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quinta-feira, 6 de abril de 2017

FILIPA DE CHOCOLATE

     

 Era uma vez uma linda menina, filha de um casal vindo de Angola, pele muito morena, cabelos pretos, compridos, aos cachinhos, olhos castanhos cor-de-mel (entre o castanho claro, o amarelo e o verde). Já tinha nascido em Portugal, frequentou a creche, o infantário e agora estava na escola primária.
        Era uma menina muito meiga, simpática, atenta, boa aluna, aplicada, dedicada, curiosa, e com muito bons sentimentos, estava sempre pronta a ajudar, e muito bem comportada.
        Mas nem todos os meninos eram como ela, e às vezes até eram maus, pois em vez de chamar pelo seu nome, que era Filipa, chamavam-lhe nomes feios, pela sua cor de pele, por exemplo «preta».
       Inventavam cânticos que a ofendiam, e ela ficava triste, acusavam-na de coisas que outros faziam, riam-se dela quando ela respondia, não queriam estar à beira dela, só quando a professora ralhava e obrigava.
    No recreio não a chamavam para brincar, e riam-se das brincadeiras que ela própria inventava, dançava sozinha, cantava, e fazia muito boa companhia aos adultos professores. Fazia queixa à professora, e esta só lhe dizia para não ligar, porque era uma menina muito querida, bonita e especial.
      Um dia, Filipa cansou-se de ser ofendida, fez queixa à professora e disse que queria sair da escola. A professora ficou muito zangada e decidiu acabar com a palermice dos meninos racistas, através de umas conversas muito sérias, e a dar respostas.
     Levou roupa de cor preta, e vários objetos da mesma cor. Chamou a Filipa e pediu aos meninos que olhassem bem para os objetos com muita atenção. Perguntou-lhes:
- De que cor são estas roupas e estes objetos?
- Pretos! – Respondem todos em coro
- Para que servem? – Pergunta a professora
- Para vestir. – Dizem todos
- As roupas pretas são para vestir, o chapéu preto é para…?
- Proteger do sol! – Respondem todos
- E estes lápis pretos? – Pergunta a professora
- Para escrever! – Diz um menino
- Para desenhar! – Diz uma menina
- Para pintar! – Diz outro menino
- Para fazer contas! – Diz outra
- E para atirar aos outros, ou para roer, não é? – Pergunta a professora
- Não! – Respondem todos
- Mentirosos! – Diz a professora
- Ááááááhhhh… - Exclamam todos
- Não sei porque é que estão tão espantados, com o que eu disse! Não é o que vocês fazem? – Pergunta a professora
- Às vezes! – Diz a Filipa
- Olha a preta a fazer queixinhas….- Comenta um menino
- O pote de café! – Acrescenta outro menino
- Pote de alcatrão! – Goza uma menina
- Já levaste com algum, Óh, preta queixinhas?
- É preta em tudo!
            Todos riem.
- Parou! – Grita a professora – Acabamos de falar na cor preta! A Filipa é um objeto, ou uma roupa, um chapéu ou sapatos? – Pergunta a professora
- Não! – Respondem todos
- O que é a Filipa? – Pergunta a professora
- É uma menina! – Responde outra menina
- E vocês, o que são? – Pergunta a professora
-Meninos e meninas! – Dizem todos
- São palermas! – Diz a professora
- Ááááááhhh… - Exclamam todos
- E se eu agora, em vez de vos chamar pelo nome, vos chamasse por alguma coisa que têm de diferente? Por exemplo: óh tu, de óculos…óh tu orelhudo, óh tu desajeitado, oh tu preguiçoso…óh tu que não lês bem…óh tu da crista…óh tu das tranças, óh tu das sardas…óh tu baixote, óh tu gordo, óh tu trinca espinhas…gostavam?
            Faz-se silêncio na sala, e as caras ficam tristes.
- Não respondem? Eu perguntei se gostavam que vos chamasse pelo que têm de diferente, em vez de vos chamar…Nuno, Francisco, Gonçalo, Isabel, Sara, Rita, Paula, Pedro, André, Miguel, Joana, Rafaela, Raquel, Hugo, Daniela, Frederico, Rui, Abel, Marco, Mariana, Luisa, e Neusa?
            O silêncio continua, tal como as caras tristes.
- Então? Estou á espera! Vai responder um por um…e rápido! – Insiste a professora
- Não!
- Não!
- Não!
            Todos respondem não!
- E se eu vos oferecesse chocolate? – Diz a professora
- Áhhhh…Siiiimmmm! – Dizem todos
- Acham que merecem? – Pergunta a professora
- Sim! – Dizem todos
- Desavergonhados! Pensem bem se merecem! – Ordena a professora
- Merecemos! – Dizem todos
- Essa não merece. – Comenta uma menina
- Eu? – Pergunta a professora
- Não…- Dizem todos
- A professora merece. – Diz uma menina tímida
- Essa preta que está à sua beira é que não merece. – Acrescenta um menino desafiador
- De que cor estamos a falar? – Pergunta a professora
- Do preto! – Respondem todos
- É igual a essa sombra que tem ao seu lado…abutre! – Acrescenta outro menino
- Não estou a ver nenhum abutre nesta sala! Vai ver ao dicionário o que quer dizer a palavra abutre e copia para o caderno, que a seguir já conversamos. Os outros meninos vão procurar o que é a cor preta, o que é uma menina, o que é Angola, e como são os Angolanos, como trabalho de casa.
- Perguntamos a essa coisa que tem ao seu lado…ela sabe, ela é de lá. É preta de Angola.
- Agora olhem para a Filipa.
- É feia. – Diz um menino
- É preta! – Diz outro menino
- É mal-educada. – Diz outro
- De que cor são as pessoas? O que é que falamos ontem sobre as pessoas?
- Umas são brancas, outras são morenas, outras mais escuras… - Diz uma menina
- De cabelo, pele e olhos somos todos diferentes, de muitas cores. – Diz outra menina
- E os corações? – Pergunta a professora
- É vermelho! – Dizem todos
- Não tem cor! – Diz uma menina
- A cor do coração depende dos sentimentos que cada pessoa mostra, leva nele, e dá aos outros! – Responde Mariana
- Muito, muito bem! Excelente resposta. Mariana, anda cá escrever essa frase! Aqui no quadro, em letras bem grandes…até vamos fazer um cartaz com ela.
            Mariana levanta-se, sorri, passa pela Filipa, abraça-a carinhosamente, e dá-lhe um sonoro beijo, faz-lhe um carinho na cara, dá a mão à Filipa, escreve a frase sobre o coração, orgulhosa. Um menino comenta:
- Que nojo!
            Mariana da mais um abraço a Filipa, e esta retribui com outro abraço e outro beijinho com umas lagriminhas a cair dos seus olhos.
- A Filipa sabe a chocolate, e linda, tem olhos de amêndoa, e um coração lindo, cheio de cor, de todas as cores, porque carrega muitos sentimentos bons. Gosto muito dela, e nunca brinquei muito com ela, mas já vi muitas vezes o coração dela. É muito fofinha. Todos temos inveja dela, porque no Verão vamos para a praia e queremos ficar da cor dela, queimamos a nossa pele e gostamos de ver...ela tem esta cor o ano todo. - Diz a Mariana 
- Muito bem!  Temos aqui dois lindos corações. - Aplaude a professora.
- Sim, professora. Temos um chocolate e um chocolate branco, o chocolate é a Filipa, e eu sou o chocolate branco. - Diz Mariana a rir 
- É verdade! - Diz Filipa a rir 
- Mesmo! - Confirma a professora 
             Todos riem. 
- Todos os meninos e meninas são chocolates quando são doces, outros são chocolates amargos, com licor, quando são bons, e quando são maus uns com os outros. Mas nenhum destes meninos e meninas estava a ser chocolate. Nem doce, nem meigo, nem simpático. Parece que nem estiveram na sala ontem a ouvir o que dissemos. A partir de agora, ai do menino ou menina que volte a chamar outro nome que não seja Filipa. Não quero voltar a ver a Filipa sozinha no recreio, e ai do menino ou menina que não queira ficar com a Filipa nos trabalhos, ou jogos. Terão todos logo negativa. Estamos combinados? - Diz a professora com cara zangada 
- Sim! - Dizem todos tímidos 
- Não ouvi! - Diz a professora 
- Sim! - Gritam todos 
- E preto, ou preta é uma cor, não é uma menina, nem menino. Agora...um por um...vão pedir desculpa à Filipa. - Manda a professora 
               Quando os meninos iam contrariados, a professora mandava sentar, levantar outra vez, e pedir desculpa à Filipa. A professora mandou que cada um se levantasse e fosse abraçar como devia ser, a menina. 
- É verdade! A Filipa é mesmo parecida com chocolate, e deliciosa como chocolate. 
- É linda! - Reforça um menino 
- Pois é. - Concordam todos 
           A Filipa ficou muito feliz, e quando os meninos começaram a conhecer mesmo a menina, e o seu povo no trabalho que fizeram, a sua cultura, e a maneira como era, perceberam que estiveram sempre errados. Afinal ela era mesmo uma menina linda, doce, meiga, simpática, bondosa, brincalhona, sensível, amiga de todos, aplicada, e aprenderam a gostar dela. Aprenderam a gostar dela, a brincar com ela, a respeitá-la, a integrá-las nas brincadeiras. 
          Filipa tornou-se a mascote da turma, uma menina muito solicitada, até lhe deram o nome de Filipa de Chocolate, que para ela era um nome muito carinhoso, e o seu riso era tão bonito, sincero e feliz que por onde passava, com todos os meninos com quem brincava, que contagiava todos. 
          Aprenderam a abraçá-la, com sinceridade, e a tratá-la com muito carinho. Adoravam-na, e ela a eles. Diziam a toda a gente que ia lá à sala, com os olhos a brilhar, e um sorriso cheio de carinho, que Filipa era A NOSSA FILIPA DE CHOCOLATE. 

E vocês? Conhecem meninos ou meninas como a Filipa de Chocolate? Gostam de brincar com elas, e eles? 
                                                                    FIM 
                                                                    Lálá 
                                                             (6/Abril/2017)  

  





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