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domingo, 1 de março de 2015

O MIMINHO DA LUA


foto de Lara Rocha 

Era uma vez um pintor que decidiu isolar-se, fechar-se para o mundo, e viajar por sítios onde nunca antes tinha ido, para conseguir novas ideias. Percorreu muitos quilómetros, e por onde passou reparou sempre em alguma coisa diferente, que nunca antes tinha visto. Levou consigo roupa, bebida e as suas inseparáveis folhas, tintas, e lápis. Desenhou e pintou tudo o que viu pelo caminho.
Parou em sítios diferentes para dormir, e comer, e seguia caminho de manhã cedo. Pintou o céu cheio de estrelas que viu numa noite, antes de adormecer, o nascer do sol, o entardecer, animais com quem se cruzou no caminho e outras imagens que lhe surgiram na mente.
Andou muito, e em cada sítio onde parou, descobriu um pedacinho de si que ele não conhecia. Quando chegou a um sítio deserto, com muito calor, abrigou-se à sombra, e apreciou a paisagem.
- Não tem nada aqui!
            Fechou os olhos, e sorriu. Só queria mesmo era descansar. Dormiu, e enquanto dormia, sonhou. Acordou ainda de noite, bebeu água e pintou o seu sonho. Voltou a dormir, e mal ele sabia que estava a ser observado.
            A lua era gigante, e tinha uma luz incrível. Ele abre os olhos e vê a lua.
- Lua? Áh! Que linda! - Diz ele.
- Sim, sou eu. E tu quem és?
- Ando à minha procura… não sei bem quem sou.
- Mas porque andas à tua procura? Estás inteiro.
- Pareço inteiro, mas na verdade…acho que muitos pedaços de mim, andam por aí espalhados.
- Porquê?
- Nunca ninguém é todo completo. Falta sempre algum pedaço.
- Como assim?
- Parecemos inteiros, mas no nosso coração faltam muitos pedaços…quando nascemos, ele está inteiro. Quando vamos crescendo, ele vai-se despedaçando.
- Áh! Que pena. E porque é que isso acontece?
- Porque sofremos desilusões, ou porque nos magoam.
- Hum…acho que sei do que estás a falar.
- Durante muito tempo dediquei-me a uma pessoa que me fez esquecer de mim mesmo. Dei-lhe tanto amor…mas ela destroçou-me, ficou com milhares de pedaços meus.
- E não te devolveu?
- Não!
- Mas devias obrigá-la a devolver.
- Isso não é possível. Um coração não é uma coisa, um objecto, feito de um material que se partir tem concerto.
- Como é que deixaste?
- Infelizmente não podemos fazer nada para mudar isso.
- Estás a falar de um desgosto de amor…certo?
- Sim. Como é que sabes?
- (ri) Quantas vezes ouço lamentações e dores de amor.
- Áh! Então já sabes do que estou a falar.
- Sim.
- Sentimo-nos vazios…sentimos a falta dos pedaços que ficaram com a outra pessoa. E ela não nos devolve.
- Sim, eu sei.
- Fiz uma caminhada, para ver se encontrava os pedaços que me faltam.
- Áh sim? E conseguiste?
- Alguns…mesmo assim, ainda me faltam.
- Pode ser que os encontres aqui.
- É! Olha, desculpa, estou muito cansado…vou dormir.
- À vontade. Estou sempre aqui.
            Ele adormece, e a Lua fica a admirá-lo. Um pedaço dela separa-se de si e cai à beira do rapaz. Na verdade ela estava a gostar dele, mas sabia que aquela relação nunca seria possível, porque ele era humano e ela era lua. Aquele pedaço que lhe caiu era um pedacinho do seu coração que tinha acabado de ficar triste, e também seria uma companhia para ele.
            Quando ele acorda, já de manhã, vê que a lua tinha desaparecido, e que era dia. Pintou a bela lua que tinha visto nessa noite, e suspirou:
- Quem me dera que fosses uma mulher…serias tão linda, se fosses uma mulher…e se calhar encontraria em ti todos os pedaços que me faltam.
            E desenha uma bela mulher dentro da enorme lua. Nessa noite, a Lua voltou a aparecer, linda e enorme. Ele sorri-lhe:
- Olá! Deixaste um presente para mim?
- Sim! (sorri) Gostaste?
- Adorei. Também tenho dois presentes para ti.
- A sério?
- Sim. Olha…
            Ele mostra-lhe as duas pinturas.
- Áh! Que lindas pinturas. E eu…sou eu! Áh! Mas estão perfeitos… e essa rapariga que está aí, era a que ficou com os teus pedaços?
- Não! Esta…talvez seja quem tem todos os pedaços que me faltam.
- Uau! É linda. E existe?
- Não sei…gostava que sim.
- Porque é que achas que ela teria os teus pedaços?
- Não sei se tem…nem sei se ela existe, mas…foi apenas uma bela mulher que me surgiu na mente.
- Gostavas de a encontrar?
- Gostava.
- Fecha os olhos…
            Ele fecha os olhos e da Lua cai outro pedaço, em forma de mulher, igual à que o rapaz tinha pintado na Lua.
- Já posso abrir?
- Já.
            Ele olha e diante dele, está a mulher que ele pintou.
- Áhhh…mas o que é isto?
- Sou eu.
- És igualzinha à que eu pintei. Onde estavas?
- Ali…
- Mas…o que fazes aqui?
- Foste tu que me chamaste!
- Áh! És tu que tens os pedaços que me faltam?
- Quem sabe!
- Como saberei?
- Olha para os meus olhos…
- São lindos!
- Obrigada, os teus também. Mas olha mais…
            O rapaz mergulha nos olhos da mulher lua e consegue descobrir coisas maravilhosas.
- Sim…és tu quem tens os pedaços que me faltam.
- Encontraste-os?
- Sim, nos teus olhos.
- Boa.
            Ele estende-lhe a mão, segura na mão dela, e diz:
- Fica comigo para sempre…eu preciso dos pedaços que encontrei nos teus olhos.
            Ela sorri. Cai aos pés dos dois, outro pedaço de lua, que se abre e de lá de dentro, sai uma explosão de luz, cheias de cor, envolve os dois, e abraçam-se carinhosamente. Conversam, ele pinta uma bela imagem, trocam um beijo e ao amanhecer, a Lua dá um enorme, sonoro e luminoso beijo aos dois que estão a conversar.
- A amizade entrou, agora…Deixem o amor entrar! Quando ele quiser, ou quando ele entender que pode entrar. Alimentem-no, cuidem-no e protejam-no todos os dias, com dedicação, respeito, carinho, diálogo, amizade, fidelidade e liberdade. – Diz a Lua
- Obrigada. – Dizem os dois, felizes
- Olha por nós. – Pede o rapaz
- Sim, olharei sempre por vós. – Garante a Lua  
            A Lua derrete, desaparece e a mulher acorda ao lado do rapaz que dorme. O rapaz acorda sobressaltado e grita:
- Lua…
            A rapariga acorda, olha para ele.
- Isso é maneira de acordar?
- Desculpa. A lua estava a derreter…
- O quê?
- Dormimos juntos?
- Parece que sim…e depois?
- Nada.
- Acho que estava a sonhar…mas tu és-me familiar…
(Ela sorri)
- Sou aquela que tem os teus pedaços…que encontraste no meu olhar.
- Áh! Claro que sim. Tu existes mesmo…?
            Ele confirma na pintura.
- Sim, és mesmo tu! Como é que apareceste aqui?
            Ela sorri, e ele retribui o sorriso:
- Já sei...fui eu que te pintei.
- Sim, mas foi ela que me enviou para ti…e agora vai cuidar sempre de nós. Eu sou um pedacinho dela.
            Os dois sorriem, abraçam-se, e ele regressa para casa, com o pedacinho de lua que tinha todos os pedacinhos que lhe faltava.


FIM
Lálá
(27/Fevereiro/2015)


  

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