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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

NA TEMPESTADE















foto de Lara Rocha 


            Era uma vez uma montanha, onde os seres humanos não tinham acesso. Só alguns animais voadores e de quatro patas que já lá tinham nascido, e estavam habituados. Nessa montanha existia uma casa, há muitos anos desabitada, em ruínas, com um jardim, que mais parecia um matagal assustador, mas servia de abrigo aos animais, embora estes não parassem muito tempo por lá, pois o matagal tornava o jardim frio, e desconfortável.
            Os animais não se entendiam muito bem uns com os outros, e ainda que partilhassem o mesmo espaço, mal se conheciam, raramente se falavam, abrindo a boca apenas para discutir ou atacarem-se uns aos outros.
As lutas eram constantes entre os animais de diferentes espécies, e da mesma, sem razão aparente…talvez…puramente machismo, ou luta por lugar…embora houvesse espaço mais que suficiente para todos, ou…quem sabe, para ver se reparavam uns nos outros, e se tornavam amigos. Os mochos e as corujas bem tentavam pôr ordem, mas não adiantava de nada…os que lutavam, nem os ouviam.
            Um dia, os animais acordam sobressaltados com um vento muito forte…como não se lembravam de ter sentido antes…assobiava imenso, sacudia bruscamente as folhas das árvores, fustigava-as, e estas caiam. As árvores mais frágeis e mais velhas começaram a cair. Todos olham para o céu, muito assustados, e está cinzento, carregado de nuvens.
À sua volta voam coisas, até pedaços da casa abandonada. Os animais ficam muito agitados: os lobos uivam, andam de um lado para o outro; as borboletas escondem-se nas flores, que também quase são arrancadas pela ventania; as gaivotas piam, e elas e os pássaros em geral, não conseguem voar.
O matagal começa a levantar e num instante, fica meio descampado. Os animais não sabem o que vai acontecer, nem o que fazer.
- Escondam-se! – Grita um lobo.
- Onde? – Perguntam todos.
- Onde puderem. – Responde o lobo.
- O que é que está a acontecer? – Pergunta um gato, nervoso que se tenta segurar.
- Não sei…mas é muito assustador! – Responde outro gato assustado.
- É uma tempestade! – Grita outro lobo.
            Todos os animais correm de um lado para o outro, muito nervosos e assustados; chocam-se várias vezes uns com os outros, com a aflição, e envolvem-se em lutas severas.
- Parem já com isso, seus trogloditas! – Ordena uma loba zangada.
- Abriguem-se, e deixem-se dessas lutas ridículas… - Acrescenta uma cadela.
- A não ser que queiram ir juntamente com a ventania…mas irão orgulhosos por lutarem não? – Diz outra loba.
- Mas onde nos vamos esconder todos…se mais de metade do jardim já foi pelos ares? – Pergunta um lobo que estava envolvido na luta.
- Já teriam encontrado, se nem sequer começassem a perder tempo com lutas! – Responde outra loba.
- Já não podemos voltar atrás…queremos é saber agora onde nos escondermos! – Responde outro lobo.
- Arranjem-se! – Respondem as fêmeas.
- Continuem aí a lutar…! – Diz outra cadela.
- Não percam mais tempo…não faltam sítios onde se abrigarem…despachem-se! Não temos mais tempo a perder, para salvarmos a nossa pele. – Diz outra loba.
- Aquela parte do jardim não deve ir pelo ar! – Repara uma gaivota.
- Abriguem-se ali na gruta. – Sugere uma gata.
- Estou totalmente de acordo! – Diz outra gata.
- Nem pensar! – Gritam todos os animais machos.
- Eu não vou ficar com este peludo…que nojo…! – Diz um gato muito incomodado.
- Nem eu vou ficar com estes ali no mesmo sítio… - Responde um lobo.
            E começa uma grande discussão, porque não querem ficar uns com os outros, são inimigos.
- Meninas…vamos pôr ordem nisto! – Sugere outra loba.
- Boa! – Concordam todas.
- Mas como…se estes cabeçudos não nos ouvem? – Pergunta uma cadela.
- Querem ver? – Pergunta a Águia.
            A Águia solta um sonoro, agudo e prolongado grito, e todos os machos param gelados, a olhar em volta assustados. As fêmeas riem e aplaudem.
- Obrigada! – Agradecem as fêmeas, a rir.
- Ora essa! Temos de ser umas para as outras…! – Diz a águia a sorrir.
- Foste tu, óh…? – Pergunta um gato.
- Óh quê? – Pergunta a Águia que assobiou.
- Casaco de penas…bico de gancho… - Acrescenta o gato.
- Pensas que me ofendes com essas piadinhas…? Esquece…tenta outra! – Responde a Águia.
- Estás cheio de inveja! – Acrescenta outra Águia.
- Com certeza! – Confirma a Águia.
- Eu…? Com inveja de ti…? Para quê? Sou muito mais bonito, eu sei… - Responde o gato vaidoso.
- Cala-te! – Grita uma loba.
- Meus grandes selvagens brutamontes…não querem abrigar-se, é problema vosso…preferem ir com o vento, e servir de refeição para abutres…à vontade! A escolha é vossa! – Informa a Águia.
- Seus inconscientes! – Grita uma loba zangada.
- Continuem a fazer figuras tristes…a lutar, e vão com o vento…! – Diz uma cadela.
- É vergonhoso o vosso comportamento! – Diz uma loba.
- Uma tempestade…prestes a rebentar…e vocês aí com lutas insignificantes de machos imbecis! – Acrescenta outra loba.
- Olhem à vossa volta, seus ridículos! – Ordena outra loba.
- Olhem com olhos de ver…à vossa volta, meus anormais. – Acrescenta a Águia.
- Vejam se vale a pena, e se é tempo de estarem agora, engalfinhados em lutas, face ao perigo que nos rodeia, seus ignorantes. – Acrescenta outra loba zangada.
- São tão insignificantes! Mas estão aí metidos a grandes…parece uma anedota! – Resmunga outra Águia a rir.
- Somos insignificantes, minorcas…comparados com o tamanho do monstro invencível que está prestes a rebentar com tudo…e nós incluídos…! – Lembra outra loba.
- E vocês machões de meia Leça…aí…a esfrangalharem-se, por causa de machismos…que ridículos que vocês são…! – Diz outra Águia.
- Pensem, seus ignorantes, se são mais fortes que uma tempestade, que sobrevoa a nossa cabeça! - Diz outra Águia.
- É! Pensem se vale a pena armarem-se em machos, e deixarem-se dominar pelos preconceitos machistas… - Lembra uma cadela.
- A porcaria das lutas, o machismo estúpido, e a desunião, é que são importantes, não é, seus limitados…? – Resmunga outra loba.
- É! As lutas, o machismo, o preconceito, a falta de respeito pela diferença, a desunião são muito mais valiosos que a vossa vida…não é? – Acrescenta outra loba.
- Pensem se tudo isso vale a vossa vida…pensem se vale a pena tudo isso, com esta tempestade! – Grita outra Águia.
- Se tiverem a sorte de ter tempo para pensar. – Diz uma gata.
            E ouve-se um forte trovão, com relâmpagos que fazem desenhos no céu.
- Até a terra treme…continuem a lutar, e não se protejam. – Diz outra loba.
- Nós…vamos fazer por nós…vocês…se são tão machos, mais fortes que a tempestade…arranjem-se! – Diz outra Águia.
- Boa sorte para vocês! – Diz outra Águia.
- Vamos meninas…ali, temos espaço e protecção…esperamos! – Diz uma loba.
- Vamos! – Gritam todas.
            Outro trovão estrondoso, todos se encolhem, o vento continua a soprar mas ainda mais forte, e a fazer redemoinhos, levantando objectos da casa, arrancando árvores, as fêmeas de várias espécies estão muito assustadas, mas protegidas debaixo de árvores centenárias que abanam mas resistem, muito encostadas umas às outras, a segurarem-se umas às outras, e às raízes.
As Águias também se abraçam, abrem as grandes asas, e protegem as outras fêmeas, envolvendo-as, e aquecendo-as, com as garras presas nas raízes para se segurarem.
- Meninas…estamos juntas, e em segurança! – Diz a Águia.
A trovoada é assustadora, e as fêmeas dão as patas umas às outras, debaixo das asas para se sentirem mais seguras.
- Ai, que medo! – Comenta uma loba.
- Concordo contigo! – Diz outra loba.
- Nunca pensei assistir uma coisa tão monstruosa como estas! – Acrescenta outra loba.
- Nem eu! – Respondem todas as fêmeas.
- Nunca estivemos tão juntas, como agora…! – Comenta uma cadela a sorrir.
- Pois não…mas isso incomoda-te? – Pergunta uma gata.
- Não, de maneira nenhuma! – Responde a cadela.
- Numa altura destas, não tínhamos outra solução, se não…juntarmo-nos, e abrigarmo-nos. – Responde uma loba.
- Claro. Mesmo que antes nunca tivéssemos estado juntas…! – Responde outra loba.
- Mas somos todas fêmeas…! – Lembra uma gata.
- Claro, mais uma razão para nos juntarmos…ao contrário daqueles idiotas! – Responde outra loba.
- Pois! – Concordam todas.
- Entre nós, nunca houve nada! – Lembra uma loba.
- Não! – Respondem todas as fêmeas.
- Sempre convivemos pacificamente…nunca nos falamos grande coisa, mas também nunca nos pegamos. – Comenta outra loba.
- Nós somos suficientemente inteligentes para separar as coisas. – Diz uma Águia.
- É verdade! – Respondem todas.
- E sabemos muito bem quando temos de nos unir. – Acrescenta outra loba.
- Pois! – Respondem todas.
- Este era o momento! – Diz outra Águia.
- Um dia, todas precisamos umas das outras. – Diz outra Águia.
- Com certeza! – Respondem todas.
- Juntas somos muito mais fortes, e podemos conseguir muito mais! – Lembra outra loba.
- É verdade! – Respondem todas.
- Os machos engoliram o orgulho e estão juntos em algumas tocas! – Diz uma Águia.
- Menos mal…! Também estão a salvo! – Diz uma gata.
- Que bom! – Respondem em coro.
- Felizmente acho que lhes demos uma boa lição…! – Comenta uma loba a sorrir.
- Deve estar um ambiente naquela toca…de cortar à faca…mais gelado do que o vento lá fora… - Diz outra loba a rir.
- Sim! – Respondem todas.
- Mas acho que a estupidez deles, não lhes permite aprender o que é bom! – Diz uma gata.
- Eu tenho esperança que sim! – Responde outra gata.
- Talvez esta tempestade tenha a sua missão! O seu lado positivo! E…ensinar-nos qualquer coisa. – Comenta outra loba!
- Claro que sim! – Respondem todas.
- Olhem, meninas…já que estamos aqui, podemos aproveitar para nos conhecermos…- Sugere a Águia.
- Boa Ideia! – Respondem em coro.
Os machos são teimosos e orgulhosos, não querem ficar juntos, e cada um procura abrigo onde pode, com grande dificuldade, quase a ir pelo ar. Um lobo decide engolir o orgulho e grita para os outros machos:
- Aqui há espaço! Venham rápido.
            Os machos que andam muito aflitos à procura de abrigo, de diferentes espécies, ficam surpresos, mas como sentem o perigo muito perto, não pensam duas vezes…metem-se nessa toca que está protegida, por pedras e ficam também juntos para se aquecerem.
- Que estranho…estarmos assim tão juntos…! – Comenta um lobo.
- Nunca estivemos assim! – Diz outro lobo.
- Não gosto muito disto…! – Comenta outro lobo.
- Nem eu, mas não tivemos alternativa! – Diz outro lobo.
- Podiam ter ficado lá fora! – Diz o lobo.
- Não! – Respondem em coro.
- Mal por mal…! – Responde o gato.
- Não sei o que me parece estar tão encostado a outro macho! – Comenta outro lobo.
- Nunca estiveste encostado ao teu pai ou irmão…? – Pergunta o lobo.
- Já! Mas era diferente!
- Diferente porquê?
- Porque era família…agora…estou com estranhos…!
- Qualquer amizade começa com alguém que nos é estranho.
- Sim, é verdade…
- Que diálogo mais estranho. – Comenta outro lobo.
- Devemos é pensar que neste momento, estamos juntos, para nos protegermos…e não pensar que somos todos machos, e que não sei quê…não sei que mais…! – Diz um gato.
- Se estivéssemos com fêmeas era bem melhor. – Acrescenta outro lobo.
- Como podes pensar nisso agora? – Pergunta um gato indignado.
- Tu também não querias? – Pergunta o lobo.
- Se não estivesse nesta situação, claro que sim! – Responde o lobo.
- Queres é usar-nos para refeição não é? – Diz um gato.
- Claro…! Tanta simpatia, traz água no bico…! – Diz outro gato.
- (suspira) Cala-te! Não é nada disso…! – Responde o lobo.
- Não é altura para falarmos de Guerra! – Acrescenta outro lobo.
- Estamos em perigo! – Suspira e comenta outro lobo.
- Sou lobo, mas tenho sentimentos…e não ficaria bem, se vos visse a correr perigo, num momento de aflição como estes, e não fizesse nada…! – Diz o lobo.
- E vocês, não fariam o mesmo? – Pergunta outro lobo.
- Apesar das nossas lutas, e das nossas diferenças…sim…acho que sim! – Responde o gato.
- Só espero que a tempestade passe rápido. – Comenta o lobo.
- Eu também. – Respondem todos.
- Olhem, e se aproveitarmos o facto de estarmos juntos, para nos conhecermos melhor? – Sugere o lobo.
- É…talvez a tempestade até passe mais rápido! – Diz outro lobo.
- Huummm…sim, pode ser! – Responde outro lobo.
- Boa! – Respondem os outros.
            Todos os animais estão a salvo e protegidos, embora muito assustados. Na toca das fêmeas, e no abrigo dos machos, nessa manhã, conversa-se alegremente, ri-se, e descobre-se muitos aspectos em comum.
            A tempestade alivia, e aproveitam para almoçar. Trocam impressões com os machos, e elas estão felizes por verem os machos a entender-se bem. Comem juntos, e as fêmeas partilham o momento de almoço sempre a falar e a rir umas com as outras, e provam alimentos diferentes.
            No fim do almoço, volta o vento forte, e a trovoada. As fêmeas voltam para o sítio onde estavam e os machos para as tocas, mais amigáveis, e a conversar.
            Os barulhos que se ouvem da tempestade arrepiam e assustam: coisas a partir, a estalar e a voar, o vento a soprar forte e a levar tudo pelo ar, árvores arrancadas…a casa já só tem quase as paredes de pé, e do jardim restam os muros e as árvores milenares que resistiram, onde estão as fêmeas e os machos.
            As fêmeas arranjam sempre assuntos para falar a tarde toda, e rir, enquanto à volta delas chove torrencialmente, troveja e venta como nunca antes tinham visto. Os machos também se decidem a divertir-se juntos.
            Nessa noite, todos festejam juntos e alegremente, o facto de terem sobrevivido, trocam agradecimentos, pedidos de desculpas, e abraços, e dão as boas-vindas, com um brinde à linda e sincera amizade que tinha acabado de nascer na tempestade.
A partir desse dia, os animais que partilhavam o mesmo espaço, tornaram-se amigos verdadeiros, convivem alegremente, ajudam-se uns aos outros, vivem alegrias e partilham tristezas, medos, desesperos, dores…fazem festas, e passeiam juntos.
A tempestade teve realmente o seu aspecto educativo e positivo pois: juntou animais que, apesar de viverem no mesmo sítio não se conheciam, nem se falavam…e despertou neles, a união, a partilha, a cooperação, a protecção e a amizade, acabando com as lutas machistas.
Às vezes, na nossa vida também conhecemos amigos e unimo-nos a pessoas que se tornam verdadeiras amigas especiais, em momentos difíceis. Mas o melhor é não esperar por esses momentos para ter, e conhecer amigos, e para mostrar aos outros, como somos iguais em muitas coisas. Além disso, as diferenças físicas, as zangas ou lutas e vinganças, o egoísmo, a desunião e o desrespeito, o preconceito, a indiferença e a desumanidade, são perda de tempo e não resolvem os problemas, apenas os aumentam.

FIM
Lálá
(9/Agosto/2013)


            

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