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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Socorro...eles querem entrar

 


        























       Era uma vez uma menina chamada Gágá, que vivia na cidade, com os pais. Às vezes os pais não deixavam as janelas totalmente fechadas até se deitarem, para a Gágá não ter medo, e fechavam silenciosamente quando ela estava mesmo a dormir. 

   Quando o João Pestana se enganava no saquinho, ou queria brincar, ter companhia, em vez de pó de soninho com bons sonhos, soltava pó de soninho com pesadelos. 

     Nessas noites, a Gágá e muitos outros meninos tinham pesadelos, em vez de bons sonhos. Acordava aos gritos, aos pontapés, aos murros, a chorar e a gritar, com o coração aos saltos, e a soar, parecia que nem conseguia respirar. Gritava pelos pais. 

   Que alívio quando os pais iam ao quarto assutados com os barulhos da Gágá e acendiam a luz! Perguntavam-lhe o que se passavam, mas ela, umas vezes não sabia dizer, outras vezes lembrava-se que era um mau sonho, e contava todos os pormenores. 

        A mãe respondia-lhe: 

- Foi o João Pestana que se enganou no saquinho! 

- Tu viste, mamã? 

- Não, mas já sei que isso às vezes acontece! Ele às vezes também fazia isso comigo, quando eu era da tua idade, diz a tua Avó, não me lembro. 

- Eu não gosto que ele se engane no saquinho. Da próxima vez vou ralhar com ele! Eu não sabia que ele tinha dois saquinhos de soninho diferentes. - diz Gágá 

- Não! Tem o saquinho do sono com sonhos bons, e tem o saquinho do sono com sonhos maus. - diz a mãe 

- E porque é que ele manda soninho com sonhos maus? Isso não se faz. 

- Para os adultos também manda os dois tipos de soninho. 

- Ai é? 

- É. 

     Como não conseguia voltar a adormecer, os pais levavam-na para a sua cama e quando adormecia voltavam a pô-la na sua cama. Os pais sabiam que eram pesadelos, dos medos que a filha sentia, comuns a todas as crianças da mesma idade. 

    À medida que foi crescendo, os pais mostravam-lhe que estava no quarto dela, na cama dela, e que era tudo da sua imaginação. Os sonhos bons e os sonhos maus eram como se fossem as histórias que ele ouve, no colégio e em casa, mas estas são contadas pela cabecinha dela, e não por educadoras, pelos pais, e pelos avós. 

    Garantiam-lhe que estava tudo bem, que não havia nada no quarto além dela, do boneco com quem dormia. e dos móveis com os brinquedos, livros, cadeira, mesa. 

- Tens a certeza? - perguntava a Gágá 

- Absoluta! - confirmava a mãe 

- Fecha os olhinhos, agora vais ter sonhos bons! - diz o pai 

- É! O pai já mandou mensagem ao João Pestana para ele trazer pozinho com sonhos bons. 

- Ai foi? Tu viste-o, Papá? 

- Não, mas eu tenho o número de telemóvel dele, e às vezes ligo-lhe, quando ele se atrasa a mandar o saquinho do pozinho. 

- Áh! Ele também vos manda saquinhos de sono? 

- Claro! - dizem os pais 

- Vá! Deita-te outra vez e dorme! Vais ver que agora o teu sonho vai ser mágico. 

- Está bem! - diz a Gágá, convencido com o que os pais lhe disseram, e mais sossegada. 

   Beijam-na, abraçam-na e ela volta a dormir sossegada. A Gágá tinha medo do escuro, mas foi perdendo esse medo quando os pais lhe diziam isso, e quando brincaram com ela ao claro e ao escuro, ao silêncio e ao barulho, para ela conhecer os barulhos típicos que existiam no quarto e na rua. 

    A própria Gágá quando tinha pesadelos acordava muito assustada, mas os pais ensinaram-lhe um truque mágico: acender a luz da mesinha de cabeceira, ver que estava tudo na mesma, e lembrar-se que era mais uma história inventada pela sua cabecinha, como as que ouvia no colégio, pelos pais e Avós, porque não via nada. 

     Nem precisava de ver. Os olhos queriam descansar do dia para o outro que seria cheio de atividades umas mais divertidas do que outras, mas precisavam de ficar um bocadinho no escuro. 

      Já não gritava pelos pais, nem ia para a cama deles, ralhava com o João Pestana: 

- Outra vez, João Pestana? O saquinho errado? Que chatice! Vê lá se estás mais atento, que eu não gosto nada deste sono. Tu és muito chato! Porque é que fazes isso connosco? (espera um bocadinho) O quê? Queres brincar? Mas não são horas de brincar, para isso trazias o saquinho do soninho bom  mais tarde. Ai fazes isso porque sentes-te sozinho? Que aldrabão…! Eu não quero brincar contigo. Vai-te embora, e deixa aqui o saquinho do soninho com sonhos bons. 

     Apagava a luz, abraçava-se ao seu boneco, e voltava a dormir sossegada. De manhã, contava aos pais, orgulhosa, que o João Pestana tinha-se enganado outra vez no saquinho, ela teve um sonho mau, acendeu a luz, estava tudo na mesma, e pedia ao Pai para ralhar com o João Pestana. 

      Ela dizia que tinha ralhado com ele, mas ele riu-se dela, podia ser que se fosse o Pai a ralhar, ele obedecesse e trouxesse o saquinho do soninho com sonhos bons. 

     O Pai prometeu que ia fazer isso, que ela tinha toda a razão! Além disso, davam-lhe os parabéns por ela acender a luz, e lembrar-se que era mais uma história da cabeça dela. Estava tudo igual quando acendeu a luz. 

     Um dia quente de Verão, a Gágá estava feliz, porque ia passar o fim de semana com os pais, na casa dos Avós, nos arredores da cidade onde vive. 

     Ela adora ir para lá, tem muito espaço, ouve os passarinhos, corre atrás deles, passeia pelos campos numa conversa muito animada com os Avós, a contar todas as novidades. 

     Brinca com o boneco e mais alguns brinquedos, ajuda os Avós e os Pais a apanhar fruta do chão, castanhas, nozes, laranjas, maçãs, corre pelo espaço todo, toma banho na piscina. 

     Parece que fica ligada à tomada, salta, brinca, só para para comer e dormir a sesta. O pior...foi à noite, quando os pais pensaram que ela ia dormir sossegada, como geralmente acontecia, tirando as noites em que estava doente, ou tinha pesadelos. 

     O quarto dela ficava entre o dos pais e o dos Avós, mas ela foi a primeira a deitar-se, os adultos ainda ficaram na cozinha. Era voltado para o jardim, onde havia árvores. 

    Como estava calor, os pais não fecharam totalmente as portadas das janelas, só as de vidro, para a Gágá não ter medo. Era um espaço quase novo para ela, porque só lá tinha estado quando era mais pequenina, mas não se lembrava.

     Quando os Pais apagaram a luz do quarto, a Gágá olha em volta, e com as luzes de fora, da rua acesas, não estava tudo escuro. Apesar de estar muito calor nessa noite, havia vento forte, que sacudia as árvores, assobiava nas janelas e fazia as pontas dos troncos, os galhos, e as folhas que estavam muito próximas da janela, bater nos vidros. 

   A Gágá pensou que estavam a gritar ou que eram vozes de bruxinhas a rir, a construir feitiços, ou a assustá-la. As sombras nos vidros a abanar com o vento, e os assobios pareciam pequeninas garrinhas e bracinhos a bater no vidro, a arranhá-los. 

     Criaturas quase sem forma que o medo dela, inventou mais uma história....na sua cabecinha, eram monstrinhos noturnos que gritavam, e batiam na janela para entrar e fazer mal. 

      O seu coração quase saía pela boca, e os olhos pareciam saltar de órbita. Nesse momento esqueceu tudo o que tinha aprendido na cidade e já conseguia fazer. 

   Desta vez, com os estalos no vento, que ela ouvia de forma diferente na cidade, os assobios, os galhos a bater na janela, que formavam sombras parecidas com  garras, estes barulhos eram totalmente estranhos e desconhecidos para ela, por isso eram tão assustadores. 

   Acreditou que fossem mesmo monstrinhos, saiu da cama aos gritos, a chorar, e a correr pelo corredor fora, até à cozinha. Os pais e os Avós até se assustaram. 

- O que foi, filha? - pergunta a Avó 

- Avó, Avô, Mãe, Pai...há gritos no meu quarto, guinchinhos, acho que são bruxinhas e monstrinhos que estão a bater com os bracinhos e garrinhas, na janela, querem entrar para me fazer mal. Socorro! 

- Já estavas a dormir? - pergunta o pai 

- Não. Não consigo, com aqueles gritos, guinchinhos, e sapatadinhas nas janelas. Estão a arranhar os vidros, e a olhar para mim. Não quero que eles entrem, eu não sei como são, se calhar só têm braços, ou são feitos de paus...venham lá ver. 

     Os adultos desatam às gargalhadas, porque já perceberam que é a menina aterrorizada, está a imaginar coisas, como não é o seu quarto, ela está a estranhar. 

    Vão todos com ela, acendem a luz, e ouvem o que a Gágá acha que são os guinchinhos, gritos ou assobios. Olham para a janela e veem que são os galhos das árvores a abanar, e o vento forte que assobia. 

- Vês alguma coisa agora, Gágá? - pergunta a Avó 

- Vejo! 

- Ouves alguma coisa agora, Gágá? - pergunta a Mãe 

- Ouço! 

- O que é que tu costumas fazer quando tens medo, no teu quarto? - pergunta o pai

        A menina conta as estratégias. 

- Então, porque é que estás com medo, aqui? - pergunta o Avô 

- Nunca vi, nem ouvi isto na cidade! - explica Gágá 

- É mais uma história inventada pela tua cabecinha, como aquelas que ouves no colégio, ou as que te lemos. - assegura a  Mãe 

- Não são guinchinhos, nem gritinhos, nem bruxinhas ou monstrinhos, a bater na janela para entrar. - explica a Avó 

- Então o que são? Olha para aquilo e ouve isto! Mete muito medo! - diz Gágá 

- Está tudo lá fora! Aqui no quarto não há nada! - diz o Avô 

- É o vento, filha! Tu não tens vento, na nossa cidade e na nossa casa? - pergunta a mãe 

- Sim! Mas eu não o ouço assim, nem vejo aquelas criaturas a bater na janela. - responde Gágá 

- Porque na cidade, vives num sítio mais alto, tens muitas casas à tua volta e à tua frente, as janelas têm outras proteções, existem barulhos diferentes, à tua volta. Na cidade tens carros, aqui não. Cães, temos aqui e tu tens na cidade, aqui não tens prédios, nem outras casas, tens árvores e vento a abaná-las! Queres ver? - explica o Avô 

        O Avô abre as janelas. 

- Avô, cuidado, vais deixar entrar os monstrinhos-? - diz Gágá aterrorizada 

        Todos dão uma gargalhada. 

- Anda ver os monstrinhos que tu disseste - convida o Avô

        O Avô pega nela ao colo, com a janela aberta e ela sente o vento quente. Vê as árvores a abanar, muito próximo da janela e deles. 

- Ouves agora os guinchos? - pergunta a mãe 

- Não!

- Pois não, porque as janelas estão abertas, mas vês as árvores a abanar, não vês? - pergunta o Avô 

- Sim! - responde Gágá 

- Agora a Avó vai apagar a luz para tu veres a diferença... 

(A Avó apaga a luz) 

- Estamos aqui todos no escuro. Vês os monstrinhos que dizias? - pergunta o Avô

        Gágá olha em volta: 

- Não! 

- Ouves os guinchinhos que dizias? - pergunta o Avô 

- Não! 

- Mas ouves o vento? 

- Sim, muito forte, é ele que faz este barulho? 

- É. A passar entre os pinheiros, e as árvores que estão no jardim. Vês? - aponta o Avô 

- Áh! Elas estão a cair. - diz Gágá assustada 

- Não estão nada, nem vão cair. Elas aguentam, como as da tua cidade que também abanam assim de certeza, e o vento faz este barulho ou maior, tu é que não vês, nem ouves, porque estão mais desviadas, estás com as janelas fechadas, que estão mais isoladas contra barulhos, para não entrar frio nem calor... 

- É verdade! - confirmam os pais

- É um barulho muito agradável - diz a Avó 

- Verdade! - dizem todos 

- Agora, o Avô vai fechar as janelas, no escuro, para tu veres se são os monstrinhos ou se são os galhos, os troncos e as folhas a bater nas janelas. - sugere o Avô 

        O Avô fecha a janela, no escuro. 

- Lá estão eles...olha...e os guinchos! - diz a Gágá 

- Não! É tudo o que viste e ouviste com a janela aberta, mas agora, com a janela fechada, vês as coisas de maneira diferente, e ouves os sons de forma diferente! - explica o Avô 

- Estás em segurança! Está tudo bem. - garante a Avó 

- Vocês não têm medo? - pergunta Gágá 

- Não! - respondem todos 

- É mais uma história contada pela tua cabecinha mas não é verdadeira. - diz a Avó 

- Nós estamos na cozinha, vais voltar para a tua caminha, e vais dormir com o teu amigo, que está ali à tua espera. Vais dormir bem, está bem?  diz o Avô 

- Acreditas nos Avós, e nos Pais, não acreditas? - pergunta a Avó 

- Acredito! - diz Gágá 

- Então, acreditas que estás num quarto seguro, onde os barulhos estão lá fora. Na tua cidade, no teu quarto, também estás na tua cama, e ouves barulhos que já sabes que estão fora da janela, não é verdade? - pergunta a Mãe 

- Sim, é verdade! 

- O Pai vai ligar ao João Pestana, para ele trazer o saquinho correto, o do sono, com sonhos bons! - diz o Pai 

- Está bem. - responde a Gágá 

- Nós também ouvimos e vemos isto tudo nos nossos quartos, e não temos medo, até gostamos de ver e ouvir estes barulhos. - diz a Avó 

- A sério? - pergunta Gágá 

- A sério! - respondem todos 

        A Gágá fica mais descansada. A Avó acende a luz, o Avô deita-a, cobre-a, os Avós e os Pais abraçam-na e beijam-na. 

- Boa noite, meu amor! - diz a mãe 

- Boa noite, corajosa! - diz o pai 

- Boa noite, boneca! - diz o Avô 

- Boa noite, princesa! - diz a Avó 

- Boa noite! - responde Gágá, com um sorriso. 

        A Gagá adormece, mal os Avós apagam a luz, e dorme a noite toda até ao dia seguinte. 

                                            FIM 

                                         Lara Rocha 

                                        31/Janeiro/2023 


Para os Adultos: 

     Ela estava num  lugar desconhecido! Não era o quarto dela, não conhecia os barulhos daquele quarto, que eram diferentes dos que ela ouvia no quarto da cidade. 

     O escuro transforma o espaço, aumenta as sombras, em conjunto com a imaginação das crianças, desperta reações de medo. É muito importante que os Adultos (pais e Avós) transmitam segurança, com recurso à imaginação / fantasia. 

    O medo do desconhecido é normal (tanto nas crianças como nos adultos), não deve ser demasiado a sério, mas é bom mostrar à criança, antes de dormir num espaço diferente do dela, habitual, que o espaço é seguro, e os pais estão lá. Não há nada de assustador, e se sentem medo, é uma história que a sua cabecinha inventou, ou o João Pestana enganou-se no saquinho do sono. 

     Dizer à criança que é muito mais corajosa do que as histórias que o escuro conta, ou a cabecinha dela (os medos irracionais), brincar com os medos, desafiar a imaginação da criança na exteriorização dos seus medos, «materializá-los», dar-lhes forma, pode ser em plasticina, desenho, ou bonecos, incentivar a criança a inventar diálogos, onde é o super herói que mostra ao medo do escuro e do desconhecido quem manda. 

 


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