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domingo, 21 de abril de 2024

De que são feitas as pastas, capas e mochilas?

     De que são feitas as capas, pastas e mochilas que usamos nas escolas, desde o primeiro ano? Se as capas, pastas e mochilas tivessem memória e falassem, elas diriam que são feitas de muitas coisas! 

    De certeza que se lembrariam do primeiro dia em que foram usadas por nós, diriam que guardavam os nossos medo: o choro de muitos, pelo medo do desconhecido, o medo das mudanças que íamos enfrentar, o medo do ou da professora, o medo dos coleguinhas ou de mesmo sem sabermos, não termos amiguinhos, porque éramos envergonhados, ou porque tínhamos alguma coisa diferente, por isso iam pôr-nos de lado.  

    Lembrariam  das nossas lágrimas, ou do que o nosso corpo libertava mais, com o medo, não queríamos crescer, gostávamos tanto da infância, e sabíamos que ia ser diferente.  

    Lembrariam da quantidade de livros, cadernos, lápis, canetas, marcadores, tesouras, réguas, colas, e outro material que íamos utilizar. Ansiosos por estrear e utilizar aquilo tudo. 

    Recordariam as primeiras letras que aprendemos, as imagens, os exercícios, os gritos e ralhetes dos professores, quando errávamos, ou quando algum menino se comportava mal, o medo de fazer mal, misturado com a curiosidade e a ansiedade de saber fazer. 

    Falariam nos trabalhos de casa, que não era a nossa tarefa preferida, e da nossa tristeza por muitas vezes, esses trabalhos serem a nossa prisão, que nos impedia de brincar. 

    Saberiam certamente, do nosso entusiamo quando começamos a juntar as letrinhas e a ler as primeiras palavras, a ver livros de histórias fantásticas, a folhear livros, mesmo sem saber ler, nem escrever, e inventar as nossas próprias histórias. 

    Deveriam rir à gargalhada! E daquelas crianças mais sensíveis, que choravam porque faziam mal, ou porque ficavam de castigo no intervalo, as que eram mais lentas e a professora ou professor pressionava para se despacharem, mas o medo de errar era demasiado. 

    Além de levar livros, folhas, cadernos, lápis e outros materiais, as pastas, capas e mochilas que começavam a ficar cheias, também levavam lanchinhos que comíamos a meio da manhã, num saquinho de pano, ou de tarde. Um consolo para o stresse que sentíamos muitas vezes, e medo. 

    Se elas se lembrassem e falassem, também poderiam incluir dentro delas, a nossa vontade de sair dali para fora, da alegria que era às sextas feiras, e aos fins de semana em que não tínhamos trabalhos de casa, e podíamos brincar.

    Mas não esqueceriam por vezes, o nosso medo, quando os pais vigiavam os cadernos, e livros para ver se não tínhamos trabalho de casa ou se não havia recados dos professores. 

    De certeza que não se esqueciam dos trabalhos fracos, ou mal feitos, cheios de erros, notas baixas, que nos faziam chorar, ter medo, e perder a vontade (já pouca para muitos). 

    Às vezes, as pastas, capas  e mochilas, estavam cheias de testes negativos que escondíamos, por vergonha e medo dos ralhetes. Mas essas mesmas pastas conteriam também as lembranças de brincadeiras com meninas mais próximas. 

    No recreio, os jogos coletivos, os diálogos com os professores, as queixinhas psicossomáticas, as atividades livres, os desenhos que mal ou bem, fazíamos.  Os comentários humilhantes de alguns professores, a sua falta de incentivo, a desvalorização dos pequenos passos  e conquistas, a ansiedade e o medo de falhar nos testes, que acabavam mesmo por fazer falhar.

    Lembrariam os testes negativos, que nos faziam corar de vergonha, chorar, ter reações nervosas, escondíamos ou omitíamos, tristes, mas os nossos pais encontravam e ficavam zangados, ralhavam. 

    Perdíamos a vontade de estudar, mas éramos obrigados a fazê-lo, sob pressão, contrariados, queríamos era brincar. Essas pastas, capas e mochilas, lembrariam com certeza dos amiguinhos que muitos chamavam de namoradinhos, namoradinhas, os melhores amigos, as tardes nas casas uns dos outros para brincar, a alegria que esses momentos nos traziam. 

    Arquivariam com certeza, as primeiras paixões, os amores não correspondidos, e os correspondidos, os namoricos às escondidas, de curta duração, e o «fim do mundo» que enfrentávamos quando terminavam, mas não dizíamos nada aos nossos pais. 

     As pastas lembrariam as regras demasiado duras, nas aulas, mas hoje, algumas fariam falta, porque havia respeito, mesmo à base do medo. E em casa, ainda mais. 

    Lembrariam as festinhas de fim de ano letivo ou épocas festivas na escola, a nossa vergonha ou vaidade, o nosso orgulho, o nosso nervoso disfarçado, as nossas  amizades, desilusões. 

    As fofoquices, os grupinhos que rapidamente se desfaziam, e construíam com novos elementos, o «veneno» e os ciúmes de muitas meninas, a inveja, as fantasias com os ídolos. 

    As trocas de papéis e bilhetinhos nas aulas, os jogos mais lúdicos, a vergonha nas aulas de Educação Física, a vergonha quando tínhamos de responder em voz alta, ou responder, e quando respondíamos errado, os risinhos dos sabichões, da turma toda. 

    As pastas, capas a mochilas, não esqueceriam o que aconteceu de melhor e de pior em cada ano de estudo que as usamos. Agora, que somos adultos, quando olhamos para as pastas, capas e mochilas, ainda cheias de material, pó, humidade, de estarem guardadas, é como víssemos escritas todas essas memórias, boas e más, além do material. 

    Não podemos guardar tudo, então, rasgamos papel que já não precisamos, e temos de deitar algumas capas fora porque se estragaram com o tempo, mas as lembranças, parece que as vemos lá escritas, as boas e as más, todas as que as preencheram. 

    Eram pastas, capas e mochilas, que contavam muitas histórias, eram feitas de muitas lembranças, umas que nos fazem rir, outras, nem tanto, e outras quase nos fazem chorar. 

     Só não chorámos porque já passou, fez parte do passado, e agora que somos adultos, percebemos que fomos aprendendo a não lhes dar tanto valor, aprendemos com algumas menos boas, a tornarmo-nos mais fortes, com outras a não suportar determinadas disciplinas, e a adorar outras. 

      Eram pastas, capas e mochilas cheias de sonhos para o futuro, dúvidas, fantasias, medos, incertezas, ansiedades, inseguranças, raivas, desilusões, frustrações, insónias. 

      A ideia ilusória da perfeição e de que tínhamos de ser os melhores, as competições com os outros, o terror antes dos testes e exames, a pressão que impúnhamos a nós mesmos, até prejudicarmos a saúde física  e mental. 

      O sentido de responsabilidade, os trabalhos de grupo, os colegas, os bons professores, outros, queremos esquecer, mas marcaram-nos pela «negativa». A rejeição, a baixa auto-estima pelos amores não correspondidos, e pelas notas baixas, ou auto-estima elevada para os que tinham notas excelentes e amores correspondidos. 

      O medo do fracasso, o medo de desiludir, o ser posto de lado porque se era diferente e não se seguia a maioria. As pastas, capas e mochilas, teriam muito para contar, mas tudo fica na nossa memória, ativada por elas, e fazem-nos viajar, recuar no tempo, e reviver o que parecia esquecido.

      Elas são feitas de pedaços daquilo que já fomos, e não somos mais. Outras, contêm sombras do que fomos e continuamos a ser, outras, restos daquilo que gostaríamos de ter sido. 

        Elas são feitas de uma criança, uma adolescente e uma adulta, com todas as transformações que sofremos em cada etapa, de que elas fizeram parte, connosco. 

                                                        FIM 

                                                  Lara Rocha

                                                  21/Abril/2024  

      E as vossas pastas, capas e mochilas? De que eram feitas? Eram parecidas com estas? Se quiserem podem deixar nos comentários. 

            

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