Número total de visualizações de páginas

sábado, 16 de março de 2013

O POETA QUE ANDAVA ATRÁS DAS PALAVRAS




NARRADORA – Era uma vez um poeta jovem que estava muito triste, porque queria escrever e não conseguia. Anda, nervoso, de um lado para o outro. Olha para um lado, e para o outro, olha para o tecto, pede inspiração às estrelas, aos rios, às fontes, aos lagos, aos animais, às montanhas…e nada! O pobre rapaz não conseguia. Já não sabia mais o que fazer para escrever coisas tão bonitas como sempre tinha escrito…e de repente…perdeu a inspiração. Ficou muito triste, e tão nervoso que tentou deitar-se e dormir, para ver se pelo menos nos sonhos encontrava palavras perdidas…mas não pregou o olho a noite toda. A tristeza do rapaz aumentava cada vez mais, porque ele queria muito escrever, e as palavras teimavam em não aparecer na sua cabeça. Vê-se ao espelho, em busca das palavras…e só se vê a ele. Mas de repente, passa uma borboleta em voo…ele olha fixamente para a borboleta, que pousa na sua almofada. O rapaz olha para ela.
RAPAZ – Olá…! Talvez tu sejas a minha salvação…borboleta. Borboleta, borboleta…óh não…não me sai nada…
BORBOLETA – O que é que estás para aí a dizer…?
RAPAZ – Não consigo escrever...quero…mas não me sai nada. Parece que as palavras fugiram todas…não sei para onde! Já as procurei em tudo quanto é sítio, onde costumava encontrá-las…mas voltei a esses sítios, e não aparece uma única.
BORBOLETA – Muda de sítios.
RAPAZ – Também já fiz isso, e não funciona. Tentei dormir, a ver se as encontrava nos sonhos, mas não consigo fechar os olhos. Por acaso não viste por aí umas palavras…?
BORBOLETA – Vi, sim…milhões e milhões por aí espalhadas a voar.
RAPAZ – Onde?
BORBOLETA – Por exemplo…agora estou a ver milhares nos teus olhos…!
RAPAZ (surpreso) – Palavras nos meus olhos?
BORBOLETA – Sim.
RAPAZ – Mas eu vi-me ao espelho, e não vi uma única palavra.
BORBOLETA – Mas eu vejo. Todas muito feias.
RAPAZ – Claro…como queres que voem palavras bonitas se estou a ficar muito triste e nervoso?
BORBOLETA – Tu precisas é de descansar. Vais ver que a qualquer momento há por aí palavras, bem bonitas.
RAPAZ – Mas como vou descansar…? A minha cabeça não pára.
BORBOLETA – Ora…deita-te! Fecha os olhos, e pede ao João Pestana que te dê soninho.
RAPAZ – Não consigo.
BORBOLETA – Pára de resmungar e descansa…amanhã é outro dia! Amanhã terás outras ideias.
RAPAZ – Ai, que nerrvoooossss…!
BORBOLETA – Deita-te e conta até dez. Respira…e não penses nas palavras que não encontras. Não penses em nada.
NARRADORA – O rapaz tenta fazer o que a borboleta diz. No inicio não consegue, mas com a magia das asas da borboleta, ele adormece e sonha…Sonha que anda atrás das palavras para os seus poemas…elas aparecem em forma de borboletas. No seu sonho, aparecem milhares de palavras diferentes, lindas, a voar felizes, diante dos olhos dele, e ele tenta apanhá-las com a rede, com as mãos, corre atrás delas, mas elas não se deixam apanhar, e pousam na sua cabeça, e ele perde-lhes o rasto. Deixa de as ver. Ele não sabe, mas elas vão ter ao seu coração. Acorda sobressaltado e grita.
RAPAZ (nervoso) – Nem nos sonhos vos consigo apanhar. (De repente ouve uma criança a rir, ele estremece) Quem está aí? (Ele procura a criança, mas não a vê. Só se ouve a rir) Uma criança aqui sozinha…? Onde está…? Eu estou a ouvi-la.
CRIANÇA (a rir) – Estou aqui!
RAPAZ – Onde…? Não te vejo!
CRIANÇA – Pois não…se me visses, conseguias escrever.
RAPAZ – O quê?
CRIANÇA – Isso mesmo.
RAPAZ – Não estou a perceber…
CRIANÇA – Tu andas atrás das palavras, certo?
RAPAZ – Sim…parece que desapareceram todas do planeta terra. Procuro-as por todo o lado…nos rios, nas montanhas…nas fontes…nas árvores, nas flores, na erva…nos animais, no vento, na chuva…em todo o lado e não vejo uma única…nem sequer nos sonhos, porque não consigo dormir. Foste tu que mas roubaste?
CRIANÇA – Eu…roubar palavras…? Nunca!
RAPAZ – Então, onde é que elas estão…?
CRIANÇA – Estão comigo.
RAPAZ – Então, tenho razão…foste tu que mas roubaste.
CRIANÇA – Não, não roubei. Tu é que as estás a prender, com tanta vontade de escrever.
RAPAZ – Como assim?
CRIANÇA – Quanto mais procuras as palavras, mais as prendes.
RAPAZ – Mas, eu tenho de as procurar, para escrever as coisas mais bonitas.
CRIANÇA – Elas fugiram todas.
RAPAZ – Porquê?
CRIANÇA – Porque tu andas atrás delas.
RAPAZ – Mas já te disse porque é que ando atrás delas…é porque quero escrever as coisas mais bonitas, e não as encontro em lado nenhum, onde as encontrava.
CRIANÇA – Quanto mais andares atrás delas, mais elas te fogem. Já experimentaste palavras novas?
RAPAZ – Isso é o que estou a tentar fazer, mas nem palavras novas encontro.
CRIANÇA – Porque estás a pressioná-las.
RAPAZ – Mas as palavras não são pessoas, para estarem a ser pressionadas.
CRIANÇA – Não são pessoas, mas vivem nas pessoas, e se estiverem presas, não saem.
RAPAZ – Como assim?
CRIANÇA – Quando as pessoas não conseguem dizer o que querem…as palavras ficam presas, é por isso que as pessoas não conseguem falar em certas alturas, nem escrever. As palavras não gostam que as prendam, ou que andem atrás delas a sufocá-las. As palavras são livres…gostam de voar soltas…gostam que toda a gente as veja, e que passeiem com elas, mas nunca que as prendam.
RAPAZ – Mas eu não estou a prendê-las.
CRIANÇA – Estás. A tua vontade de as procurar, e de as apanhar, é tão grande que elas não saem.
RAPAZ – E onde é que elas estão?
CRIANÇA – Estão comigo.
RAPAZ – Mas tu não apareceste no meu sonho onde eu corria atrás delas, e tentava apanhá-las….mas elas fugiam…e vi centenas ou milhares delas á minha frente, mas não consegui apanhar nenhuma!
CRIANÇA – Quando parares de as perseguir elas vão ter contigo. Não as prendas. Pára de falar, de resmungar, e de querer apanhá-las. Pega num bloco e numa caneta…e não penses em palavras…deixa que eu faça o resto.
RAPAZ – Mas onde estão essas palavras?
CRIANÇA – Pára de me fazer perguntas, e de querer saber onde estão as palavras novas. Cala-te e simplesmente…deixa-as livre…escreve-as apenas! Está calado e atento.
RAPAZ – Está bem.
NARRADORA – O rapaz faz o que a criança diz. Fica em silêncio, pega num bloco, e na caneta. A criança sai do seu coração, e atrás dela saem as milhares de palavras novas e lindas, que o rapaz poeta tanto procura. Os olhos do poeta brilham intensamente, e ele abre um grande sorriso, juntamente com a criança. Escreve alegremente todas as palavras que vê passar à sua frente, e sem pensar, e sem se aperceber, constrói muitos poemas lindos, diferentes dos que já tinha. Quando a criança fica cansada…
CRIANÇA – Desculpa, por agora chega. Vou descansar…mas da próxima vez que quiseres palavras novas e bonitas, diferentes…para escreveres os teus poemas…olha para o teu coração, e lá estou eu com as palavras. Só tens de as deixar sair, sem pensares nelas. Confia em mim.
RAPAZ – Está bem…obrigado. Mas quem és tu?
CRIANÇA – Sou o teu melhor lado. Sou a tua inocência, a tua simplicidade, a tua pureza, os teus sonhos, os teus medos, as tuas recordações boas e más…!  
RAPAZ – E onde vives?
CRIANÇA – No teu coração.
RAPAZ – Está bem.
CRIANÇA – Encontramo-nos por aqui…em breve.
RAPAZ (sorri) – Combinado.
NARRADORA – E desde esse dia, desse encontro com a criança, o jovem poeta voltou a escrever imensos poemas…todos lindos…como ele gostava. Sempre que precisava de palavras, olhava para o seu coração, e pedia-lhes que elas saíssem, não as prendia. A criança que ele viu, era ele próprio…em criança. Todos nós somos capazes de escrever coisas bonitas. Se não soubermos como, olhemos para o nosso coração, e peçamos à criança que fomos, para nos mostrar as palavras que nos faltam. Assim, saberemos sempre que o que escrevemos estará bem, pois vem do que temos de melhor.
FIM
Lálá
(15/Março/2013)






2 comentários:

Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras