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terça-feira, 3 de setembro de 2013

A CIDADE E A FESTA DA FOLHA


















foto de Lara Rocha 

                Era uma vez uma grande cidade, onde viviam milhares de pessoas. Todos os dias era uma grande agitação…um movimento louco de carros que passavam a alta velocidade, famílias que saiam a correr de casa com os filhos. Havia fumo e nuvens no ar, gritos dos vendedores na rua, que tentavam vender os seus produtos…roupas, bugigangas, guarda-chuvas, gorros, luvas, meias, chapéus e boinas…e frutas, legumes frescos nas bancadas dos pequenos supermercados que haviam nas ruas, buzinas de condutores desesperados nas intermináveis filas de carros que eram obrigados a parar por causa dos semáforos, aviões ruidosos e pessoas que quase chocavam umas com as outras, mal se olhavam e não sorriam…não olhavam para o que se passava à sua volta, só para o relógio, e falavam ao telemóvel a gritar nervosos. Nesta agitação toda…esquecem-se que chegou uma nova época…uma nova estação do ano…o Outono. Uma menina abre a janela, quando se prepara para ir para a escola e grita:
- Mãe…chegou…!
- Quem, filha…?
- A princesa Outono!
Áh…está bem! Deixa-a estar. (murmura a mãe) Deve ser alguma boneca de algum desenho animado…
Olha, Mãe, e veio com o vestido das folhas.
Quem?
A princesa Outono.
Sei lá quem é essa…! - resmunga a mãe 
Olha para a janela. Está aqui, mesmo diante dos nossos olhos.
Imagina o que quiseres, mas não me leves contigo para esse teu mundo de fantasia. - responde a mãe, zangada 
Óh mãe…porque é que estás a falar assim comigo?
Despacha-te…! Ainda tenho que te levar à Avó…lá podes continuar a imaginar o que quiseres. - grita a mãe 
Ai, Mãe…estás tão má.
Deixa-te de conversas, e veste-te rápido ou vai de pijama…! - grita a mãe, nervosa 
- Estás tão nervosa…!
E tu ainda me estás a irritar mais, com tanta conversa, a perder tempo a olhar para a janela, e a imaginar coisas…despacha-te…tens dois minutos. - grita a mãe quase a explodir
Eu vou a pé…! Vai…para o teu trabalho, se ele é mais importante que eu! Eu estou a mostrar-te coisas bonitas, para ires mais bem-disposta para o teu trabalho, mas tu não queres ver, só queres gritar comigo.
           A mãe não responde, mas fica pensativa, e vai arrumar o resto das coisas em silêncio. A menina veste-se e arranja-se sozinha, triste.
Tomas o pequeno-almoço na Avó, está bem?
Sim, está bem…vai lá para o teu trabalho…sempre trabalho, sempre trabalho, sempre trabalho…! Um dia destes acabo com o teu trabalho.
- Sem trabalho não te posso alimentar. - responde a mãe 
Mas não alimentas o meu coração triste. - suspira a menina 
O quê?
Sim, a Avó é que diz que o coração também precisa de ser alimentado…! Com amor, com carinho, atenção, sorrisos, abraços…e tu não me dás nada disso…! Só pensas em trabalho…
         A mãe fica sem resposta. Estaciona o carro em cima do passeio, em frente à casa da sogra, e larga a menina, chateada, sem lhe dar a mão, e sem dizer nada. Toca á campainha e aparece a Avó da menina, ainda nova.
Bom Dia…! - Cumprimenta a Avó sorridente 
Ela não tomou o pequeno-almoço…estou com muita pressa, e ela ainda se pôs a empatar-me com historinhas e invenções de princesas Outono, e vestidos não sei quê…! Ature-a…até logo. - responde a mãe, de forma seca e agressiva 
Bom Dia de trabalho… e vai com calma a conduzir. - recomenda a Avó 
Para si que não trabalha é fácil… - responde agressiva 
          A Avó não responde, e fica triste, a menina ainda mais.
Mãe… - chama a menina 
O que é que foi…? Que chata. - grita a mãe nervosa
Bom Dia…amo-te mãe…até logo. - diz a menina de forma ternurenta e sincera
        A mãe entra no carro e não lhe responde, nem olha mais para ela. A menina desata a chorar, muito desiludida e triste. A Avó também fica triste, abraça a neta, e acaricia-a.
- Óh Avó…a minha mãe não quer saber de mim…não me ama…não ouve o que eu digo…só pensa no trabalho, no trabalho…é só trabalho…! - diz a menina a chorar 
Claro que te ama, filha, mas está preocupada com outras coisas. - diz a Avó igualmente triste 
Eu pensei que era a coisa mais importante para ela…! - lamenta a menina a chorar 
Não és a coisa…és a pessoa mais importante para ela!
Não sou nada…
Olha…vamos tomar o pequeno-almoço. Aquilo passa-lhe. - Sugere a Avó 
        A menina entra muito triste, com a Avó. As duas preparam o pequeno-almoço, a menina sempre a chorar.
Sabes quem chega hoje? - pergunta a Avó 
A princesa Outono, com os seus vestidos de folhas…!
Sim, é mesmo…! - sorri a Avó 
Eu já a vi hoje, mal abri a janela. E mostrei-a à minha mãe, mas ela nem olhou…nem reparou…mandou calar-me, e arranjar-me depressa…e disse que eu estava a imaginar…aquelas coisas todas, feias…! - desabafa a menina 
Mas tu viste a princesa, e isso é o que importa. - diz a Avó a sorrir 
Sim. Óh Avó…porque é que a minha mãe é tão má?
Ela não é má…está só um bocado…cansada e nervosa…mas aquilo passa-lhe!
Não gosto nada de ver a minha mãe assim.  diz a menina 
Olha…um dia ela vai lembrar-se de ti…
Eu só queria que ela também alimentasse o meu coração, como tu, o Avô e as tias fazem…!
Sim, essa alimentação é muito importante, mas a outra…esta do pequeno-almoço e outras, são ainda mais…! E para isso, ela tem de trabalhar.
E nunca tem tempo para mim. - lamenta a menina, triste 
Vais ver que daqui a uns tempos…ela vai ter tempo para ti. Mas podes ter a certeza que ela ama-te muito. - garante a Avó 
Não acredito.
Sabes que festa vem aí?
A festa da folha! - diz a menina com um grande sorriso 
Isso mesmo. Temos de ver se o teu vestido do ano passado ainda te serve…mas quase de certeza que não…! - diz a Avó a sorrir 
Ai, Avó…tem de servir, se não…como é que eu vou à festa? - preocupada 
Óh rapariga…se não te servir, faz-se outro…qual é o problema?! - diz a avó às gargalhadas 
Mas dá tempo? - pergunta a menina, preocupada 
Claro que dá! - diz a Avó a rir 
Gosto tanto desta festa! E as tias vão? - comenta a menina a sorrir 
Vão, de certeza que sim (sorri).
Boa…! As minhas tias preferidas…Adoro-as…! - diz a menina feliz 
Sim, elas também te adoram…mas uma mais que a outra. (ri) 
Eu sei! Ela também é a minha preferida…mas não digas às outras. Olha, e vais fazer os sumos, e os bolos?
Sim, é mesmo, já me estava a esquecer…ajudas-me? - pergunta a Avó 
Claro, Avó. 
            A Avó e a neta tomam um belo pequeno-almoço, enquanto conversam sobre vários assuntos, e riem. No fim vão experimentar os vestidos e fazem uns ajustes, divertidas. A cidade é muito agitada, mas tem uma festa muito bonita, todos os anos, e muito típica: a festa da folha. Nessa festa, a cidade não dorme. Dia e noite, no fim-de-semana, há muita música por todo o lado, danças, os carros são desviados do centro, e as ruas são apenas para as pessoas, que se vestem e desfilam com lindos vestidos, saias, capas…feitos de folhas misturadas: umas são amarelas, outras vermelhas, outras castanhas, outras verdes, e outras de cores misturadas.         Além destas lindas roupas, come-se e bebe-se frutos da época…bebe-se sumo de uvas brancas, uvas pretas, uvas bordo, uvas roxas, uvas azuis escuras, que são muito deliciosas, vinho branco, vinho tinto…outras pessoas gostam de as comer a partir dos cachos enormes. Come-se romã, melancia, sumo de amoras, e de outras frutas. 
          Há sopa de cabaço, de abóbora, caldo-verde, cabrito, vitela, frango, batatas fritas, arroz de feijão, arroz de legumes, saladas frescas de pepino, alface, azeitonas, salpicão, chouriços, pão caseiro, broa. 
       Para a sobremesa, há bolos de noz, de amêndoas, de castanhas, castanhas assadas, pipocas, espigas de milho fritas, e muitas outras delícias da Terra. Mas uma festa não tem só comida e bebida…também, tem muita dança, cantares…gargalhadas, abraços, beijos…reencontros, encontros românticos, namoricos…muita brincadeira, muitas folhas que decoram os locais, pelo chão, e nas paredes, ou troncos...junto de poemas alusivos ao Outono, algumas escorregadelas, concursos, e prémios. 
       Todos festejam até amanhecer, até porque na segunda-feira não há aulas. Embora a menina já estivesse mais calma, e mais contente com a Avó…decide escrever uma carta ao presidente do trabalho da mãe. 
            Uma carta onde diz ao presidente, a sua tristeza com ele, por ter a sua mãe tanto tempo no trabalho, e estar a dar cabo dela! Falou-lhe nos gritos e nos nervos da mãe, disse-lhe que ficava muito triste, porque o seu coração não era alimentado, e ela ficava doente muitas vezes por causa disso…Disse tudo o que sentia, e convidou-o para ir à festa da folha. 
           Pediu-lhe que reduzisse as horas de trabalho, a carga de trabalho, e que até pusesse umas horas por dia, para terminar mais cedo, e poder estar com ela. Aconselhou-o a fazer o mesmo, para que os filhos dele, não passassem o sofrimento que ela estava a passar…e falou na importância que ela achava que tinham os pais para as crianças. Pediu à Avó que lesse, e que corrigisse. A Avó fica comovida com as palavras da neta.
Muito bem, filha…muito bonita! 
É o que eu sinto mesmo, Avó.
E está muito bem.
Sabes onde é o trabalho da mãe?
Sim.
Então…vamos lá deixar essa carta…! Pode ser?
Está bem…! - ri à gargalhada 
            A menina vai com a Avó ao trabalho da mãe, e entrega à secretária do chefe.
Eu quero vê-la entregar a carta, nas mãos desse vampi (interrompe) … quer dizer…desse senhor. - diz a menina 
            A secretária pega na carta da menina, muito intrigada, e leva-a com ela pela mão.
Sr. Dr.…tenho uma carta para si. - anuncia a secretária 
É você…? É médico…? - pergunta a menina 
Não…não sou médico. Não podem entrar aqui crianças…! - responde o presidente, surpreso 
Eu disse, mas… - diz a secretária 
Parece que quer ser despedida. - comenta o Presidente 
            A menina larga a mão da secretária, pega na carta, e avança em direção ao Presidente, a olhá-lo fixamente nos olhos.
Não vai ser despedida coisa nenhuma…fui eu que quis entrar, e esta carta fui eu que escrevi! É para si…seu monstro vampiresco, ladrão de mães… - diz a menina firme, e zangada 
O quê…? Sua pirralha…fora daqui já…vai para o infantário. - grita o presidente, nervoso 
Eu ando na escola primária. Eu respeito os mais velhos, mas você não merece qualquer respeito…! Olhe muito bem nos meus olhos…e leia a carta! Era só o que faltava! - responde a menina, zangada 
Achas que eu não tenho mais o que fazer…? - pergunta o presidente 
Leia a carta…e olhe bem para os meus olhos… - grita a menina, como se fosse uma mulher adulta 
Mas o que é que tem os teus olhos…? São escuros… - diz o presidente 
O senhor tem filhos…? - pergunta a menina 
Sim, tenho…
Não parece…! Então quando ler, lembre-se deles…eles também lhe dizem isso.
Mas que raio… - resmunga o presidente, nervoso 
Na minha frente…! Já…! Agora! Ou quer que o prenda na cadeira e leia eu...? - pergunta a menina, imponente 
            O Presidente olha a menina de cima a baixo…e ela está muito zangada. Ele lê a carta, em silêncio, e começa a ficar entalado…com as lágrimas nos olhos, e no fim chora mesmo. A secretária fica preocupada.
Doutor…está bem…? Precisa de alguma coisa…? - pergunta a secretária, preocupada 
Ai…isto nunca me aconteceu antes…traga-me um copo de água por favor…! - pede o presidente, a chorar 
E então…? - pergunta a menina 
Eu…não sei o que dizer…estou…sem palavras! - responde o presidente, a chorar 
Não acha que tenho razão? Eu estou a falar por todos os filhos, de quem trabalha aqui…e para si ainda mais…! - pergunta a menina 
Óh…! Esta carta…destroçou-me…! - admite o presidente, a chorar 
E como é que acha que os filhos se sentem…?
Nunca tinha pensado que seria assim…tão… - responde o presidente a chorar 
Mau…sim, é mesmo muito mau! (Ele bebe água) O que vai fazer agora…?
Eu…tenho de pensar…vá…saiam…! - recomenda o presidente 
            As duas saem, e a menina vai ter com a Avó. A Avó fica muito surpresa.
Esta menina…pôs o presidente a chorar…nunca o vi assim…e ela fez com que ele lesse a sua carta. - comenta a secretária 
(Todas riem)
Vamos ver se adiantou alguma coisa…obrigada…até á próxima. - diz a menina a sorrir 
- Até à próxima. E apareça nas festas da folha. 
          As duas voltam para casa. O Presidente ficou tão comovido e tão perturbado, com a carta da menina, que introduziu uma série de alterações nos horários, e na forma de trabalhar, que todos os funcionários, incluindo a sua mãe, nunca souberam porquê, nem como. 
Mas adoraram as mudanças, porque passaram a ter muito mais tempo para os filhos, muito mais calmos. 
       Quando a mãe percebeu as mudanças no seu trabalho, ficou muito mais calma, pediu desculpa à sua mãe e à filha, por ter ralhado tanto com elas, e pôde finalmente apreciar a festa da folha, a princesa Outono, as cores, os vestidos, brincar com a filha, dançar, ler e contar histórias, desenhar, fazer refeições juntas, passear e trocar mimos, principalmente porque o chefe da empresa da mãe nunca mais foi o mesmo. 
        Tornou-se mais compreensivo, mais carinhoso, mais delicado, também ele aproveitou muito mais tempo com os filhos, que não cabiam em si de felicidade. tal como a menina. 
Até fechou a empresa nos dois dias da festa da folha, onde todos se encontraram, brincaram, riram, dançaram, comeram, beberam, e divertiram-se. 

E vocês, meninos…também fazem a festa da folha?
Como recebem o Outono?
O que comem e o que bebem no Outono?
O que vêem no Outono?
A vossa cidade também é como esta?

FIM
Lálá

(3/Setembro/2013) 

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