Número total de visualizações de páginas

sábado, 23 de maio de 2020

As marionetas que nunca desistiram

      




foto de Lara Rocha 

 

desenhado por Lara Rocha 

     Era uma vez um grupo de marionetas que estava abandonada num teatro, em ruínas. Elas foram arrumadas nu  armazém, juntamente com muitos outros fatos de atuações que enchiam salas. Estavam lá há tanto tempo, que nem tinham a noção de quanto.
    Começaram a estranhar tanto tempo de silêncio, e tanta quietude. Olharam umas para as outras, e para o espaço todo à sua volta.
- Meninas, não acham estranho todo este silêncio?
- Sim! - concordam todas
- E este espaço...? - pergunta uma delas
- Está muito maltratado.
- Não sei o que está a acontecer,  nem o que estamos a fazer aqui há tanto tempo.
- Tens razão. - dizem todas
- Mas o que terá acontecido?
- Acho que fomos abandonadas... lamento mas parece que já passamos à história.
- O quê?
- De moda.
- Falas de maneira esquisita.
- (suspira) quero dizer que fomos esquecidas.
- Ahhhh... - dizem todas
- Não pode ser!
- Infelizmente sim.
- Oooohhhh! - dizem todas
- Sim.
- Mas... como é que isto nos foi acontecer?
- Isso não sei.
- Parece que já ninguém quer saber de nós!
- Pois, acho que já não vemos gente, há muito tempo, pela maneira como está a sala.
- E agora? - perguntam todas
- Agora...
- Vamos embora daqui! - Dizem todas
- Mas como e para onde?
- Logo veremos. Vamos!
- E o que fazemos com estes fios?
         Faz-se silêncio. Uma marioneta acabou de ver uma tesoura no chão. Sorri, pega na tesoura. Todas gritam e tentam fugir.
- Calma! Porque estão a gritar e a esconder-se?
- Tu vais acabar connosco?
- Olha que não fomos nós que  te trouxemos para aqui.
- Pensei que estavas connosco,  mas com isso na mão...
 (a marioneta suspira e ri)
- Ai, como vocês são! Nada disso. Esta tesoura vai cortar os nossos fios ou querem continuar com eles?
- Ah, que susto! - suspiram todas e sorriem.
- Sim.
- Posso cortar, ou não?
- Sim, por favor. - dizem todas
          A marioneta corta fio por fio, às outras, elas encolhem-se com medo e respiram de alívio.
- Por favor... alguém me pode cortar estas?
- Eu corto.
          E outra marioneta corta-lhe os fios.
- Obrigada! Agora vamos à procura da saída. 
          Elas levantam-se, sacodem-se.
- Será que não vamos precisar dos fios? - lembra uma marioneta
- Se quiseres guarda.
          E a marioneta guarda os fios, encontram rapidamente a saída, agora são bonecos todos articulados sem fios. Sentem-se leves, saltitam, correm, fazem movimentos com todo o corpo para desentorpecer, descem as escadas do sótão para a sala grande, e quando se preparavam para sair  encontraram umas bolas transparentes a flutuar. Quase focam hipnotizados ao ver as bolas.
- Ah! Que lindas.
- Uau. Para que servem?
- Não sei.
        As bolas pousam no chão, e as marionetas tocam-lhes a medo.  Depois sentem uma enorme vontade de subir pelas bolas e experimentá-las. Quando sobem, apreciam a sala em ruínas. 
- Óh! Que sala tão bonita. 
- Que saudades de ver esta sala cheia de luz, crianças às gargalhadas ao ver-nos, os aplausos. 
       Ficam tristes e percorrem a sala com os olhos. Deixam escapar uns soluços e umas lágrimas, as bolas começam a rolar, a subir, e a flutuar pela sala, devagar, até à saída. 
- Óh! Que tristeza! 
- Bem, sim... é muito triste, mas temos de continuar. 
- Talvez um dia destes voltemos a este espaço, cheio de crianças , grandes, aplausos e gargalhadas. 
- É. 
- Vamos acreditar que sim. 
- E agora vamos para onde? 
- Por aí... 
       As bolas transparentes levam-nas pela cidade e pousam num belo parque, muito verde. 
- Áh! Que sítio lindo! 
- Sim! Gosto. 
- É muito diferente do nosso. 
      Saem das bolas, e correm livres pelo parque como nunca antes tinha acontecido. Soltam grandes gargalhadas, de satisfação, exclamações, trepam árvores, deliciam-se com a paisagem, rebolam na relva, brincam, cheiram flores, tocam nas pétalas, molham-se nas fontes, tomam banho nos pequenos lagos, e secam-se refastelados ao sol. 
      Quando a noite chega não querem dormir, ficam deitados nas bolas, que estão pousadas e paradas, a ver as milhares de estrelas, e a conversar, até o sol nascer. 
      Quando começa muito movimento de pessoas, as marionetas refugiam-se nos troncos das árvores, quase se confundem com elas, pela sua cor, e dormem. 
      Sonham que aquelas sala de onde saíram estava cheia de crianças e adultos que riam à gargalhada com elas, interagiam com elas, brincavam, aplaudiam. Uma sala tão bonita, cheia de luz, e voltavam a atuar. 
        Quando acordaram tudo estava igual, e foi igual durante muito tempo, mas muitos meses depois, para grande surpresa e felicidade das marionetas num dos seus passeios viram que a sala de teatro estava a ser restaurada. 
       Foram acompanhando as obras e as mudanças, com a esperança que os atores as procurassem, mas perceberam que infelizmente, aquele espaço onde tinham ficado já não existia, tinham tirado as roupas e os adereços, para outra sala, mas não se lembraram das marionetas. 
        Como ficaram tristes, as pobres marionetas. 
- Que injustiça! - Suspira uma marioneta 
- Fomos esquecidas! - diz outra marioneta 
        E regressam ao parque a chorar. 
- Agora só podemos contar umas com as outras. 
- Como acontecia antes. 
- Pois. 
- Não estamos sozinhas, resta-nos continuar e unirmo-nos mais. 
- Sim. 
        E assim foi, trocam abraços, e apesar da enorme tristeza que acompanhou as marionetas vários dias e várias noites, as lágrimas que teimavam em cair, não se deixaram vencer. 
        Continuaram juntas a dar espetáculos, que eram vistos por centenas de crianças e adultos que se deliciavam, aplaudiam, riam, interagiam com elas. 
       Elas ensaiavam e apresentavam para quem estava. Ninguém sabia como tinham ido lá parar, mas todos as adoravam. As marionetas divertiam-se muito, e sentiam-se mesmo muito felizes.
      Uns anos mais tarde, entre as pessoas que assistiam estava um ator de teatro, que também escrevia peças e estava sempre à procura de atores para as representar. 
     Gostou tanto das marionetas que as convidou para trabalhar com ele em espetáculos de rua e de sala. Elas aceitaram logo, e com isso, ganharam reconhecimento, e mais um novo amigo, que as levou para sua casa. 
       Elas não desistiram, e conseguiram! 

                                                             FIM 
                                                             Lálá 
                                                         22/Maio/2020    
 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras