequena foi passar o fim-de-semana com ela, e ouve-a a falar:

- Avó…com quem estás a falar?

- Óh filha, estava a falar com as estrelas.

- Tu também falas com as estrelas? – Pergunta a neta surpresa e a sorrir

- Claro. Pode-se falar com as estrelas sempre que se quiser…ou achas que os velhos não falam com as estrelas?

- Avó…tu não és velha.

- Tu também falas com elas, não falas?

- Sim! Peço-lhes desejos, e outras coisas.

- Eu também.

- E pediste-lhes algum desejo?

- Pedi.

- E elas realizaram?

- Uns sim, outros não. Mas o último realizaram…e era o que eu mais queria.

- E podes dizer o que foi?

- Pedi…umas estrelinhas para me fazerem companhia.

- Áh! Que lindo.

- É. E elas enviaram-me os cãezinhos, os meus filhos e os meus netos, e agora os meus bisnetos. São as minhas maiores estrelas.

- Uau! Adoro-te Avó…!

- Eu também te adoro muito, minha boneca.

            Trocam abraços, beijos, carinhos e vão-se deitar as duas felizes.

FIM
Lálá
(23/Setembro/2014)





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