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domingo, 21 de abril de 2024

A obsessão do rapaz pianista



 Era uma vez um rapaz que estudava e tocava piano, e outros instrumentos. Era todo virado para a música, adorava o que aprendia de novo, e ensaiava horas, dias, até sair perfeito. 

Os pais sentiam um orgulho enorme, não lhe diziam diretamente, mas o próprio sentia que tinha de ser perfeito, o melhor, para que continuassem a gostar dele. 

O rapaz achava que se falhasse, os pais e todos os que o ouviam, deixariam de gostar dele, e sentiria uma enorme vergonha. 

Muitas vezes, os familiares e amigos convidavam-no para sair, distrair-se, brincar, fazer outras coisas. Umas vezes aceitava, mas os comportamentos dele, era de mexer os dedos como se estivesse a tocar piano, abanar a cabeça, e as mãos, imaginar que estava a tocar violino, enquanto conversava. 

Outras vezes, não aceitava porque tinha de ensaiar, tinha falhado uma nota, e gritava nervoso, frustrado, tinha crises de choro e ansiedade. Tremia como uma vara verde. 

Quando os pais lhe perguntavam o que tinha acontecido, gritava que tinha errado uma nota musical. 

Os pais diziam que aquele comportamento era um exagero, toda a gente falha, até os grandes músicos falharam, os artistas erram muitas vezes, mesmo assim, as palavras dos pais, acalmavam-no por pouco tempo. 

Mandavam-no parar, e fazer coisas diferentes, mas estava sempre ansioso por voltar a casa para estudar, tocar os instrumentos. 

De noite, acordava muitas vezes aos gritos, a transpirar, com o coração a bater muito rápido, falta de ar, ou a chorar. 

Os pais iam ver, e ele dizia que tinha tido um pesadelo, que tinha errado aquela nota, ou que estava num espetáculo e tinha-se esquecido da pauta toda, bloqueava. 

Os pais começaram a ficar preocupados com aquela obsessão do filho, porque só estava voltado para a música, demasiado centrado nos instrumentos musicais, no estudo da música, e andava com muitos comportamentos ansiosos, pesadelos constantes. 

Numa das grandes crises de ansiedade, em que os pais tiveram de o levar ao hospital, porque estava fora de si, só gritava, chorava, dava murros no piano, pontapés na cama, ficaram seriamente preocupados. 

Depois de o examinar, o médico disse que o rapaz estava a sofrer de grandes níveis de stresse, andava muito nervoso, muito ansioso pela obsessão com a música, e não descansava. 

Um médico perguntou-lhe: 

- Oh rapaz, porque é que não fazes as coisas que todos os rapazes da tua idade fazem? 

- Não sei, nem me interessa saber o que os outros rapazes da minha idade fazem. Só quero a minha música, os meus instrumentos, as minhas pautas, não dar erros, acertar todas as notas musicais, tocar tudo e mais alguma coisa, sem nunca falhar. 

A mãe, grita, nervosa e cansada daquela obsessão: 

- Ou fazes o que o Dr. te disser, ou sais da música! Essa tua ideia fixa está a destruir a tua saúde, e a nossa também. É isso que tu queres? Dar cabo de ti e de nós? Um rapaz da tua idade, não tem essas ideias fixas. (faz-se silêncio) Desculpe, Dr. 

- Não se preocupe. A tua mãe tem razão! 

- Eu tenho de ser o melhor! - diz o rapaz 

- Quem é que te disse? - pergunta a mãe irritada 

- Eu! 

- Para quê? - pergunta o médico 

- Para os meus pais e amigos, familiares e professores, a escola toda, sentirem orgulho em mim. 

- O quê? - perguntam os pais 

- Vamos ter orgulho nessa tua ideia fixa…? - pergunta o pai 

- Alguma vez te dissemos que tinhas que ser o melhor, se não, não sentíamos orgulho em ti? - pergunta a mãe 

- Alguma vez exigimos que nunca errasses, que fizesses sempre tudo bem, que fosses o melhor, o perfeito…? Isso não existe! - pergunta o pai 

- Achas que queremos um filho famoso? Queremos é que sejas feliz, que tenhas sucesso, claro, mas não que chegues a este ponto. - acrescenta a mãe 

- É claro que nós sentimos orgulho em ti! - diz o pai 

- E vamos sentir orgulho em ti, mesmo a falhar, mesmo a dar erros, mas não é preciso estares sempre a ensaiar, quase a enlouquecer, só porque falhaste, ou te esqueceste de alguma coisa. 

- Não percebemos nada de música, só gostamos de ouvir, por isso para nós é igual, falhares, esqueceres-te, errares...O orgulho é igual - diz a mãe 

- Ainda tens tantos anos pela frente, rapaz! Eu e todos os meus colegas erramos centenas, milhares de vezes, gostamos do fazíamos, mas havia outras coisas tão ou mais importantes do que o estudo! Havia o convívio, as festas, as brincadeiras, as namoradas, os passeios, as tunas, não era só estudar, e queríamos que os nossos pais sentissem orgulho em nós. Sabíamos que sim! E eles nunca exigiram que fossemos os melhores, nem os perfeitos. Reprovamos muitas vezes, a muitas cadeiras, mas nunca nos recriminaram por isso, sabiam muito bem como era a vida de estudantes! Fazíamos de novo, mais tarde. E os teus pais também sabem! É claro que eles sentem muito orgulho em ti, com erros, com reprovações, que servem para aprenderes, com as tuas brincadeiras com os outros, sentem orgulho em ver-te com namoradas, feliz, a sair, a descansar. A vida não é só estudo, e perfeição. Nem obsessões em ser os melhores, ainda tens muito tempo para aprender, melhorar, evoluir, mas primeiro, sê criança, sê jovem, diverte-te, não estejas sempre em casa, sempre a estudar, sempre a tocar instrumentos. Também erras porque estás sempre a fazer o mesmo, sempre a tocar, sempre a insistir, ficas com raiva quando erras, claro, a tua cabeça não aguenta! Nem a tua, nem a de ninguém. Os teus pais eram iguais a mim, com certeza! E olha como eles agora são bons profissionais! - diz o médico

Os pais sorriem. 

- É verdade! - dizem os dois 

- E continuamos a errar, a falhar, a não saber tudo, mas vamos aprendendo, melhorando. - diz o pai 

- Claro. - confirma a mãe 

- E a nossa vida de estudantes, não era ficar fechados no quarto a estudar o dia todo. É claro que sim, também íamos a festas, convivíamos, saímos, brincávamos, fazíamos parte das tunas, reprovamos em muitos testes e exames, porque a vida de estudante não era só estudar. Como hás-de aguentar? Claro que não. - reforça o pai 

- E mesmo assim, vamos sentir muito orgulho em ti, também já fomos da tua idade, estudantes como tu. 

- Isso mesmo! Vou medicar-te, e vais prometer-me que vais mudar a tua vida, que vais ser um rapaz como os da tua idade, estudar e fazer outras coisas, sem estar o dia todo a estudar. Prometes que vais reprovar algumas vezes também, e que isso não significa que és mau, só significa que és jovem, que estás a aprender, e tens possibilidade de fazer bem, a seguir a um ensaio? Prometes que vais errar e falhar, como todos os da tua idade? Prometes que vais ter as tuas saídas e namoradas? Isso traz-te novas ideias, e saúde, nova inspiração. Para que queres ser o melhor, o perfeito? Ninguém é o melhor, ninguém é perfeito, fazemos bem umas coisas, outras nem tanto, mas somos todos assim! Para quê perseguir uma ideia que não existe? Uma realidade que não passa de ficção?  Isso não existe, só te destrói e até te afasta das pessoas, o que é muito mau! - pergunta o médico 

- Prometo! - diz o menino 

- É que se não prometeres, vens para aqui, e olha que aqui não é bom! - diz o médico 

- Está bem. 

O médico medica-o, agradecem, marcam encontro para passados uns tempos, e o menino quando regressa a casa, fica deitado, em silêncio, a pensar no que o médico tinha dito. 

Vai para o piano, começa a tocar, a fraquejar, até que adormece em cima das teclas. O pai pega nele ao colo, deita-o, cobre-o, e ele continua a dormir, com a persiana mais baixada.

O menino começou a tomar a medicação, e decidiu seguir as indicações do médico. Descansou uns dias, com passeios pela natureza, a apreciar coisas que nunca tinha visto, por estar só centrado na música. Começou a dar caminhadas com os pais, feliz, e quando voltava, ensaiava mais leve. 

Passou a sair com amigos, a ir a festas, muito mais calmo, ensaiava na mesma, mas intercalava com outras atividades, ria e brincava com os amigos. 

Como um rapaz da idade dele, teve amizades coloridas e namoricos, quando errava, voltava a ensaiar, mais calmo, ria de si próprio, e como estava mais inspirado, até criou novas letras de músicas, que compôs com a ajuda dos professores. 

Era um rapaz muito diferente do que estava obessecado em ser o melhor, em fazer tudo perfeito, porque ficou a saber que os pais sentiam muito orgulho nele, mesmo com o que ele achava imperfeito ou errado. 

Deixou de ter pesadelos, e tanta ansiedade, deixou de ser obessecado pela perfeição, sempre com o apoio dos pais, dos amigos, dos professores, e do médico que o acompanhava constantemente, também muito feliz pela mudança. 

O rapaz partilhava com o médico as coisas novas que fazia, e o médico elogiava-o, incentivava-o a continuar, mas com regra, sem pressão, e na brincadeira. 


                                                FIM 

                                           Lara Rocha 

                                          (20/Abril/2024) 


Qual é, (ou quais são as vossas) obsessões? 

Como é que elas vos fizeram ou ainda fazem sentir? 

Como lidam com elas? 

Se quiserem, podem deixar nos comentários. 

                                        


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