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terça-feira, 26 de maio de 2020

monólogo A pressa, e à pressa


foto de Lara Rocha 

    Vivemos numa sociedade feita à pressa, e com pressa! Não há tempo para nada, dizemos todos! O tempo...ele próprio parece correr. Parece que mal começa, já está a terminar...tão rápido. 
    Onde vai tudo com tanta pressa? Os carros, as pessoas, os telemóveis, a sociedade, a vida, as relações. Nada mais existe à nossa volta? Não há flores que gostam de ser apreciadas? 
    Porque não paramos um minuto que seja a olhar para elas, flores, que se vestem de sol para ficarem mais vistosas? Se qualquer mulher gosta de ser apreciada, as flores também...e merecem. 
    Não há tempo para relações, não há tempo para abraços reais, sorrisos sinceros, e reais, naturais, não há tempo para sorrir, para conversar e ouvir as vozes dos outros. 
    Sim, porque um dia, numa outra época, isso já aconteceu! E como era bom! Na sociedade que só sabe correr, não acontece mais nada a não ser...correr...! 
    Comer a correr para satisfazer caprichos, enganar o estômago, sem sabermos o que comemos ou sem sentirmos o sabor das coisas, para dar resposta a caprichos de patrões que vivem a correr, e mandam os seus funcionários, pessoas iguais a ele, com um título diferente do dele, mas os patrões têm mais em que pensar, por exemplo, no que era para ontem. 
    Os funcionários correm, pressionados pelos patrões esfomeados de lucro, que só veem cifrões à frente, e só sabem correr. Agora é tudo a correr...conhece-se alguém a correr, desliga-se com a mesma rapidez de alguém a quem já nos ligamos, fala-se a correr, de forma seca, pouco sincera, e distante, porque temos de correr, não temos tempo para ouvir o outro. 
    Beijamo-nos a correr, porque às vezes já há outro escondido, ou outra, à espera impaciente, cheio de pressa, que tem de se envolver com outro a correr, e voltar para aquele a correr, para não desconfiar.     Somos feras loucas, a conduzir, impacientes, sem vermos sequer se há peões ou obstáculos, porque vamos a correr, temos segundos ou milésimos de segundos a cumprir, porque o chefe mandou correr, e já ligou 50 mil vezes, a dizer que era para ontem. 
    Conduzimos a correr, em piloto automático, sem sentir o carro, sem termos consciência do que temos nas mãos, e explodimos, quando alguém nos empata a marcha, porque o outro pode não ter que correr, mas nós temos. 
    Somos intolerantes a demoras no supermercado mas muitos de nós não nos importamos de esperar horas e horas em fila para ter um bilhete de futebol ou um concerto, ou um telemóvel topo de gama.        Tanta correria! Não há conversa, só por redes sociais e telemóveis, é aí que fica a família, nas conversas fúteis, máscaras, exibicionismos do que não se é. Onde fica a pessoa que está por trás de cada rosto que se vê? 
    Onde ficam aqueles que convivem com gente que só corre, e que escolhe viver mais devagar? Solitários? Antissociais? Egoístas, frios...Sim, mas são esses os que reparam no que há de melhor à nossa volta. São esses que não tem tantos problemas causados pelo sempre a correr. 
    Os que andam sem tempo, são os mais felizes e serenos, os mais saudáveis, porque param nem que seja por um ou dois minutos para apreciar, ver ao vivo, sentir, ouvir, sorrir a uma flor. 
    Os que só correm, ignoram, nem devem saber que ela existe, porque passam por ela mas olharam para o que corria no carro ao lado, mais do que o outro, e que buzinou porque parou na passadeira para um peão passar. 
    Nem repararam naquelas flores bonitas que esperam os seus olhares, porque vão a olhar para o telemóvel que exibem nas mãos, não interessa se passa alguém ao lado dele, conhecido. 
       Não veem mais nada. Só correm. Esquecem as árvores, as cores, o vento, as folhas a cair, ou a voar com o vento, esquecem de ouvir os pássaros e as rãs que saltitam nos rios, esquecem das praias, e o reflexo prateado, multicolor às vezes, do sol na água. 
       Correm tanto que não ouvem enquanto podem, enquanto os seus ouvidos permitem. Vão com tanta pressa que nem veem as crianças, nem os seus sorrisos e inocência, perfeição. 
    Como podemos estar saudáveis, se só sabemos correr todos os dias? Só corremos para o dinheiro, para a fama, para a exibição e competição...Corremos na verdade para a desgraça, infelicidade, isolamento, conflito, vazio, solidão, frieza, desconfiança... 
    Corremos sem vermos o que há de melhor à nossa volta, a natureza. Corremos! Só corremos! E o planeta corre connosco para a destruição. 
    Como corremos tanto, todos os dias, ele tem de chamar a atenção, e fá-lo da pior forma porque está magoado, triste, desiludido, com gente que corre tanto que o destrói. 
    E continuamos a correr. Só correr! Correr cada vez mais, sem nos darmos conta disso, talvez quando o planeta nos fizer parar...sabe-se lá como... nós que tanto corremos, nos demos conta, mas nessa altura pode ser tarde demais. 
    Podemos não ter para ver aquilo de que ainda dispomos e não vemos, porque passamos os dias a correr! Porque não paramos vários minutos por dia para ver o melhor que nos cerca? 
    Porque não saímos dos telemóveis e computadores e olhamos, sentimos, sorrimos, tocamos, no que realmente nos faz bem no que nos revitaliza, e renova as nossas forças gastas pela correria ?! 
    A natureza! Ela que nos dá tudo, e nós... o que lhe damos? A correria! Se continuarmos a correr tanto, não teremos a melhor recompensa, pois pode já ser tarde, pode já não haver mais nada para ver, do que ainda podemos ver, em vez de correr. Paremos então, alguns minutos...? A natureza merece, e nós também. As melhores coisas não são aquelas feitas a correr, nem podem ser feitas a correr. 

                                                  Lara Rocha 

                                                 30/Maio/2019   

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