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terça-feira, 6 de maio de 2014

A costureira de ondas



Era uma vez uma senhora já com muita idade, mas parecia muito jovem, e realmente, o seu interior era ainda de uma criança. Ela vivia sozinha, mas recebia sempre a visita de muitas amigas, todos os dias que iam lanchar a casa dela, conversar, rir e fazer arranjos ou roupas.
Era uma senhora muito bem-disposta, risonha, brincalhona e muito feliz. A sua casa ficava perdida num pinhal, e perto de uma praia, onde raramente iam pessoas, por ser de acesso difícil.
Mesmo assim, ela ia lá muitas vezes, com as amigas e sozinha. Gostava muito de se sentar no seu terraço, onde via o mar, e na areia. Enquanto ela olhava para o mar sonhava, imaginava, e depois, bordava todos os seus sonhos nas ondas.
Bordava em tecidos azuis, ondas muito grandes e redondas, com linhas de vários tons de azul, e verde, tal como ela via o mar em cada dia. Além das ondas, ela bordava o que tinha imaginado enquanto olhava para o mar, e às vezes eram coisas mágicas, objectos marinhos como conchas, algas, búzios, peixinhos, pedras, estrelas-do-mar, gaivotas, barcos, pescadores, sereias, golfinhos e muito mais.
Uma imagem mais bonita que a outra…cada linha do tecido, cada cor que ela utilizava, tinha um significado! Contava um pedacinho da sua imaginação, e do que ela tinha sentido, ou pensado nesse momento!
Geralmente, os seus sonhos eram felizes, porque todos os bordados eram muito coloridos, outras vezes, quando se sentia mais triste, bordava ondas gigantes, com círculos enormes, cores mais escuras e linhas brancas mais grossas, pareciam verdadeiras tempestades.
Um dia, numa noite de tempestade, o mal ficou louco de fúria, e o vento, juntamente com a chuva e a trovoada, engoliram a areia e chegaram ao pinhal. A chuva parecia pedra a cair e a bater nos vidros, com tanta força que quase os partia. O vento soprava tão forte, fazia muito barulho…até arrepiava a espinha, e quase deitava as árvores do pinhal abaixo…elas pareciam bailarinas para um lado e para o outro, folhas contra folhas, como se dessem cabeçadas, e partiram-se muitos caninhos. Caiam dezenas de pinhas, que eram atiradas pelo vento, contra a porta e contra o telhado da casa. a trovoada era tão forte, que viam-se flashes de trovões a iluminar tudo, e depois uns estrondos tão grandes, que a casa até abanava…que medo! Parecia um filme do fim do mundo.   
A costureira estava muito assustada, estremecia, encolhia-se, aconchegava - se mais nos cobertores, e os terríveis trovões rebentavam mesmo por cima da casa. Não havia maneira de fugir.
Como se tudo isto não bastasse, as ondas gigantes, subiram a praia e entraram por baixo da porta da sala. Molhou tudo. Até alguns trabalhos que a senhora tinha feito ultimamente sobre o mar.
Uma onda viu os trabalhos e ordenou:
- Meninas…vamos embora! Esta casa não é para estragar…olhem nós aqui!
            As outras ondas apreciam:
- Áhhh! Que bonitas…!
- Uau! Nós somos assim?
- Ááááhhh…
- Olha que bem que estamos!
- Lindas!
- Esta é casa daquela senhora que vai sempre à praia olhar para nós…
- Ááááhhh…!
            E as ondas levam os trabalhos da senhora. Saem a porta, e ficam a ler os bordados no pinhal. As ondas percebem a linguagem dos sonhos, por isso, tudo o que a senhora bordou, elas lêem, e comentam umas com as outras.
- Áh! – Suspiram todas as ondas encantadas.
- Mas que maravilha esta senhora!
- Olha que linda…
- Áhhh…ela aqui estava mesmo triste…
- Coitadinha!
- Olha como ela nos pôs aqui…parecemos uns monstros.
- Deve ter sido num dia parecido com o de hoje.
- Sim, estávamos mesmo zangadas.
- Pois era!
- Ááááhhh…que romântica!
- Ai, até fico comovida.
- Óh mulher, segura lá essas lágrimas. Já há aqui água que chegue.
(Todas riem)
- Pois…já me esquecia que sou água salgada…
(Riem)
- Que sonhos tão bonitos, que tem esta senhora.
- Olha, até está aqui a nossa sereia…
-Áh! Pois é.
- Meninas…olhem esta história…Ááááhhh…
            Elas lêem, encantadas, suspiram, sorriem, riem e choram, conforme o que a senhora bordou. A tempestade acalma. A senhora vai à sala, e vê tudo encharcado.
- Áh! Não posso acreditar…está tudo molhado. O mar entrou aqui…! Os meus últimos bordados…? Ai…lá foram eles, com o mar…
            Ela ouve uma voz:
- Estão aqui connosco.
- Estamos aqui.
            Ela abre a porta e vê que há ondas no pinhal. As ondas dizem em coro:
- Boa noite, bela senhora.
            Quem está aí?
- As ondas…!
- O quê?
            As ondas explicam à senhora, e conversam um pouco, depois do susto:
- Sim…nós chegamos até aqui, trazidas pelas trovoadas e pelo vento.
- Que noite! Parecia o fim do mundo.
- Não se preocupe com os seus trabalhos. Estão inteiros…
- Onde?
- Aqui, connosco.
- Mas quem deu autorização?
- Desculpe o abuso…mas vimo-nos aqui nos tecidos, e gostamos tanto, que lemos os seus sonhos, e os seus sentimentos.
- Áh! Sim…? – Diz a senhora a sorrir
- São lindos!
- Estamos embaladas pelos seus sonhos…e sentimentos.
- A sério?
- Sim.
- Vocês entendem a linguagem dos sonhos?
- Sim!
- Conseguimos entender cada desenho seu.
- São bordados.
- Lindos!
- Como faz isto?
- Com linha, e agulha.
- Que delícia.
- É romântica…e às vezes também fica triste.
- Claro.
- Mas nota-se que é uma senhora feliz.
- Sim, isso é verdade. Muito feliz.
- É. Usa muita cor, e escreve palavras muito boas, bonitas, sonoras…
- Para algumas pessoas, não passam de desenhos, mas para mim, têm muitos significados.
- Pois claro! E nós entendemos.
- Que coisas mais lindas…
- E sentimos que gosta de nós.
- Também…muito. Vou ver-vos todos os dias, e depois, passo para os tecidos, o que me disseram nesse dia…o que eu senti…o que eu vi, ou que imaginei.
 - Muito obrigada.
- Por favor, vá visitar-nos mais vezes, e leve os seus desenhos…
- Está bem! Fica prometido.
- Nunca deixe de desenhar o que sente, e nunca deixe de sonhar.
- Pois não. Isso é o que me mantém viva, jovem, apesar da idade, e quebra a solidão.
- Quando se sentir sozinha pode vir ter connosco.
- Está bem. Irei. Posso pedir-vos uma coisa?
- Claro.
- Façam-me um carinho, por favor…
- Mas…
- Vai ficar molhada.
- Cheiram tão bem. Vá lá…toquem-me.
- Mas, olhe que estamos frias…
- Não faz mal. Eu quero sentir-vos.
- Mas nós não queremos que fique doente.
- Não…
            E as ondas aproximam-se devagar, carinhosa e delicadamente da senhora, dos seus pés, e acariciam-na. Ela molha os pés, e as mãos. Dá uma gargalhada, como se fosse uma criança. As ondas riem com ela. E brinca com as ondas, chapinha, senta-se, acaricia-as e molha-se, ri, e as ondas riem com ela, dançam juntas, e trocam carinhos.
O sol está quase a nascer. A senhora está, como se tivesse dormido a noite toda. Levanta-se do pinhal, feliz e sorridente, as ondas voltam para a praia, também felizes.
Ela entra em casa, toma um bom banho quente, e um bom pequeno-almoço, veste uma roupa quente, acende a lareira, e pega num pano azul. Enquanto se aquece, põe-se a bordar o que aconteceu e o que sentiu.
Primeiro…bordou a tempestade, o medo, os barulhos, o vento, a chuva, as pinhas a bater no telhado e nos vidros, os trovões…cores escuras…depois…bordou a parte mais feliz! O seu encontro com as ondas, as conversas, as brincadeiras, as carícias, e o que sentiu.
A senhora já tinha construído milhares de bordados com momentos e sentimentos felizes, mas este último, tinha sido o bordado mais completo e mais especial.
No final do quadro, bordou uma senhora, com uma criança dentro dela. Isto queria dizer que naquela noite, ela sentiu-se criança outra vez, e foi por isso que ficou tão feliz!
Como tinha prometido, levou o bordado à praia e mostrou às ondas. As ondas aplaudiram, vaidosas e emocionadas. Cada onda beijou o pano carinhosamente.
Essa felicidade, tal como a criança que ela bordou dentro do corpo da senhora, passaram a fazer parte dos seus dias.   

FIM
Lálá
(6/Maio/2014)







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