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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Obrigada querida almofada

   Era uma vez uma menina que recebeu uma almofada nova no Natal. Ela adorava a que tinha, desde a sua adolescência: uma almofada fofa, não muito grande, macia, com um enchimento trocado várias vezes, porque foi ficando achatada. 

    Como a menina tinha muitas alergias, o médico recomendou que trocasse de almofada, especial, anti alérgica, com um material diferente. 

    Ficou com pena de a trocar, mas pela sua saúde aceitou. A mãe e o Pai ofereceram-lhe uma almofada como devia ser, e era igualmente confortável. 

    A menina guardou a sua antiga almofada no armário, pediu à sua mãe que não a deitasse fora, nem a desse. A mãe respeitou a vontade dela, mas aconselhou a embrulhá-la num saco transparente, com fita cola para não apanhar mais pó. 

    A menina concordou. Embalou a almofada, fechou-a com fita cola, carinhosamente, e escaparam-lhe umas lagriminhas. Ela olha com pena para a almofada, abraça-a, e diz-lhe baixinho a chorar: 

- Óh minha querida almofada! Como eu gostava de ti, e vou continuar a gostar. Tu vais continuar comigo. Como é bom estar abraçada a ti, como fiz estes anos todos. Abracei-me a ti, sempre que as coisas na escola não correram bem. Abracei-me a ti, sempre que sofri as desilusões amorosas, os desgostos, os amores não correspondidos, as traições das que achava que eram as minhas melhores amigas. Tantas vezes que deitei a minha cabeça sobre ti, para chorar, abracei-te e tu acolheste as minhas lágrimas, reconfortaste-me com a tua maciez. Os sonhos, as fantasias, os meus medos, que te contava como se fosses alguém, pelo menos não me magoavas com palavras, ou comentários menos simpáticos, desconfio que os ouvias e que os tornavas realidade enquanto eu dormia, nos sonhos claro, ou na minha imaginação enquanto estava de olhos abertos a imaginar, a sorri, ou a relembrar o dia, a rir, a chorar, ou mais ou menos. Foi tão bom, deitar a cabeça sobre ti, e sonhar, fantasiar, fingir que tinha namorado, e que era feliz com ele, que conversava com ele, que o abraçava. Nunca aconteceu, até acho que consigo ouvir as tuas gargalhadas, se fosses uma pessoa, ao ouvir as minhas infantilidades...eram...vontades ou ensaios para perceber se queria que acontecesse. Sim, na altura queria, pois, agora, ponho muitas reticências a esse querer. Fantasias e sonhos minhas, e de toda a gente...porque as minhas amigas falavam disso, e eram parecidas com as minhas, todas riamos, todas imaginávamos, todas fantasiávamos...todos passam por elas. Não cabiam duas cabeças em cima de ti, acho eu. Ou caberiam? Talvez. Foste tu, depois de eu às vezes acordar os meus pais, que me curaste quando tinha de ficar na cama, e aguentaste os meus pesadelos que se dispensava, mas fazem parte. Se calhar até eras tu que contavas histórias para eu adormecer, ou para me sentir, eu imaginava as tuas respostas, quando tinha longas conversas contigo, que não as partilhava com mais ninguém. Acho que tu até as sabias, mesmo sem eu falar, quando recebias as minhas lágrimas, e ouvias as minhas tristezas. Até nas noites em que praticamente não pregava olho, ou por causa das alergias, ou por causa dos medos, da ansiedade, da tristeza, eu gostava de estar deitada na tua maciez, e tentava acalmar, mas não conseguia. Foi com a cabeça deitada sobre ti, que pensei sobre o curso a tirar, cheia de dúvidas, expectativas, inseguranças, dividida entre os gostos e a realidade. Foi com a cabeça deitada sobre ti, ou abraçada a ti que rezei por mim, pelos meus familiares, que descansei ou dormi a sesta. Foste tu que aguentaste as minhas costas quando lia sentada na cama. Como é bom abraçar-te! Gostava tanto de ti, talvez me fizesses lembrar a infância, por seres pequenita, comparada com esta que recebi hoje. Continuas a ser maravilhosa. Gratidão, querida almofada, gratidão, gratidão, gratidão, por todos estes anos de conforto, companhia e confidência, por todos os momentos que passámos juntas. Eu queria continuar contigo, desculpa, mas as alergias obrigam-me a trocar de almofada. Foste trocada, mas não serás esquecida. Estás mesmo aqui ao lado, e sempre que tiver saudades, ou...todos os dias vou dar-te um abraço. Fica prometido! E vou continuar a falar contigo, às escondidas, claro, para não pensarem que estou com algum problema. 

    Dá mais um longo abraço à almofada antiga, deseja-lhe boa noite, coloca-a no armário, e deita-se com a nova almofada a quem se habitua rapidamente, pois é também muito confortável, e é pela sua saúde. 

    Mas como prometeu, todos os dias vai ao armário abraçar a almofada, umas vezes um abraço rápido, outras vezes mais demorado, sorridente. 

    Algumas vezes fala com ela, como se tivesse uma criança ao colo, ri, conta o que sonhou, quando vai ao armário faz-lhe um carinho. 


E vocês? 

    Já pensaram no privilégio que é ter uma almofada, macia, ou mais dura, com enchimentos diferentes, mas nem todos podem desfrutar desse privilégio que é ter uma almofada que nos permite descansar, sonhar, chorar, rir, fazer planos, recordar, decidir, pensar, e até ter pesadelos? 

    Já pensaram no privilégio que é, ter uma cama maravilhosa, com a almofada, lençóis, cobertores, colcha, e mais o que quisermos? 

   Nem todos têm esse mimo, em muitos países onde dormem no chão, ao ar livre sem almofada, sem colchão? 

   Já agradeceram à vossa (às vossas) almofada? Também falaram ou falam com ela? Também a abraçam? Para que é que ela vos serve?

                                            FIM 

                                         Lara Rocha 

                                        10/1/2023 



    


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