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sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O (des) orgulho dos meus pais (monólogo para adolescentes e adultos)

desenhado por Lara Rocha a pastel giz 

Pertenço a uma família de médicos, são pessoas maravilhosas, os meus pais, os meus avós, e sempre fizeram tudo para cuidar de nós, dão-nos tudo o que precisamos, a mim e aos meus irmãos.

Sendo filho de médicos, toda a família dizia, achavam que tínhamos de ser médicos, como eles. Pintavam-nos a profissão de cor de rosa, adorávamos ouvir falar em salvar vidas, em cuidar, em ser corajosos, e ganhar um bom dinheiro, ter um título.

Só que...à medida que vamos crescendo, e tomando consciência da realidade do que somos, do que nos rodeia, e do que queremos ser...as coisas ficam diferentes. Durante muitos anos, até à faculdade, eu queria seguir medicina, achava que sim, e que iria ser o orgulho dos meus pai.

Estudava que me matava, até ao limite, até não poder mais, os meus pais eram muito exigentes, porque sabiam como era preciso grandes notas para esse curso, tinha que conseguir, desse por onde desse.

Não tinha vida de adolescente, praticamente! Não saía, não ia a festas, porque tinha que estudar. Explicações, mais apoios, mais estudo, mais isto, mais aquilo, fui para a faculdade, entrei em medicina.

Fiquei tão feliz, e os meus pais ainda mais. Aqui, sim, aproveitei ao máximo farras, namoros, saídas, jantaradas, copos, e claro, estudo. Estava a viver a adolescência com os meus colegas.

Comecei a perceber que...sentia-me estranho! Aquilo não era bem o que eu imaginava, manifestei várias reações estranhas no corpo, fiquei doente várias vezes, sem razão aparente, perdi a vontade de estudar, senti muitas vezes nojo do que via.

Os meus pais gostavam de conversar sobre o que estava a aprender, diziam que era normal, eu sentir nojo de algumas coisas,..mas comecei a não conseguir comer, nem dormir.

Na minha cabeça, era como se vivessem dois pequenos seres irritantes… um a dizer que eu tinha que continuar, não podia desistir, porque ia magoar os meus pais, ia ser a vergonha deles, ia desiludi-los… outro... dizia...pensa bem, talvez não seja isto que tu queres, os teus pais gostam, mas tu não gostas...desiste e pensa noutras alternativas. Isto está a dar cabo de ti.

A qual é que eu ia dar resposta? Os dois tinham razão! Como ia resolver? Não encontrei outra saída a não ser...liquidar-me! Apagar, e recomeçar se conseguisse. Num impulso, fui para a praia, e não me recordo de absolutamente mais nada!

Nem do antes, nem do momento seguinte, só tenho a sensação de que estava num grande sofrimento, completamente perdido, desorientado, desanimado, parecia que um ser estranho estava a comandar-me, e eu só obedecia, sem questionar se era o correto ou não.

Não conseguia pensar nem decidir nada, só ouvia essas duas vozes, e de repente… não sei o que me fizeram, trouxeram-me para aqui, nem sei há quanto tempo. Os meus pais quiseram saber porque tinha feito aquilo.

Muito envergonhado e com medo da reação deles, contei-lhes que estava desiludido com o curso, era a pouca coisa que me lembrava...que achava que não era o que eu imaginava, nem o que eu queria realmente.

Pedi-lhes desculpa. Percebi na expressão deles que ficaram tristes, mas disseram-me que compreendiam e se não gostava do que estava a estudar, podia mudar de curso, para alguma coisa que me preenchesse realmente!

Prometeram ajudar-me, e apoiar-me na escolha do curso, no financiamento. Perguntei-lhes se estavam desiludidos ou magoados comigo, responderam que não, mas acho que sim.

A minha mãe até acrescentou que os filhos não são a continuidade dos pais, não têm de ser iguais a eles, cada um tem os seus gostos, e está tudo bem! Foi um grande alívio para mim, agora estou a recuperar e a descobrir a minha verdadeira personalidade, os meus gostos.

Não temos que dar cabo da nossa vida para sabermos o que gostamos, o que queremos, e quem somos. Na realidade, eu nunca tinha feito isso antes, estava influenciado pelos meus pais, e é muito importante que conheçamos muito bem aquilo que somos capazes, o que faz sentido fazermos, o que nos faz feliz, o que gostamos, para o que temos jeito… tive muito medo, mais foi o melhor que fiz, porque não ia correr bem!

Pode demorar um pouco, mas é melhor sair do que não gostamos, de onde sentimos que não é o nosso lugar, do que estar num curso e ser eternamente frustrados, ou maus profissionais.

Há várias escolhas, para o próximo ano, e talvez agora tudo comece a fazer sentido!

Lara Rocha

29/Dezembro/2020


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