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domingo, 22 de junho de 2014

As barquinhas


foto de Lara Rocha 

    Era uma vez duas barquinhas que navegavam num rio, de uma ponte chamada nuvem. 
  Ficava num fundão de montanhas, com caminhos de cabras e em terra. Não passavam carros, só pessoas.
          Era um sítio muito sossegado e fresco, onde aparecia muitas vezes nevoeiro. Quando isso acontecia, essa montanha e o rio ficavam com um ar ainda mais misterioso. Muita gente deslocava-se para lá, para respirar, descansar, e relaxar…outros…meditavam, e os artistas pintavam ou escreviam.
Nesse rio calmo estavam paradas muitas barcas e barquinhos, que às vezes baloiçavam com o vento, outros navegavam sozinhos pelas águas. Um dia, duas raparigas jovens amigas foram até esse sítio. Ficaram encantadas com a paisagem e os seus olhos ficaram presos em duas barquinhas, entre muitas.

- Olha aquelas barquinhas! – Diz uma para a outra
- O que é que tem? São com as outras!
- Não! Olha bem…uma tem nevoeiro à volta…a outra tem um arco-íris.
- Áh! Não tinha reparado! Que lindo!
- É! Parecem duas barquinhas misteriosas.
            As duas barquinhas olham para as meninas.
- Olha, olha…estou a sentir-me observada!
- Claro que estamos a ser observadas!
- Isso não te deixa feliz?
- Sim, embora já esteja habituada a ser apreciada!
- Convencida!
- Olha quem fala!
- Elas estão a reparar em mim…
- Ora essa…também, estão a reparar em mim!
- É. Estamos no mesmo sítio, mas eu sou muito mais bonita!
- Claro que não! Eu é que sou! Tu só tens fumo à tua volta, eu tenho cores. Muitas cores!
- Não é fumo…são nuvens! E tu, não tens assim tantas cores…só são sete! E há milhares delas.
- Só são sete, mas são todas bonitas! Ainda bem que não tenho mais de sete, se não, ainda ficava mais irresistível!
- Até parece!
- É verdade! Toda a gente me tira fotos, por causa das minhas cores.
- Mas a ti só te tiram fotos…aqueles artistas malucos!
- Como é que sabes que eles são malucos? Nunca conheceste nenhum.
- É o que todos dizem. E basta olhar para eles…aqueles cabelos esguedelhados, aqueles olhos bugalhos…para mim, só olham os sonhadores, os apaixonados, os sensíveis, os românticos…
- Como é que sabes? Podem ser pessoas comuns.
- Para ti, só os melancólicos e os deprimidos é que olham…tu trazes tudo isso às cabeças deles.
- Achas que conheces as pessoas só de olhar para elas, não? olha que podes estar muito enganada.
- Tenho a certeza.
- Tens a mania que sabes muito.
- Aprendo com alguém.
- Com quem?
- Contigo, é claro.
- Mas que grande lata! Vou considerar isso um elogio…sou boa professora.
- Olha, estão a aproximar-se de nós!
- Boa! Acho que vamos ter trabalho hoje.
- Espero bem que sim…já estou a ficar murcha.
            As duas amigas aproximam-se das barcas, e saltam para dentro delas…uma para cada. As barquinhas sorriem.
- Olá! – Respondem as duas barquinhas.
- Olá! – Retribuem as jovens.
- Querem navegar? – Pergunta uma barquinha
- Sim! – Respondem as duas
- Se puder ser! – Diz uma rapariga
- Claro que pode. – Respondem as barquinhas
- Algum destino em particular? – Pergunta a outra barquinha
- Não! – Respondem as duas
- Estamos nas vossas mãos. – Diz uma rapariga
- Levem-nos para onde quiserem. – Diz outra rapariga
- Não conhecemos este sítio.
- Deixem connosco! – Dizem as duas barquinhas em coro
            As duas barquinhas navegam sem pressa para que as raparigas possam apreciar a linda paisagem. Chegam a um local do rio, que tem dois caminhos para duas grutas. As barquinhas param.
- Meninas…agora para onde? – Pergunta a barca com nevoeiro
- Onde estamos? – Perguntam as duas meninas
- Agora temos dois sítios para visitar – Diz a outra barquinha
- Huumm… - Pensam as raparigas
- Ambos são bonitos. – Diz a barca nevoeiro
- Mas sinceramente, o sítio onde vos vou levar primeiro, é mais bonito! – Diz a barca arco-íris.
- Desculpem…acho que devem vir antes para o meu sítio! – Insiste a barca nevoeiro
- Pára, chata! Elas é que decidem. – Resmunga a barca arco-íris
- É uma escolha difícil! – Suspira uma rapariga
- Porque não vamos uma para cada lado e depois trocamos? – Sugere a barca arco-íris
- Áh! Boa ideia! – Diz uma rapariga
            E assim fazem…a barquinha nevoeiro leva a rapariga para uma gruta, e a barquinha arco-íris leva a outra menina para a outra gruta.
            A menina que entra na gruta nevoeiro, vê coisas bonitas, mas quando sai, sente-se triste, melancólica e pesada. A menina que entra na gruta arco-íris vê coisas ainda mais bonitas, coloridas, claras, finas, delicadas, e brilhantes. Sente-se feliz e quando sai vem cheia de luz.
- Então? – Pergunta a menina que foi à gruta arco-íris
- Olha…não vás àquela gruta.
- Porquê?
- Não vale a pena. É fria, e sais de lá triste, melancólica e pesada…
- Menina, porque estás a dizer isso à tua amiga? É uma pena que não tenhas gostado, mas não devias influenciar a tua amiga, com o teu desagrado! – Diz a barca nevoeiro.
- Sim, isso é verdade! Tu podes não ter gostado, mas eu até posso gostar! – Concorda a outra rapariga
            As duas trocam de barca e de gruta. Por muito que a amiga não quisesse influenciar com o seu agrado, a segunda que entrou na gruta do nevoeiro sentiu-se como a primeira que entrou. A que entrou na gruta arco-íris, estava triste e melancólica, e ficou feliz, livre, viu coisas maravilhosas, lindas, coloridas.
            Quando voltaram a encontrar-se…
- Tinhas razão, amiga! Aquele sítio não é nada agradável! – Diz a segunda que entrou na gruta nevoeiro.
- A tua é mesmo linda! – Diz a que entrou na gruta arco-íris
- Senti-me muito triste naquela, mas muito feliz, nesta.
- Eu também.
- Querem entrar as duas na gruta? – Pergunta a barquinha arco-íris
- Sim! Por favor! – Pedem as duas
- Não estão a ser nada simpáticas! – Resmunga a barca nevoeiro
- Desculpa! – Dizem as duas
- Não faz parte de nós…dizermos mentiras só para sermos simpáticas! – Elucida uma rapariga
- Se não gostamos, não vamos dizer que gostamos só para ficares feliz! – Diz a outra rapariga
- Eu sei que te dói, amiga, mas tens de respeitar os gostos deles. – Diz a barca arco-íris
- Eu gostei das coisas que vi na tua gruta, eram misteriosas, mas ao mesmo tempo fizeram-me ter saudades, e ficar triste! – Esclarece uma rapariga
- As pessoas só me enchem de coisas más, feias, tristes, pesadas… - Diz a barca nevoeiro, triste.
- As pessoas enchem-me com sonhos, coisas boas e felizes…não admira que gostem mais de mim! – Diz a barca arco-íris.
- Ninguém gosta de ficar triste, ou de ter saudades! – Diz uma rapariga
- Claro que não! – Responde a outra rapariga
- Mas também não tens que ficar com as coisas más e tristes que as pessoas te metem aí. – Diz uma rapariga
- Pois não! – Diz a outra
- Devias despejar essas coisas más. – Sugere uma rapariga
- Como? – Pergunta a barquinha nevoeiro
- Enche-te de coisas boas! Olha, por exemplo, podes visitar a gruta arco-íris. – Sugere uma rapariga
- Muito bem lembrado, meninas. – Diz a barca arco-íris
- Quando entrares lá, vais sair como nova! – Garante uma rapariga
- É verdade! – Confirma a outra rapariga
- E nós podemos encher-te de coisas boas. – Sugere uma rapariga
- À vontade! – Diz a barca nevoeiro
            As duas raparigas enchem a barca nevoeiro, com bons pensamentos, pintam-na de cores vivas, e em vez de nevoeiro, aparece um lindo sol à sua volta.
- Áh! Que linda que estás! – Elogia a barca arco-íris
- Estás mesmo. – Dizem as duas raparigas orgulhosas, com um grande sorriso
            A barca nevoeiro vê a sua imagem reflectida na água, sorri vaidosa e diz:
- Óh! Mas que grande transformação. Estou mesmo linda! Uau! Muito obrigada, meninas.
- Agora não precisas de ter mais inveja de mim! – Diz a barca arco-íris
- Óh! A minha inveja não era por mal! – Suspira a barca nevoeiro
- Eu sei! Compreendo-te…! Vias-me feliz, e linda, e tu não conseguias ser feliz. - Sorri a barca arco-íris
- Mesmo que haja nevoeiro, as pessoas verão sempre luz e muitas coisas bonitas! – Garante a barca nevoeiro
- Claro que sim! – Respondem as duas raparigas
            E foi mesmo isso que aconteceu, a partir deste dia! Tanto uma barca como outra tornaram-se o centro de todas as atenções daquele espaço, e quem lá ia triste, saía feliz, cheio de cor e de luz.
            Para nós humanos, também existem várias barcas bonitas e escuras ou enevoadas. Umas vezes navegamos na barca arco-íris, outras vezes, na barca nevoeiro. Ambas fazem parte do nosso dia-a-dia e da nossa vida, mas o melhor é preferirmos navegar na gruta arco-íris, pois, se navegamos muitas vezes na barca nevoeiro, podemos afundar-nos.

FIM
Lálá
(20/Junho/2014)


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