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quinta-feira, 8 de março de 2012

A amizade entre os lobos e os coelhos.



desenhado por Lara Rocha 

Personagens:
10 Lobos
Mãe: Lobicas; Pai: Lobocas;
Filhos: o Podreirão; o Ondinhas; o Malhadinho; o Manchinhas; o Bola de Neve; a Branquinha; a Floquinho; a Gota de Chuva
8 Coelhos:
Mãe: Lóló; Pai: Pólinhas;
Filhos: o Miquinho; o Pintarola; a Pintora; a Fantochinha; o Dódó, e a Mimicas.
Tratador
Veterinário

Era uma vez, uma família de lobos que vivia numa grande quinta, com outros animais, onde eram muito bem tratados. Estava um dia fervente, com um sol de esturricar e um calor de sufocar. Só se estava bem à sombra, ou à beira de água.
Tanto os animais como os donos da quinta estão recolhidos…quer dizer…deveriam estar…só alguns lobinhos insistentes e desobedientes é que estavam a brincar, imaginem só com quem…? Com uns coelhinhos. Uns animais queridíssimos, mas não sei se foi boa ideia juntar – se com…lobos…carnívoros…Uuuiiii…até me arrepio. Cheira – me que isto foi uma malandrice dos lobitos para terem refeição…não acham…? Primeiro travam amizade com eles e depois…zás…vão parar ao papo! Coitadinhos…
Mas olhem como eles brincam felizes…de repente param debaixo de uma árvore para descansar, ofegantes. A Ondinhas suspira e reclama:

ONDINHAS - Ai…que calor…!
    O Podreirão, que está todo molengão, suspira e desabafa, quase a arrastar a voz:

PODREIRÃO - Não sei como é que com este calor se conseguem mexer e andar para aí a correr…!

    A Pintora que é toda mexida comenta: 

PINTAROLA – Sim, está muito calor, mas não é preciso estar sempre a dormir.
GOTA DE CHUVA – É um preguiçosão, este nosso irmão.
PODREIRÃO - O que queres…eu fico assim com o calor!
TODOS - Sim, claro!
GOTA DE CHUVA (A RIR) - Tu já nasceste com calor…aliás…nem precisas do calor para ficares molengão!

   Todos riem, e Pintarola procura perceber melhor o 
que se passa com o amigo, perguntando-lhe:
PINTAROLA – Ainda não estás habituado a tanto calor…?
PODREIRÃO (MEIO CHATEADO) – Já.

   A Dódó está a ferver de calor e partilha o seu sufoco com os amigos, resmungando nervosa:
DÓDÓ – Ai, que vontade de arrancar este pelo todo…!
   Todos riem. 
MIMICAS – Que feia que ias ficar…só se ia ver ossos…!
    Dódó ri-se: 
DÓDÓ – Pelo menos ficava à fresca! E a vocês não vos apetecia ficar sem nada?
TODOS – Sim…
      Mimicas resolve brincar com a situação: 
MIMICAS – É…vocês queriam era ver as raparigas…nuas!
    Todos riem, mas o Podreirão... 
PODREIRÃO – Convencidas…ainda se fossem muito jeitosas…!
    Malhadinho ri-se e responde para defender e ser simpático:

MALHADINHO – E são jeitosas…
Todos riem 
FLOQUINHO – Obrigada…são tão simpáticos!
     Dódó continua a ser um verdadeiro cavalheiro e manda um piropo a sorrir:
DÓDÓ – Nós gostamos muito de brincar convosco.
    Os lobinhos sorriem e respondem em coro:
LOBINHOS – Nós também.
    Miquinho questiona-se muitas vezes a razão do desentendimento entre os pais coelhos e os pais lobos, e partilha com os amigos a sua dúvida existencial:
MIQUINHO – Eu só não percebo porque é que os nossos pais não se entendem…e ficam tão chateados quando nos veem juntos!
    Os amigos lobinhos já levantaram a mesma pergunta para si mesmos e também partilham essa dúvida respondendo em coro:
TODOS – Nós também não entendemos.
    Branquinha lembra-se da explicação que a mãe lhe deu sobre esse desentendimento e partilha com os amigos:
BRANQUINHA – A nossa mãe diz que são coisas de adultos…homens…porque ela diz que não tem nada contra a vossa mãe…! Os nossos pais é que são estranhos.
PINTAROLA – Pois, também acho.
MANCHINHAS (triste) - Não sei porque é que eles não são amigos como nós…!
TODOS – Também não sabemos!
ONDINHAS (TRISTE) – Mas…se eles não se entendem, é problema deles...agora não percebo porque é que nós crianças não podemos ser amigos uns dos outros…!
       
PINTAROLA – Mas…nós já somos amigos não já?
TODOS – Sim! 
PODREIRÃO – Deixem lá os grandes…! Nós somos amigos, quer eles queiram, quer não…! Não é verdade?
TODOS (A SORRIR) – Sim. É verdade.
MIQUINHO – Claro, eles também têm os amigos deles!
TODOS – Pois.
FANTOCHINHA – Eu vou mas é beber…alguém quer?
     Vão todos à fonte, e voltam para debaixo da árvore. 
PODREIRÃO – Aqui está – se bem!
FANTOCHINHA – Sim, é uma árvore grande…cheia de folhas…
PODREIRÃO – E felizmente não tem pássaros aqui a viver…
Todos riem. Miquinho está desesperado e diz:
MIQUINHO – Já me metia ali no tanque se soubesse nadar.
MALHADINHO – Estou com fome! 
PODREIRÃO – Não percebo como consegues pensar em comida com este calor…! Até me dá um nó no estômago.
MIMICAS – Eu com o calor, como na mesma.
PINTAROLA (preocupada) – Não me vais comer pois não?
MIQUINHO (sente medo) – Pois…vocês são lobos…adoram comer coelhos…!
ONDINHAS (ri) – Não. Fiquem descansados. São nossos amigos…os amigos não se comem!
COELHOS – Ufff…Que alívio!
Os pais lobos aparecem e encontram os lobitos a brincar com os coelhos. Ficam muito zangados e desatam a rosnar e a uivar, furiosos. Aparecem as mães e os pais coelhos. 
Os coelhinhos encolhem – se de medo, e tremem assustados. Lobocas pergunta indignado e muito zangado:
LUBOCAS – O que venha a ser isto…?
POLINHAS (desagradado, ralha aos coelhos) – O que é que estão a fazer com estes carnívoros mal cheirosos…?
COELHINHOS E LOBINHOS (resmungam) – Óh não...
PODREIRÃO (resmunga) – Vai começar…!
    
    A mãe Lobicas tenta pôr água na fervura e ordena aos pais: – Vá…parem já com isso. A mãe Lóló também detesta esta relação conflituosa entre os maridos e resmunga:
MÃE LÓLÓ – Vocês homens são insuportáveis…nunca vi…! Vão ali os dois refrescar os miolinhos, antes que as coisas acabem mal.
    Os dois pais estão tão raivosos que respondem às 
mulheres:

OS MARIDOS – Cala-te.

    Lobicas e Lóló ficam ofendidas e respondem muito zangadas:

LOBICAS E LÓLÓ – Áhhh! Que falta de respeito.
LOBICAS (zangada) – Olhem que exemplo estão a dar aos vossos filhos…!
LÓLÓ – Que mau exemplo!
LOBICAS (irada) – Que coisa mais feia…!
LUBOCAS E PÓLINHAS (ralham muito zangados com as mulheres) – Calem-se chatas…!
LOBICAS E LÓLÓ (escandalizadas e ofendidas) – Que grande lata!
FANTOCHINHA (nervosa)– Não falem assim com as mamãs…
LOBOCAS (ralha, muito zangado) – Não te metas…de não também apanhas.
    As crianças abraçam – se umas às outras, cheias de medo, e tristes. Lobicas solta um sonoro e longo rosnar zangada, uiva e diz muito zangada:

LOBICAS – Isto já está a ir longe de mais.
LÓLÓ – Tem toda a razão…
      Lobocas ralha com os filhos muito zangado:
LOBOCAS – Lobitos…estão loucos…? Com tantos animais para brincarem, vão logo para esses…felpudos…cheios de doenças…lhec.
Pólinhas não se cala e responde zangado:
PÓLINHAS – Cheios de doenças estão vocês…que comem toda a porcaria de carne que encontram. Essa sim, está carregada de bactérias, gorduras…lhec…bem que gostam da carne de coelho.
    Lobocas responde de forma desafiadora para ver se assusta: 
LOBOCAS – Sim, a vossa carne é das mais saudáveis que há…! Mas infelizmente nem sempre temos coelho na ementa. 
    Os lobitos estão nervosos e assustados e dizem em coro:
LOBITOS – Pai…eles são nossos amigos.
COELHINHOS – Sim, é verdade!
    Pólinhas continua a ralhar com os filhos, indignado: 
PÓLINHAS – Onde é que já se viu, serem amigos de lobos…os nossos principais rivais…! Foi uma sorte não terem sido devorados. Eles são um perigo…Com aqueles dentarrões de quilómetro…traçam – nos ao meio e fazem de nós carne picada…! Até os nossos ossos comem…! Afastem – se desses malditos.

    Miquinho tenta suavizar o ambiente e quebrar a ideia errada do pai, e diz:

MIQUINHO – Mas pai…nem todos são maus…já vivemos no mesmo sítio com eles há tanto tempo, e eles nunca nos fizeram mal…
     
    Pólinhas não muda de ideias e ainda acrescenta:
PÓLINHAS – Isso é porque o Nuno está de olho…e vai – os alimentando, mas estes selvagens são imprevisíveis…nunca se sabe o que lhes poderá passar pela cabeça…!
    Manchinhas insiste na tentativa de mudar as ideias ao pai. 

MANCHINHAS – Eu não consigo comer estes…estes já são nossos amigos!
    Pólinhas teima na sua ideia e grita aos filhos:
PÓLINHAS – Afastem – se desses monstros…!
Vai cada um para sua casa, chateados. Os lobos chegam a casa, muito zangados, e o sermão continua, com o Lobocas muito zangado:
LOBOCAS – Já vos disse mais de 1000 vezes que não vos quero com aquelas coisas peludas…!
     Lobicas igualmente chateada e ainda ofendida grita com o marido:
LOBICAS – E tu és o quê? Careca?
     Lobocas ordena muito zangado:
LOBOCAS – Cala-te…! Tens uma mania de te meteres…!
    Lobinhas responde para tentar acalmar os ânimos:
LOBINHAS – Não fales assim com a mamã…
   Lobocas nem quer acreditar no que ouviu e resmunga:
LOBOCAS – Era só o que me faltava. Juntem – se a mim, filhos…eu é que tenho razão.
    Os lobitos não podem estar mais em desacordo e gritam em coro muito zangados:
TODOS – Não.
    Antes que as coisas piorem, Manchinhas informa o pai do seguinte:
MANCHINHAS – Óh pai, nós gostamos muito de ti, mas não podemos ficar do teu lado.
    Lobocas resmunga com a mulher, zangado:
LOBOCAS – Já andaste a fazer a cabeça dos teus filhos contra mim, não já…?
    Lobicas responde zangada:
LOBICAS – Pensas que eu tenho a tua vida para andar a pôr os meus filhos a favor ou contra ti…? Eles é que escolhem o que está certo… (p.c) Até eles percebem que esse teu comportamento infantil, contra o coelho, é perfeitamente idiota…! (p.c) Não faz qualquer sentido!(p.c) Devias ter vergonha. A guerra não é o que lhes ensinamos…eu pelo menos ensino – lhes coisas boas! (p.c) Merecias umas chineladas nessa peida!
ONDINHAS – Papá…nós gostamos deles…não percebemos porque é que não gostas deles…!
LOBICAS – Queridos, nós não temos que gostar dos vossos amigos…se vocês os escolheram é porque eles são bons para vocês…
    Os lobitos concordam com a mãe e agradecem dizendo em coro, e com um sorriso de orelha a orelha:

TODOS – Sim.
GOTA DE CHUVA – Papá…para de implicar com os nossos amigos.
LOBICAS (para o marido) – Vou fazer – te um aviso… e só to vou fazer uma única vez! (p.c) Presta bem atenção…ou paras com essas palermices de guerrinhas estúpidas com o vizinho, ou eu saio de casa. Deixa os nosso filhos terem os amigos que eles quiserem…!
     Lobocas fica em silêncio uns segundos, rosna, e 
resmunga:

LOBOCAS – És sempre a mesma…! Tens sempre que ganhar.
   Ela vira-lhe o rabo, e deita – se. Os filhos vão todos 

para de volta dela, abraçam – na. O Lobocas fica amuado, e faz – se silêncio. O tratador distribui a carne pela família dos lobos, e a erva pelos coelhos. E com esta separação volta a paz entre eles. Eles comem deliciados.
Entretanto, chega a noite, e acontece uma coisa muito estranha! Os pobres lobos sentem – se enjoados, pesados, com dores de estômago. Uivam de aflição e de dores, andam de um lado para o outro, vomitam, bebem água, gemem, uivam, os coelhos estão assustados.
A coelha Lóló está assustada e comenta:
COELHA LÓLÓ – Ai, fico toda arrepiada quando oiço estes lobos assim…a uivar desta maneira…!
PÓLINHAS – Eu também…! (p.c) Eles não estão bem…olha para aquilo…uivam…ganem…gemem…andam de um lado para o outro…
LÓLÓ – Estão muito estranhos…o que se passará com eles?
PÓLINHAS – Acho que estão doentes. Será que isto é contagioso…? Será que eles pegaram alguma coisa às nossas crianças…?
LÓLÓ – Não…esperamos bem que não!
PÓLINHAS – Porque é que o tratador não aparece…? Será que eles não estão a ouvir…estes uivos…que até nos atravessam…!?
    Lóló preocupada e bondosa, toma uma decisão e 

informa o marido da mesma:

LÓLÓ – Vou ali ter com eles, e saber se precisam de alguma coisa.
PÓLINHAS – Não, filha…pode ser perigoso! Além disso, eles não merecem. Olha que pode ser uma armadilha deles para se vingarem de há bocado.
    
    Lóló nem quer acreditar no que acabou de ouvir e 

responde zangada:

LÓLÓ – Mas que disparate…! Já é tempo de parares com essa implicância. Eu não tenho medo deles. E se estão a fazer uma armadilha…tenho a certeza que não…mas se a estiverem a fazer…hão – de ter o que merecem…! (p.c) Viste como os teus filhos ficaram tristes há bocado por tua causa…!?
     Pólinhas não admite e pergunta intrigado:
PÓLINHAS – Por minha causa?
LÓLÓ (zangada) – Claro. E sabes muito bem qual a razão…! As crianças é que estão corretas…arranjam os amigos, sem olhar a aparências…e porcarias dessas…se eles se dão bem com os lobitos…deixa – os andar com eles…! (p.c) Vou lá vê – los…
    
    Pólinhas revela alguma preocupação e pena dos 

lobos, e comenta:
PÓLINHAS – Eu não os suporto…mas confesso que até estou com pena deles…! Vai lá, querida…vai. Qualquer coisa chama – me.
    Lóló sorri orgulhosa mas ao mesmo tempo está 

surpresa:

LÓLÓ – Está bem. Assim está melhor.
A coelhinha levanta – se, vai ter com os lobos e pergunta-lhes preocupada:
LÓLÓ – Então, vizinhos…desculpem incomodar…o que se passa?
     Eles gemem e uivam. 

LOBICAS – Ai…não estamos nada bem!
Os lobos contorcem – se de dores, uivam…vomitam. Lóló acrescenta:
LÓLÓ – Sim, já percebemos que não estão bem. Ouvimos os vossos uivos, gemidos de aflição… Mas o que sentem concretamente?
LOBICAS (em desespero) – Estamos muito mal…
LOBOCAS – Ai, não sabemos o que temos. Acho que é o nosso fim.
   
    Lóló fica um pouco incomodada com esta afirmação, mas tenta transmitir-lhes força:
LÓLÓ – Ai, não digam isso! O que podemos fazer por vocês?
LOBICAS (a gemer) – Acho que…nada! Não sabemos o que é isto. O nosso tratador não aparece.
    
    Lóló procura conhecer a origem deste mal-estar e 

pergunta:
LÓLÓ – Mas…fazem alguma ideia do que vos possa ter feito tão mal?
LOBOS – Não…
LOBICAS – Nós…comemos o de sempre, e nunca nos fez mal.
LÓLÓ – Hum, comem o de sempre que é…carne…certo?
   
    Os lobos respondem enjoados, numa angústia sem 

fim:

LOBOS – Sim
LÓLÓ – Então, se calhar foi a carne que comeram…esse pedaço podia não estar bom…
LOBICAS – Acha…? Mas…quando a comemos não sentimos nada de diferente, nem de mau.
LÓLÓ – As carnes não são todas iguais. Pode ter acontecido de este animal ter ficado doente, e tiveram de lhe dar antibiótico…! Vocês comendo carnes com antibióticos, claro que se sentem mal.
Lobocas intrigada e indignada acrescenta e questiona-se:
LOBOCAS – Mas…será que o nosso tratador sabia que essa carne tinha antibióticos?
LÓLÓ – Hum, isso não sei…!
LOBOCAS – Ele devia estar aqui.
LÓLÓ – Eu…vou – vos fazer um chá, com as nossas ervas…para ver se melhoram. Se não vos fizer bem, mal também não faz!
            Lobicas aceita:
LOBICAS – Acho que vamos aceitar.
            Lóló aumenta a sua bondade:
LÓLÓ – Vou fazer também para os vossos filhotes.
LOBICAS – Está bem. Muito obrigada.
LÓLÓ – Não me demoro nada!
A coelhinha faz um grande caneco de chá de ervas, que cheira deliciosamente bem, enquanto isso, os lobos falam um com o outro. 
Lobicas relembra o marido:
LOBICAS – Vês…onde está a maldade deles…? Estás a ver como as tuas paranoias patetas não fazem sentido? (p.c) Se eles fossem maus, ela não vinha aqui ver o que se passava connosco.
LOBOCAS – Sim, querida, tenho de concordar contigo…eu não gosto deles, mas a nossa vizinha está a ser impecável…nunca pensei que ela fosse tão boa.
    Lobicas concorda com o marido num aspeto, mas não concorda com ele noutro aspeto e diz-lhe:
LOBICAS – Eu também não! Tu não gostas deles…nunca percebi porquê…mas eu não tenho nada contra, e acho que não devemos impedir os nossos filhotes de serem amigos deles…dos coelhos…ainda há bocado estavam tão felizes!
    
    Apesar de enjoados, os filhotes estão atentos, e 

respondem em coro:

TODOS – Concordo totalmente!
PODREIRÃO – Papá…eles são nossos amigos…! Porque é que não gostas deles?
    Lobocas não encontra argumentos concretos e claros para os filhos, por isso responde-lhes embasbacado para calar os pequenotes:  
LOBOCAS– Aaahhh…porque…são coisas antigas…!
    Lobicas abana a cabeça e acrescenta chateada:
LOBICAS – Coisas palermas de machos…!
    Lobinhas continua sem perceber esta implicância, e pergunta:  
LOBINHAS – E o que é que nós temos a ver com isso?
MANCHINHAS – Para mim nada! Somos crianças…!
ONDINHAS – Estás a ser mau para nós, papá…!
     O lobo está a ficar incomodado com tantos ataques 
pessoais e decide autorizar a amizade entre os pequenotes e os coelhos, mas faz um aviso:
LOBO – Pronto, está bem…parem de me torturar um bocadinho está bem? Sejam lá amigos de quem quiserem… (zangado) Mas depois não peçam socorro.
     Branquinha não perdoa e comenta zangada:

BRANQUINHA – Não faz sentido…essa coisa má que sentes pelos coelhos.
GOTA DE CHUVA – Pois não! Isso é uma coisa tão antiga…retrógrada!
     O lobo fica envergonhado e pergunta ofendido:
LOBO - Estás a chamar-me velhote…óh pirralha?!
    
    Todos os filhotes lobos riem e respondem em coro 
com ironia:
TODOS - Naaaaa…!
    O lobo sorri ligeiramente e ordena:

LOBO - Humm…seus malvadinhos…respeitem o vosso Pai. Ele pode ter falta de alguns parafusos, mas é vosso pai e ama-vos muito…preocupa-se muito convosco!
    Os lobinhos riem e respondem:

TODOS - Sim, nós sabemos!
FLOQUINHO - Eles nunca nos meteram medo…! Nunca nos fizeram mal, por isso não tens razão nenhuma para não gostar deles, ou para nos proibir de ser amigos deles.
TODOS – Pois não…
    Apesar de também não perceber a implicância do 

pai com os coelhos, e com a amizade deles, Podreirão 

já está farto de ouvir falar, e reclama:
PODREIRÃO – Ai…parem de falar…já não vos posso ouvir
ONDINHAS (Protesta) – És sempre o mesmo pateta.
MANCHINHAS - Devias estar também a defender os nossos amigos.
    Podreirão não está para se chatear, e responde:

PODREIRÃO – Amanhã eu defendo – os…agora…não me consigo levantar. Se calhar até foram eles que puseram…alguma coisa para nos fazer mal…
LOBINHAS – Que palerma.
ONDINHAS – Dorme que o teu mal é sono.
BOLA DE NEVE – Já nem sabe o que está a dizer…
    Lobicas sente que estão todos a ficar nervosos e pede aos pequenotes:
LOBICAS – Vá queridos…deixem lá o vosso mano…
LOBOCAS – Isso…e calem – se também um bocadinho…por favor.
     Mas Malhadinho não consegue segurar mais na sua boca o que pensa e responde:
MALHADINHO – A mãe deles é quem está aqui agora…a tratar de nós...vocês sempre nos disseram que os amigos são aqueles que estão do nosso lado, nos bons e nos maus momentos…!
    Os outros apoiam totalmente, rebolam e batem 

palmas deitados. 

BOLA DE NEVE -  Pois foi, e aí está…a mãe deles então é nossa amiga, porque estamos aqui todos tão doentes, e ela está a ser muito boa connosco.
LOBOS – Sim. É.
    Como os lobinhos se mexeram ficaram ainda mais 

enjoados, e uivam sem parar, gemem e deitam fora 

mais um bocado. 

    Lóló fica arrepiada e encolhe-se com os uivos, mas 

mesmo assim quer entrar com o chá e pergunta:  

LÓLÓ – Desculpem…posso entrar…? Trouxe o chazinho.
LOBOS – Sim, entre por favor.
LOBA MÃE - Desculpe o cheiro que está aqui…
COELHINHA - Não se preocupe! Eu sei o que é ter filhotes maldispostos ou doentes!
A coelhinha toda delicada, serve os lobos e os lobitos, eles bebem – no, deliciados, e faz – lhes bem…deixam de vomitar e ficam com menos dores. 
A Lóló faz outro caneco de chá, e eles bebem outro. Param de uivar e ficam surpresos. Os lobos respondem em coro:
LOBOS – Estamos curados!
Saltam felizes, abraçam a coelhinha um por um, dão beijinho, ela sorri. Lobicas nem sabe o que dizer, nem como agradecer e comenta com a coelhinha, sorridente:
LOBICAS – Que chá maravilhoso! Nunca tinha provado tal coisa! (p.c) Não sei como lhe agradecer, Lóló. Foi maravilhosa…salvou – nos a vida!
      Lóló sorri e responde feliz:

LÓLÓ – Ááááhhh…não tem nada que agradecer. Não fiz nada de mais. Vocês são nossos vizinhos, estavam doentes, não podia ter feito outra coisa se não ajudar – vos…como sei…e como posso.
LOBOCAS – Mas…não tinha de fazer isso…até porque nunca nos demos bem…!
     Lóló ri-se e responde ao Lobocas delicadamente:
LÓLÓ – Desculpe dizer – lhes isto, mas isso são palermices de vocês homens…porque eu não tenho nada contra vocês, muito menos que os nossos filhos brinquem juntos. São crianças, não têm nada a ver com o machismo e outras tolices dos homens…adultos…além disso, somos aqui vizinhos, mas lá porque somos diferentes, em situações de urgência não se olha a essas coisas. Pelo menos…não se devia olhar para pormenores minúsculos…
    Lobicas sorri orgulhosa e está totalmente de acordo 

com a coelha, respondendo:

LOBICAS – Claro…tem toda a razão! Eu também não tenho nada contra vocês coelhos…e pode ter a certeza que eu faria a mesma coisa por vocês, caso estivessem vocês em apuros.
      Lóló sorri, sente sinceridade no que a Lobicas diz.  
LÓLÓ – Acredito!
LOBICAS - E digo-lhe mais…nunca fui a favor desta relação conflituosa entre os nossos maridos…estou sempre a dar-lhe na cabeça a ver se ele muda, mas não está fácil! Aliás, nunca compreendi o porquê desta implicância!
LÓLÓ (sorridente) - Sim, eu sei! Eu estou completamente de acordo consigo! Também faço o mesmo com o meu marido, mas é perda de tempo. Quer dizer…tenho esperança que as coisas um dia mudem…! Você é boa pessoa.
   
    Lobicas sente sinceridade na coelhinha e responde:
LOBICAS - Você também! Eu sempre a apreciei…!
LÓLÓ (relembra a sorrir) - Somos mulheres…! 
Compreendemo-nos, sentimos as coisas de maneira diferente. 
LOBICAS - Sim, é verdade!
BRANQUINHA (feliz) – Finalmente esta guerra estúpida vai acabar.
TODAS – Sim.
GOTA DE CHUVA (sorri) – Foi bom termos ficado tão mal para que os grandes se entendessem…
FLOQUINHA – Muito obrigada, Sra. Lóló.
LÓLÓ (sorri deliciada) – De nada querida! O que interessa é que agora estão bem, não é?
TODOS – Sim.
LOBICAS – Graças a si…!
     Lóló fica um pouco embasbacada, e faz um pedido 

a sorrir:
LÓLÓ – Por favor…tratem – me por Lóló…por tu…!
     Lobicas está feliz com esta proximidade e responde sorridente:
LOBICAS – Está bem. A nós também nos pode tratar por tu…! (p.c) Agora, podes ir descansar…ou se não podes ficar aqui a falar connosco…o que podemos fazer para te agradecer?
     Lóló sorri e como não quer ser intrometida demais 
diz:

LÓLÓ – Se querem conversar comigo, eu fico…se não…vou descansar.
     Os lobos respondem em coro:
LOBOS – Fica!
LOBOCAS – E chama o teu marido, para vir também.
LÓLÓ (contente) – Está bem…com todo o gosto!
Ela vai a sair a porta e acaba de chegar o marido Pólinhas. Entram os dois, os pequenitos adormecem, e os adultos passam o resto da noite animadíssimos, a conversar uns com os outros, há muitas gargalhadas, jogos de cartas. 
As senhoras mostram paninhos de ponto de cruz, e outros trabalhinhos uma à outra, falam dos pequenos…até que nasce o dia. 
Elas estão felizes e orgulhosas por os maridos se estarem a entender tão bem. De manhã bem cedo, os lobos e os coelhos vão dormir, depois de uma noite animadíssima, e estão cansados. 
Como de costume, o tratador faz a ronda e prepara – se para colocar o pequeno-almoço. Mas fica muito preocupado quando vê o chão todo vomitado, e pedaços de carne. 
Mal os lobos sentem o cheiro de cerne, levantam – se, e uivam outra vez angustiados, são agressivos com o tratador, circundam – no, a rosnar, a mostrar as garras, e os dentes. 
O tratador fica muito assustado, mas tenta acalmá-los e pergunta-lhes:
TRATADOR – Então, filhos…hoje estão muito nervosos…o que venha a ser isto…?
    Os lobos estão angustiados. O lobo grita:
LOBO – Não queremos mais carne.
    Lobocas manda o tratador comer a carne que lhes 

deitou, e grita-lhe:

LOBOCAS - Devias engolir esta porcaria desta carne podre…assim…crua…para veres o que é bom! Ontem deste – nos veneno na carne…só pode…!
LOBICAS – Querias livrar – te de nós era? Não precisavas de ter feito isso…dizias – nos que não nos querias mais aqui e íamos embora. Que coisa tão baixa! Nem parece teu!
TRATADOR (surpreso) - Mas do que é que estão a falar?
LOBOS (gritam) - Da carne intragável que nos deitaste…!
TRATADOR - Mas eu não estou a perceber nada…não sei o que se passa convosco…
    Os lobos desconfiam que o tratador sabia de alguma coisa, e Lobicas goza de fininho:
LOBICAS - Coitadinho…não sabe…ele é tão inocente…!
    Todos uivam, e Ondinhas continua a protestar:  
ONDINHAS – Nunca nos sentimos tão mal, por tua causa.
MALHADINHO (nervoso) – Passamos a noite a vomitar…nem podemos sentir o cheiro de carne…
TRATADOR - Mas…
    É interrompido por uivos e rosnares dos lobos. Ele 

fica gelado de medo, mas tenta não entrar em pânico, 

pede aos lobos para se acalmarem:

TRATADOR - Meninos…vá…tenham calma…vamos falar como deve ser.
MANCHINHAS – Se não fosse a vizinha do lado, como não estaríamos agora…
LOBICAS – Não nos digas que não nos ouviste a uivar de angústia e de aflição…a noite toda…porque toda a gente ouviu.
    Lobocas está tão furioso que nem dá espaço para 

resposta e ataca, dizendo:

LOBOCAS – Que porcaria é que puseste na carne…meu desgraçado?
    O tratador com medo responde:

TRATADOR – Eu…eu…não sei do que estão a falar…! Juro-vos…! Mas vou – me informar. Vou chamar o veterinário.
LOBOCAS - Será que ele está feito com o tratador?
    
    Lobicas nem sabe o que responder de tão nervosa 

que está, e murmura:

LOBICAS - Só me apetece trincá-lo todo…!
    
    O Lobocas fica com ciúmes e protesta:

LOBOCAS - O quê? Gostas assim tanto dele…?
    Lobicas suspira, abana a cabeça chateada, vira o 

rabo ao marido e murmura:

LOBICAS - Santa ignorância…não se pode dizer nada…! Credo…eu gostar daquilo…há humanos muito melhores…
    O Lobocas não dá importância ao nervoso da 

Lobicas. Faz-se silêncio, e o tratador liga ao 

veterinário:

VETERINÁRIO – Valha – me Deus…o que é que vos aconteceu…e os coelhos estão bem?
    Os coelhos estão a par de tudo e respondem em 

coro:

COELHOS – Sim, estamos bem.
TRATADOR (lamenta-se) – Que chatice…!
Chega o veterinário e cumprimenta o tratador. 
- Bom dia…então…compadre…o que há? Ligaste-me muito nervoso…fiquei preocupado!
     
    O tratador não sabe dizer com certeza o que se 

passa…

TRATADOR – Éh pá…eu não sei o que têm estes bichos…dei – lhes a carne do costume, e passaram a noite a uivar e a vomitar…e agora de manhã estavam muito nervosos…queriam atacar-me!
O veterinário pega num pedaço de carne e mete num frasco, perguntando ao tratador: – Hum, foi esta carne que deste aos teus lobos?
O tratador responde:  
– Sim. Foi a que estava na tua receita da alimentação deles. 
    O veterinário está desconfiado e suspeita da carne. Olha para o pedaço de carne e comenta:
VETERINÁRIO – Sim, e a princípio não havia razões para eles não a tolerarem. A não ser que…esteja estragada por qualquer motivo…!
TRATADOR – Será que foi o calor…?
VETERINÁRIO – Se estava na arca, não foi o calor…!
TRATADOR – Sim, estava na arca.
     
    O veterinário sente um cheiro estranho na cara e 

murmura:

VETERINÁRIO - Humm…esta carne não me cheira bem! (diz alto) Vou levar a carne e analisar…assim que souber qualquer coisa ligo – te. Entretanto terão de fazer uma dieta.
TRATADOR – Certo, mas olha uma coisa…não há perigo de contágio aos outros animais…?
VETERINÁRIO – Vou analisá-los mas é pouco provável que contagiem os outros.
Ele analisa os lobos, com carinho, os lobos deixam, e no fim o veterinário informa:
VETERINÁRIO – De momento está tudo bem com eles.
            
    O tratador respira de alívio e comenta: 
 
TRATADOR – Ainda bem. 
    O veterinário escreve num papel a nova alimentação. 
TRATADOR – Muito obrigado compadre…!
VETERINÁRIO - De nada. Não lhes dês carne, hoje!
      
    Os lobos gritam em coro, e uivam:

LOBOS – Aleluia…! Aaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu…..!!!!  
          
LOBICAS – Nem nós podemos ver carne à nossa frente.
Eles ficam a descansar, e o dia decorre normalmente, em grande diversão entre os coelhos e os lobitos, e os adultos também confraternizam. À noite, ouvem a conversa entre o veterinário e o tratador.
O tratador preocupado e ansioso pergunta:
TRATADOR – Então…já sabes o que os pôs mal dispostos?
VETERINÁRIO – Sim. A carne contém antibióticos, e isso intoxicou – os.
    O tratador fica quase em estado de choque e surpresa e pergunta:
TRATADOR – Mas…antibióticos de quê?
VETERINÁRIO – Antibióticos e hormonas para fazer os animais crescer, engordarem e para os tratadores ganharem muito dinheiro.
TRATADOR (horrorizado) – Que pouca vergonha…isto não pode ficar assim. Temos de fazer alguma coisa para desmascarar esses desgraçados. (p.c) Eu nunca dei, nem nunca darei antibióticos aos meus bichos, a não ser quando eles ficam com algum problema de saúde, mas nesse caso são recomendados por ti…!
VETERINÁRIO (sorri) - Pois é! Mas infelizmente nem todos os tratadores são bons tratadores…alguns só querem enfardar os bichos para os matar e vender mais depressa…mas esquecem-se que esses venenos passam para o ser humano que os come…por isso também os seres humanos tomam antibióticos e porcarias tóxicas, depois ficam doentes.
TRATADOR - Que nojo!
     
    Os lobos estremecem, engolem em seco, rosnam e 
uivam, e respondem:
LOBOS – Conta connosco.
TRATADOR (ri) – Até parece que entenderam.
VETERINÁRIO (ri) – Podes ter a certeza que entenderam! (p.c) Estão com muita raiva, o que é normal…até nós estaríamos…!
TRATADOR – Claro.
    Miquinho e Fantochinha ouviram a conversa e 

comentam:
MIQUINHO – Lhec. Ainda bem que não comemos carne.
FANTOCHINHA – Sim, ao menos com ervas não ficamos doentes.
VETERINÁRIO – Mais alguma coisa…?
TRATADOR – Se puderes, aproveita e passa a ronda pelos outros animais.
VETERINÁRIO – Claro, amigo…vamos lá.
E os dois correm a quinta toda. Os lobos e os coelhos voltam a juntar – se e a conviver alegremente uns com os outros. 
Pois é! Aqui está uma grande prova de amizade e bondade! Se não fosse a má disposição dos lobos... Apesar de não gostarem muito uns dos outros, na altura em que mais precisavam, esqueceram tudo de mau: todas as rivalidades e obstáculos criados por preconceitos ou ideias erradas, e estiveram disponíveis para ajudar…
Foi assim que os lobos se salvaram da intoxicação…com o chazinho da coelhinha. Ás vezes todos precisamos uns dos outros, porque todos, a qualquer momento podemos ficar doentes e esperamos que alguém nos veja…e que nos ajude…

FIM
Lara Rocha 
(28/ Outubro/2010)










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