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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A lenda da fechadura


fotografia de Lara Rocha 


Era uma vez uma praia como todas as praias…com areia, mar e rochas, que recebia muitas visitas porque tinha algo de diferente das outras. Esta tinha uma rocha com uma forma estranha, e uma fechadura, que nem sempre estava à mostra, mas não havia chave.

Muita gente que visitava esta praia, especialmente a rocha que tinha uma fechadura, dizia sentir vibrações diferentes, tanto ouviam um silêncio aterrador, gelado, como sentiam uma ventania de cortar a respiração e os ossos, só nesse canto da rocha.

Umas vezes conseguiam ouvir choros, gritos, uma voz que cantava melodias tristes e pesadas, outras vezes cantava doces, lindas e leves canções que pareciam músicas instrumentais, e percebiam que as ondas umas vezes ficavam serenas, outras vezes com um tamanho monstruoso que corria toda a gente da praia. Umas vezes passava água por baixo da rocha da fechadura, outras vezes não.

Era um mistério que muita gente tentava descobrir, mas não conseguiam. Só um marinheiro sabia o segredo, mas não o desvendava, porque gostava de ver tanta gente na praia curiosa, e que sentiam coisas como ele dizia.

O mistério era uma lenda muito antiga, embora alguns ainda mais antigos dissessem ser verdadeiro…contavam os marinheiros que era nesse lugar que se encontravam com a princesa dos mares.

Essa princesa era uma mulher demasiado linda, linda demais para ser verdadeira, elegante, muito sedutora, que despertava invejas em todas as outras princesas e seres marinhos, que queriam ser tão bonitas como ela.

Como não conseguiam seduzir os marinhos, porque na verdade eles gostavam mesmo dela, as outras aprenderam uns truques maldosos com a feiticeira dos mares, para conseguir conquistar, e tentaram roubar todos os marinheiros que puderam. Aos que iam pescar, elas formavam tempestades, apareciam a dançar, hipnotizavam-nos, e eles deixavam-se encantar.

A princesa não sabia de nada, nem precisava de fazer feitiços ou hipnotizar para que os marinheiros se encantassem por ela, sentia-se muito sozinha, porque na verdade ela salvava os marinheiros, e queria a companhia deles, porque sentia-se muito sozinha. Começou a achar muito estranho não aparecerem.

Uma vez ficou transparente e assistiu a tudo o que as outras fizeram. Ficou muito triste e com muita raiva, gritou até ficar quase sem voz, levantou ondas gigantes, revirou o mar todo com os seus movimentos de fúria, sacudiu os barcos, e todos os marinheiros caíram à água. As outras ficaram realmente apavoradas, e fugiram.

Ela pegou nos marinheiros e atirou-os todos para a areia numa grande ventania que formou com a sua raiva. Salvaram-se todos, mas ela ficou muito perturbada. Refugiou-se numa rocha para se acalmar. Nessa rocha…

Nessa rocha gritou tudo o que sentia, toda a sua raiva pela desilusão que as outras com quem ela se dava tão bem, e considerava quase família, lhe tinham provocado.

Como é que elas puderam fazer isso com ela…perguntou-se muitas vezes, e praguejou…a voz dela parecia um tremor de terra num túnel, que se ouvia na praia toda.

Depois de conseguir libertar a sua raiva, chorou tanto que as suas lágrimas formaram uma baía à volta da rocha. Por fim, completamente cansada calou-se, deitou-se na areia e adormeceu.

Os seus pais compreenderam o estado em que ela ficou, e deixaram-na lá ficar até recuperar forças. Cobriram-na, deixaram-lhe alimentos e bebidas, e roupas secas, e fecharam aquele canto com uma porta que abriram na pedra, para que ninguém a perturbasse, mas nunca a deixaram sozinha, estavam sempre vigilantes.

Depois de muitas horas a dormir, ela abriu os olhos, olhou em volta, não sabia onde estava, alimentou-se e bebeu, trocou de roupa que estava toda molhada, e ficou em silêncio.

Os pais foram vê-la e conversaram com ela, ouviram todas as suas revoltas, dores, tristezas, angustias, desilusões, tentaram consola-la, e ela voltou com eles para casa.

Nos dias seguintes, ela ainda ficou muito irritada, e nesses momentos, pegava na chave e refugiava-se no seu recanto, nessa rocha. Gritava, chorava, às vezes tanto que a água passava por baixo da porta e aparecia na praia.

Quando havia marinheiros em perigo, principalmente à noite, a princesa pegava neles, e acolhia-os no seu recanto, alimentando-os, dando-lhes de beber e cobrindo-os, fechava-lhes a porta na rocha, ficando assim protegidos até que amanhecesse para saírem em segurança, e falava com eles, de forma muito meiga, simpática, amigável. Eles adoravam-na, e depois não conseguiam libertar-se dela…iam ter com ela.   

A lenda foi rapidamente divulgada, porque um dia viram um velho marinheiro sentado à porta da rocha, e perguntaram-lhe o que estava ali a fazer…ele respondeu que estava à espera que a princesa do mar lhe abrisse a porta, que queria reencontrá-la ao fim de tantos anos.

Acharam que ele estava louco, ou a delirar, mas ele contou o que tinha acontecido há muitos anos atrás, quando a princesa o salvou e o fechou no seu recanto para o proteger.

Contou com tantos pormenores que quem o ouviu quase conseguiu ver e sentir. Como percebeu que estavam a duvidar dele, mostrou a fechadura na rocha que nesse dia estava à mostra, e sem água. Disse para fazerem silêncio, e ouviram vozes…o marinheiro sorriu e disse que ela estava ali com alguém.

Todos se arrepiaram porque realmente tinham ouvido vozes. Espreitaram pela fechadura, não viram nada, nem ouviram nada. Ele explicou que ela tinha ido embora…e na verdade…só se ouvia o vento, que parou de repente, e só se ouviu o silêncio.

De repente aparece um fiozinho de água por baixo da fechadura na rocha. O marinheiro sorriu e disse que aquele fiozinho de água eram umas lagrimazinhas da princesa do mar que o reconheceu…ele sabia que um dia destes iriam reencontrar-se, e conversar.

Todos os que ouviram arrepiaram-se, e o marinheiro entrou pela porta da rocha que se abriu, quando a maré ficou vasa. Sentou-se na areia e viu a princesa, a princesa fechou a porta, e quem ficou do lado de fora ouviu vozes, e gargalhadas…mas só viam o senhor pela fechadura.

Pensaram que ele estava a delirar, ou a sonhar…e foram embora, pensando como é que ele iria sair dali. Mas saiu, quando a princesa, depois de uma longa e animada conversa com o marinheiro que recordaram os tempos em que se encontraram, voltou para casa, com a promessa de se encontrarem mais vezes.

E o marinheiro voltou lá mais vezes. Ainda hoje, quando a maré vasa o marinheiro e quem vai visitar a praia vão a essa rocha da fechadura e ouvem vozes, quando a fechadura não está à mostra, sentem vibrações, e movimentos estranhos.

Há muitas pessoas que vão para esse sítio na esperança de ver e falar com essa princesa dos mares que era tão linda…mas nunca a veem…só os marinheiros conseguem vê-la e conversar com ela.

Os outros, apenas sentem, arrepiam-se, sentem-se estranhos, e ficam deixam-se levar pelo encanto do cantinho, ou da…lenda…ou será que foi mesmo verdade? Se calhar foi verdade para os marinheiros, pelo menos salvaram-se.

E vocês? Acham que foi lenda, ou pode ter acontecido na realidade? Será que foi imaginação dos marinheiros com o medo, para ganharem força de se salvarem? Ou será que essa princesa existiu mesmo…? Será que ela ainda existe? Porque é que acham que só os marinheiros a conseguem ver?

FIM

Lálá

(31/Agosto/2016)

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