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domingo, 2 de maio de 2021

Sereia ou peixe?

         


Era uma vez uma Vila de pescadores, onde viviam famílias simples, trabalhadoras e humildes. Os homens, desde os mais novos até aos mais velhos, saiam antes do sol nascer, e algumas das esposas, namoradas, sentiam o coração muito apertadinho. Tinham medo que não voltassem, ou que lhes acontecesse alguma coisa. Então, sempre que os homens iam para o mar, as mulheres de todas as idades não dormiam mais. Abraçavam e beijavam os filhos, os namorados, recomendando-lhes cuidado. Seguravam as lágrimas até eles irem  para os barcos no mar alto, juntavam-se, davam as mãos e rezavam por proteção! Aí sim, as lágrimas pelo medo saiam dos seus olhos! Não erram homens de fé, achavam que tinham muita coragem, era a missão deles, só tinham de a cumprir, mesmo que soubessem que era arriscado, e diziam com segurança que o mar era amigo deles. Um dos jovens perguntou à namorada: 

- Porque é que vocês se põem com essas cerimónias de lamechices quando vamos para o mar? 

A namorada responde: 

- Não são lamechices, é medo! 

- Medo...! Que ridículo. - graceja o namorado 

- Vocês não têm medo, queres ver? 

- Claro que não! Isso é coisa de mulheres. O que fazem? 

- Rezamos! Pedimos proteção, que voltem sãos e salvos, que pesquem muito peixe, mas façam boas viagens. 

- Não tendes mais nada que fazer? Que patetice, isso não existe? 

- Ai não? Felizmente têm voltado sempre. Já que não acreditas, pelo menos respeita porque dói-nos muito! Ficamos com o coração muito apertadinho! 

- Está bem, desculpa! Acredita lá no que quiseres. 

- E se rezássemos às sereias, aí vocês também rezavam não era? Até faziam outras coisas com elas. 

O namorado ri. 

- Sereias? Também achas que existem? Vives no mundo da infância. Coitadinha, cresce. 

        A namorada fica zangada, não se falam mais nesse dia, cada um está no seu trabalho. De madrugada, o mesmo ritual repete-se. Todas rezam, mas a namorada não dá beijo nem abraça o namorado, só lhe diz: 

-  Que as sereias te guiem. Ingrato... 

- As sereias? E tu não ficas com ciúmes se for com elas? 

- Não. 

            O namorado ri-se, vai para o barco com os outros homens, e nessa noite o mar está muito revolto. As gaivotas estão muito nervosas, piam, voam desvairadas, parecem perdidas. 

- Mas o que é que se passa hoje? - pergunta uma mãe 

- O mar está muito revolto...as gaivotas tão inquietas, os nossos homens hoje não deviam ter ido. 

- Ai, que nervos! - diz outra 

        Enquanto as mulheres estão nervosas e rezam, outras choram e acendem velas, os barcos dos maridos andam aos trambolhões, no mar, os marinheiros gritam, tentam lutar contra a força das ondas, mesmo não tendo por hábito rezar como as mulheres, sentem vontade de o fazer, porque correm perigo. Dizem que não sabem como, mas veem uma sombra que não conseguem distinguir se é de peixe ou de uma mulher com cauda de peixe que lhes dá uma valente chicotada com a cauda e atira-os a grande velocidade para a costa, onde chegam todos ensopados, mas sãos e salvos. As mulheres respiram de alívio. 

- Hoje não deviam ter ido para o mar! - resmunga uma mais nova

- Tendes razão! - dizem todos 

- Não imaginávamos que o mar ia estar tão bravo! - diz outro 

- Andamos aos trambolhões, mas alguém nos atirou para aqui! 

- Quem? - perguntam todas 

- Uma sombra com cauda de peixe! Não conseguimos ver o que era. 

- Acho que alucinaram com o medo! - comenta uma namorada 

- Rezaram? - pergunta outra mãe 

- Sim! - respondem todos 

- Foram ouvidos! Talvez agora percebam porque fazemos aquelas lamechices todas, não é, amor? - pergunta a namorada irónica 

- É! Desculpa!

- Foi uma sereia? 

- Não. Não sei. . 

- Qual sereia? Foi a força da oração deles e da nossa crença. 

            Todos concordam, abraçam, beijam as esposas e namoradas, e nesse dia há festa para retribuir as orações que os salvaram. Silenciosamente, os homens achavam que foi uma sereia que os salvou, mas para disfarçar, diziam que foi um peixe, mandado pelos pedidos das mães, esposas, e namoradas. A partir desse dia, respeitaram as suas esposas, e aprenderam a fazer o mesmo. Rezavam antes de sair para o mar, porque sabiam que com o mar não se brinca, mas respeita-se. Nunca sabiam na verdade o que esperavam. Mas pelo menos sentiam-se mais protegidos, e quando  viam o mar revolto, já não iam. E vocês? Acham que eles foram salvos por uma sereia ou um peixe? 


                                                                    FIM 

                                                                 Lara Rocha 

                                                                2/Maio/2021 

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