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sábado, 11 de fevereiro de 2023

O rapaz do quadro

 

    Era uma vez um artista que pintou um rapaz num quadro, e deixou numa galeria de arte para exposição.       
    O rapaz era muito bonito, e estava enquadrado numa paisagem igualmente fantástica, que despertava a imaginação de quem via, e conseguia ir para esse lugar.       Um dia uma rapariga foi visitar essa exposição, e parou os seus olhos nesse quadro.            
     Olhou fixamente para ele, e o rapaz corou de vergonha, pensou para si: 

- Uau! Uma rapariga tão bonita aqui, a olhar para mim, 

- O quadro muda de cor? O rapaz está corado! Muito bonito...! - repara a rapariga

- Quem, eu ou o quadro? 

   Ela olha em volta, não vê ninguém. 

- Deve ser a minha imaginação, estou a ouvir alguém a falar. 

- Sou eu! - responde o rapaz 

- Quem? 

- Eu...aqui no quadro! 

- Como é que pode ser? 

- Sim, eu estou a falar contigo. Porque estás a olhar para mim, dessa maneira? 

- Ora, tu és um quadro, é para seres apreciado, repara-se em todos os pormenores. Está muito bonito este quadro. É aí que tu moras? 

- É. E tu moras aqui, também? Nunca te vi. 

- Não, eu moro noutra casa, só vim ver as obras de arte. Quem te pintou, teve gosto, és muito bonito. 

- Obrigado. Tu também.

        Ela sorri.

- Um quadro a dizer que sou bonita. Deve estar alguém por trás a falar. 

- Não, sou eu mesmo! 

        Ela ri. 

- Como te chamas? 

- O que é isso? 

- Qual é o teu nome? 

- Não sei! 

- Como não sabes? 

- Não. Quem me pintou é que devia saber, mas não me disse. E tu? 

- Chamo-me Clara. 

- Áh...Clara...muito gosto! E então gostas deste quadro? 

- Gosto! 

- Boa. Quem me pintou vai ficar feliz. Gostavas de conhecer o sítio onde moro? 

- Gostava, mas isso só acontece na minha imaginação, ao olhar para o quadro. 

- Eu gosto deste sítio, mas também gostava de conhecer a tua cidade, acho que não consigo sair daqui. 

- Experimenta! 

      O rapaz do quadro faz várias tentativas, mas não sai. 

- Óh, não consigo. 

- Era o que eu esperava! - diz a rapariga 

    A rapariga ouve no anuncio que a galeria vai fechar dentro de poucos minutos. Ela tira uma foto ao quadro. 

- Que pena! Vou ver se volto amanhã, está bem? - diz ela 

- Está bem. - diz ele 

- Até amanhã! 

- Até amanhã e obrigada pela visita. 

- De nada.

     A rapariga vai para casa, e o quadro fica na galeria. Ela olha para a foto várias vezes: 

- Devia ser mesmo eu a imaginar que ele falava comigo. Era tão giro, nunca vi nenhum rapaz assim. E lembrou-se de pedir um desejo às estrelas: 

- Queridas estrelas...peço-vos um desejo...por favor, transportem o rapaz do quadro, para a realidade! Obrigada. 

  Ri à gargalhada do que estava a dizer. Olha mais uma vez para o quadro, e adormece. Sonha que o rapaz do quadro aparece no quarto dela, sorridente, envergonhado, no início, e os dois visitam o lugar pintado no quadro, depois a área principal da cidade dela, e os pontos mais bonitos. 

    Sonha que passeiam de mãos dadas, conversam, riem, e vão para a praia, onde se olham fixamente, e vivem um romance. Parece real, mas de repente ele desaparece da praia, e volta a aparecer no quadro. 

    Acorda e está na sua cama, tudo igual, olha para a fotografia do quadro e está lá o rapaz, calado, na mesma posição. 

- Como é, estrelas? Eu pedi para este rapaz ser real...depois de um sonho tão bom, ele desaparece, acordo, e está tudo na mesma?! Não é justo. Eu quero que realizem esse desejo. 

     Volta a dormir, zangada por não ser real, e no dia seguinte volta à galeria, para contar os sonhos ao rapaz. O rapaz ri à gargalhada, e ela sugere que ele peça o mesmo desejo às estrelas. Ele prometeu que faria isso, mas na verdade, ri-se sozinho durante muito tempo, e não pediu nada às estrelas. 

- Era só o que faltava. Nem a conheço! Gostei da cara dela, como gostei de outras caras que vi por aqui, mas não posso sair daqui, nem quero namoradas. 

     A rapariga volta a pedir esse desejo às estrelas, volta a sonhar que vive um romance com o rapaz do quadro, acorda e tudo na mesma. 

    Mais uma vez ela ralha com as estrelas por não lhe realizarem o desejo. 

  Ela olha dezenas de vezes para o quadro, para o rapaz, suspira a sorrir, e diz: 

- Tu hás-de ser meu! - e ri

   Volta à galeria, conta o novo sonho que teve, e ele ri à gargalhada. 

- Óh Clara, desculpa a minha sinceridade, mas tu não deves estar bem da cabecinha, pois não? 

- Óh, porque dizes isso? 

- Alguma vez ia ser possível termos algum encontro cara a cara, quando não sou como tu? Eu sou só um rapaz numa pintura! 

- E o que é que isso tem? As estrelas realizam os nossos desejos... eu pedi às estrelas, para nos encontrarmos assim, cara a cara, contigo fora do quadro, e aqueles sonhos que tive contigo... 

- São apenas sonhos, são apenas estrelas que estão lá em cima! Achas mesmo que elas têm esse poder? Claro que não. Isso é fantasia. Com a tua idade, ainda acreditas nisso? 

- O que é que me estás a chamar? Adulta? 

- Sim, és quase adulta, já devias saber distinguir a realidade da ficção! Os sonhos da realidade! Eu faço parte da tua fantasia, e da de quem me vê, não da vossa realidade. 

- Porque é que estás a ser tão frio comigo? 

- O que é isso, ser frio? O quadro não tem neve... 

- As coisas que me estás a dizer, são frias! Estás a deixar-me triste, desiludida e magoada. 

- Desculpa! Mas são a realidade! Tira isso da tua cabeça, nunca vai haver nada entre nós. Achei-te bonita, sim, como achei bonitas muitas outras caras que passaram por aqui, mas não falaram comigo, nem eu com elas, porque sabem que eu sou apenas uma pintura. Ouvi dizer que sou bonito e tal, mas não saio daqui. Nunca nenhuma apreciadora do quadro disse que ia pedir às estrelas o desejo de eu sair daqui e termos alguma coisa um com o outro. 

- Mas tu tens namorada, é isso? 

- Não! Mas sou uma pintura, que vive neste quadro, nesta paisagem, com a família, aqueles que estão por aí espalhados, mas o pintor é que sabe. 

- Mas eu quero conhecer-te, quero que sejas o meu amor eterno! 

- É impossível. É tudo imaginação da tua cabeça. 

- Não é nada. Eu sei que é real, tu mexes comigo! 

- Eu, mexo contigo? Estou aqui tão quietinho, na posição em que o pintor me pintou, temos a tela a separar-nos, como é que nos havemos de conhecer? Não vais namorar com um quadro. Ainda és tão nova, ainda vais conhecer certamente muitos rapazes que te vão agradar e fazer feliz. 

- Como é que sabes? 

- Porque tenho olhos na cara, e vejo caras bonitas, mas não tenho nada com elas. Tu és bonita, mas não quer dizer nada! É só um elogio de um rapaz pintado num quadro...Eu não sou real como tu, e como todos os que me visitam. 

- Não pediste às estrelas o mesmo desejo que eu? 

- Não! 

- Mentiste-me...! 

- Porque não acredito nisso, e porque sei que é impossível. Vocês aí fora, também não namoram com a primeira cara bonita que veem, pois não? 

- Não, primeiro somos amigos, ou curtimos, e se der certo, namoramos, se não, continuamos amigos ou acabamos e nunca mais nos falamos. 

- Vocês tem o direito de acreditar que as estrelas realizam os vossos desejos, mas como viste agora, não realizam, tu só sonhaste, só imaginaste que tínhamos um caso romântico, mas foi só isso...um sonho, não a realidade! 

- Pensei que só os rapazes humanos é que eram maus, afinal até os rapazes pintados são maus. Partiste-me o coração! 

- Sempre ouvi dizer que o amor e o romance não nascem assim. Quando acontecem, são puros, há muita coisa à volta, para ser explorado, como nos quadros que vês! 

- Tu pareces uma pessoa a falar. 

- Mas sou uma pintura! Tu sabes que é impossível, e que tudo não passou de um sonho, um desejo, o que quiseres chamar. Mesmo que eu fosse humano como tu, nunca aconteceria nada entre nós, por nos virmos 2 vezes, de fugida. 

- És romântico como pintura? 

- Não sei. O pintor é que pode dizer, mas acho que sim, pelo que ele ia murmurando...ele desabafava comigo, enquanto me pintava, e o que eu disse, ouvi dele. 

- Eu gosto de ti, quero-te para mim, só para mim, e vou ter-te! 

        Ele dá uma gargalhada: 

- Continua a sonhar...depois ficas triste! Podes ter com outro rapaz, como tu, não com uma pintura. 

- Óh, mas eu quero-te a ti, pintura tão linda, tão perfeita! Não existe nenhum rapaz assim, no real.

        Ele ri: 

- Tens cada uma! Olha mas é para os rapazes reais, que é quem mereces. E será muito melhor do que eu. Nem sequer me podes tocar, como vamos ter alguma relação? 

- Isso arranjava-se. Se as estrelas realizarem o meu desejo. 

- Elas disseram-me que não iam realizar o teu desejo! 

- Disseram? 

- Disseram, aqui na minha aldeia. 

- Mas, porquê? 

- Já sabes porquê! 

- E não ficaste triste ? 

- Não! Nem tu tens de ficar triste, porque eu não sou real, poderias ficar triste, se eu fosse real, mas não sou. 

- Mentirosas… 

- Quem? 

- As estrelas. 

- Deixa-as em paz! Elas estão tão lá em cima, pertencem à noite, não à realização de desejos. 

- Óh, não gosto disso. 

- Mas é a realidade, é o mundo onde tu vives, diferente do meu, só podes ter uma relação com alguém da tua espécie, não com uma pintura! 

- E agora como é que eu fico? 

- Vais ficar bem, é só lembrares-te de que sou uma pintura, e tu és uma menina, de carne e osso, não é possível acontecer alguma coisa entre nós. 

- Mas dói! 

- Dói o quê? 

- O meu coração partido. 

- O vosso coração é partido? 

- Fica partido, quando ficamos tristes. 

- Claro, o meu também, mas ele volta a construir-se! 

- Estou mesmo triste, acho que esta tristeza nunca vai desaparecer. 

- Que exagero, Clara! Claro que vai desaparecer. 

- Que desilusão! 

- Eu sei, desculpa, mas não posso fazer nada para te ajudar. 

- Como é que eu agora vou esquecer-te? 

- Ora, esquecendo-me! Basta lembrares-te que sou uma pintura, e que nada vai haver entre nós. 

  Clara desata num choro intenso, bate no vidro do quadro, nervosa: 

 - Óh… então? Comporta-te, olha toda a gente a olhar para ti e para mim. 

       Um funcionário vai ter com Clara, agarra-a: 

- Menina, está doida? Não pode fazer isso aos quadros que aqui estão. Os quadros podem mexer com as suas emoções, mas não precisa de exagerar. 

- Eu estou apaixonada por ele! E ele partiu-me o coração, disse que não estava apaixonado por mim, e que o nosso amor nunca ia acontecer. Acha bem? 

- Claro, ele tem toda a razão, menina! Não pode namorar com uma imagem de uma pintura, por muito bonita que a ache. É tudo da sua imaginação. Vá, venha ver o resto dos quadros… 

- Isto não vai ficar assim. - ameaça a rapariga 

 O funcionário ri-se discretamente, o rapaz do quadro fica triste, mas ao mesmo suspira de alívio. 

  O funcionário leva-a a passear, ver os outros quadros, ela acalma, para de chorar, distrai-se com outras imagens bonitas, e ouve as histórias de cada um, contadas pelos funcionários. Fica deliciada. 

      Ainda sonha muitas noites a seguir, com o rapaz do quadro, e chora como se fosse um amor real, mas rapidamente percebeu que ele tinha razão. 

    Até conheceu um rapaz verdadeiro, com quem construiu uma linda amizade. Foram os dois ver os quadros, e ela sorri para o rapaz do quadro que desejava. 

- Áh! Vês? Eu disse…! Boa, muitas felicidades. - diz o rapaz da pintura orgulhoso e feliz 

   Ela desfila com o novo amigo, e o rapaz da pintura aplaude, ela pisca-lhe o olho, aproxima-se do quadro do rapaz, e sussurra-lhe ao ouvido: 

- Tinhas razão. Obrigada! É meu amigo. 

- Já vi que sim, nem imaginas como fico feliz por ti! Mesmo assim, vou estar sempre aqui, para o que precisares. - diz o rapaz do quadro a sorrir 

- Sim, sim...acredito! Como acredito que as estrelas realizam desejos, aquele desejo que eu pedi. Mas obrigada, se precisar venho falar contigo. 

   Ela volta a juntar-se ao amigo real, e o rapaz do quadro fica pensativo, mas logo a seguir dá umas boas gargalhadas, ao lembrar-se do desejo da rapariga, e do que lhe disse. 

- Deve achar que me ofendeu…Tem muito que crescer e conhecer pessoas como ela! Mas já é um bom principio - diz o rapaz da pintura a rir à gargalhada 

   A Clara não voltou à galeria, conheceu mesmo um rapaz que começou por ser amigo, durante vários meses, e depois namorado. 

 As ilusões ajudam-nos a crescer, desde que não se tornem obsessões, e que não as alimentemos demasiado tempo. 

  O amor não nasce, como quem olha para uma pintura bonita, pois no interior de cada pessoa é que está toda a história do pintor, e a tela fica mais ou menos bonita. 

 O amor é uma tela em constante construção, começa pelo esboço (atração, agrada aos olhos), passa para um desenho mais elaborado, que exige vários ou muitos rascunhos (amizade), apagar, refazer, (conhecer, aceitar e respeitar as qualidades e defeitos), voltar a desenhar até sair aproximado (comunicação, companheirismo, compreensão, carinho, respeito), sem nunca ser «perfeito» (porque perfeição não existe). 

  O amor é uma tela cheia de sonhos, histórias, magias, truques, cores, montagens, salpicos, erros, correções, mudanças, ajustes, várias camadas. 

   O amor é uma contínua descoberta, com sorrisos, lágrimas, zangas, pazes, e muito mais do que uma cara atraente, ou um corpo escultural. 

    Mas se o pintor gosta do seu trabalho, o resultado final, e o tempo que demora a construir, vale a pena. 

                                            FIM 

                                   Lara Rocha                                                                                        11/Fevereiro/2023 







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