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sexta-feira, 8 de abril de 2022

Pessoa, pessoas

 


Pessoa, pessoas


Fazemos parte de um grande mundo, todos, tudo o que vemos, tudo o que sentimos, ouvimos, cheiramos. Todos: pessoas, animais, plantas, rios, serras, campos, montanhas, florestas, glaciares, mar, terra, ar, água.

O que nos diferencia é a forma como nos mostramos aos outros, como os outros nos veem, e as nossas respostas aos acontecimentos de vida.

As diferenças que nos chamam mais a atenção, referem-se ao corpo. Sim, os animais também tem o seu corpo, diferente do nosso, tal como as árvores que às vezes também parecem corpos humanos na sua perfeição.

Uma pessoa é constituída por um corpo e por um espírito. O corpo é vivido em dois polos: o exterior e o interior. Exteriormente, o corpo pode ser semelhante à nossa perceção, é igual para todos, todos veem o rosto uns dos outros, o físico.

Não obstante as diferenças particulares, físicas de cada um, todos temos os mesmos órgãos internos «cabeça, tronco e membros». Interiormente, esta refere-se à experiência do sentir, traduz a maneira como nós nos vemos a nós mesmos, como cada um sente o seu corpo, o que se passa dentro de cada um através dos sentidos.

Estas duas experiências estão interligadas, porque o corpo está no mundo como objeto exterior, mas é habitado por cada pessoa. Quando dizemos «o meu corpo é meu», dizemos que nosso corpo pertence-nos («pertence-me este corpo»).

Quando dizemos «eu sou o meu corpo» referimo-nos à experiência interior, quando experimentamos, quando nos sentimos bem no nosso corpo, entramos em nós, encontramos em nós essa experiência (sensações), «sentir», e o reconhecimento das sensações.

O termos um corpo, significa que este nos pertence, cada um tem o seu corpo, é algo que lhe pertence, com o qual pode fazer o que quiser.

O corpo humano é fonte de expressão e comunicação, é a origem de todo o significado do ser humano, bem como é fonte de humanização do mundo através do qual podemos utilizar as ferramentas e objetivos.

O corpo humano, é pessoa humana enquanto manifesta o nosso interior, exprime os nossos sentimentos. O corpo é uma presença no mundo, pois requer aproximação do mundo e está no centro deste.

O corpo funciona como linguagem: podemos estar em silêncio e comunicar através do olhar, das expressões faciais: riso, choro, alegroa, admiração, maravilha, e outras.

Com o corpo podemos mostrar a linguagem ainda que sem palavras usando a dança artisticamente trabalhada, intencional, isto é, a harmonia, podemos usar a linguagem da ternura, da carícia, através da mímica, do teatro, da música, entre outras formas.

O corpo é a possibilidade máxima e o limite. Somos a condição do corpo, existimos ou como homem ou como mulher, ou como mistos em alguns casos.

O corpo é a própria pessoa. E a pessoa é também afetividade: tem a capacidade de ser modificado por algo exterior que se faz presente à pessoa.

A afetividade pode ser sentida a dois níveis: ao nível mais superficial que é dado pelas emoções, comoções intensas mas passageiras, irrefletidas, bruscas, vinculadas fortemente à corporeidade.

Nestas incluem-se: o medo, a cólera, a angústia, o estar contente ou o entusiasmo. Afetividade tem também um nível mais profundo no qual encontramos os sentimentos, estados afetivos de moderada intensidade mas de longa duração. Neste segundo nível está a intimidade.

A situação de maturidade afetiva e de equilíbrio psíquico, a afetividade é razoavelmente controlável pela vontade, e quando assim não acontece, é sinal de imaturidade da personalidade, ou psicopatologia.

A afetividade abre-nos à relação com os outros. Para a pessoa se realizar não pode reprimir a afetividade porque esta também se forma e fortalece na relação com os outros.

Cada um de nós só se pode realizar afetivamente se se abrir aos outros, se se der aos outros; quando nos damos aos outros, sentimo-nos bem e também estamos recetivos aos outros.

Todo o ser humano desde que nasce, grande parte do seu desenvolvimento e crescimento interior depende da afetividade que recebe da mãe, do pai, dos irmãos se já tiver, dos avós, dos tios, dos primos e depois dos amigos, e que utiliza para se relacionar com os outros que o rodeiam.

Se estivermos rodeados de afetividade, desde que nascemos, será assim que nos vamos relacionar com, e mostrar aos outros. Todos precisamos de nos dar aos outros, e os outros precisam do nosso afeto, mais ou menos.

Se não nos damos aos outros, sentimo-nos inúteis, não crescemos como pessoa. Dependendo das experiências anteriores, por exemplo, uma pessoa que viveu muitas experiências afetivas negativas, nas relações seguintes, pode vir a ter comportamentos agressivos, frios, distantes, pode isolar-se, fechar-se em si mesmo, tratar mal os outros.

Isto vai trazer infelicidade tanto para eles como para os outros, mas se em contrapartida as experiências afetivas foram satisfatórias, felizes, e boas, estas pessoas vão estar mais abertas com os outros, vão ser mais sensíveis e atentos, mais delicados e afetuosos, e sentir-se-ão mais felizes, completos interiormente.

O corpo (humano, animal ou vegetal), existe para nos proteger, e para nos permitir adaptar ao meio, por isso somos tão diferentes, com algumas semelhanças.

Que semelhanças? No direito à dignidade, ao respeito, ao amor, à satisfação das necessidades mais básicas, físicas, e de carinho, o sentirmos que pertencemos a uma família, comunidade, grupo de amigos que gostam de nós e aceitam-nos como somos.

Todos temos qualidades e defeitos, isso torna-nos diferentes, mas iguais. Diferentes pelas nossas famílias, a genética, os valores que nos transmitem em cada casa, a educação, os nossos antepassados.

Porque vivemos em sociedade, e precisamos uns dos outros, a cultura, a sociedade, as regras padronizadas que partilhamos para conviver, e relacionarmo-nos uns com os outros, desempenha o seu papel na nossa formação enquanto pessoas e naquilo em que nos vamos tornando ao longo da vida.

Tornam-nos diferentes, as experiências agradáveis e as desagradáveis, as más e as boas, as pessoas que conhecemos, com as suas próprias características que nos agradam, aproximam ou afastam de alguns seres, aproximando-nos de outros.

Identificamo-nos, ou não, com elas, na sua forma particular de ser, ou porque partilhamos gostos comuns, ideias. Há pessoas que nos tocam mais e outras que não nos conquistam.

Sendo muitas vezes a aparência física um dos critérios que nos leva a selecionar com quem nos queremos relacionar ou não; existe a nossa personalidade.

Esse é outro fator que nos torna únicos, individuais, diferentes dos outros, mesmo dentro da própria casa, entre irmãos, diferentes dos pais, a nossa essência.

Já nascemos com personalidade? Com a que temos hoje? Não. Até chegarmos ao que somos agora, já passamos por muito, já conhecemos muitas pessoas diferentes, iludimo-nos e desiludimo-nos, várias vezes em cada fase do desenvolvimento.

Sabemos que acontecimentos que vivemos antes de nascer, já vão influenciar de certa forma algumas características da nossa pessoa: as hormonas da nossa mãe, do que ela vai sentindo, pensando, vivendo, passam para nós, e vão ficando gravadas na nossa memória.

Mesmo antes de nascermos, já vamos começando a conhecer o mundo através do tato, dos sons que ouvimos, e mesmo sem sabermos, essas informações vão contribuir para nos adaptarmos ao mundo lá for a com mais segurança.

O «eu», aquele ser verdadeiro que tantas vezes somos «obrigados» ou educados para «não mostrar», «disfarçar», «ocultar», dos outros (algumas formas de agir e pensamentos), vive connosco escondido pelo corpo externo.

Todos, sem exceção temos particularidades que não revelamos quando estamos com outras pessoas. Não temos o mesmo à-vontade com toda a gente, nunca mostramos aos outros, porque podemos «magoar» o outro, ou porque «o outro pode afastar-se de nós por causa disso».

Nunca somos totalmente autênticos, nem totalmente verdadeiros na relação com os outros. Vamos aprendendo a selecionar o que podemos mostrar de nós, a quem, de acordo com as respostas que recebemos dos outros; e estes segundos fazem o mesmo em relação a nós.

Com as experiências aprendemos a transformar-nos, por vezes naquilo que sabemos que os outros esperam de nós, e projetamos no outro que conhecemos, as nossas características, geralmente as que mais apreciamos em nós.

Mas o outro é tão único como nós, na sua maneira de ser, pensar e agir, e o mais comum é que seja totalmente diferente de nós. Por este motivo, é muito fácil criarmos ilusões, «construirmos» na nossa mente, pessoas que gostaríamos que elas fossem para nos agradar.

Elas não são como as imaginamos, quando nos mostram o seu verdadeiro «eu», coberto pelo corpo, por uma cara bonita, ou por palavras simpática.

Elas mostram o socialmente desejável, e o socialmente esperado, por isso, se o outro não age como esperávamos, pensávamos, queríamos ou imaginávamos: desiludimo-nos, ficamos destruídos, tristes.

Mas essas experiências, fazem parte do nosso desenvolvimento, todos passámos por elas, e ajudam-nos a crescer. Normalmente, depois de cada desilusão, ou quando alguém que apreciamos se afasta porque não gosta de nós (achamos nós, o que nem sempre corresponde à realidade), procuramos mudar aquilo que somos, só para agradar aos outros.

Mas alguém dos outros, pode apreciar essa nossa características, que esse não gostou. Os outros são importantes para nós, claro que sim, sem dúvida nenhuma.

Precisamos de alguém externo à família, para partilhar as nossas dúvidas, angústias, medos, ideias, emoções, coisas positivas e aspetos menos bons.

Precisamos do outro para nos sentirmos pertencentes a uma família, a um grupo de amigos com quem podemos contar, principalmente nos nossos piores momentos, em quem confiamos.

No entanto, os gostos são muito subjetivos: eu gosto de alguém com determinadas características, como pessoa, alguém que se relacione comigo de certa maneira, que me trate de acordo com a minha maneira de ser.

Queremos alguém que nos complemente, não que nos faça mudar aspetos em nós, traços da nossa personalidade que já nos caracterizam há tantos anos, e se cada um de nós aceitar esses traços, poderá ser mais fácil de lidar com a rejeição do outro.

Não somos verdadeiros com nós mesmos, quando mudámos de forma forçada, só para agradar aos outros, o que também acabamos por não ser verdadeiros com os outros ao fazer isso, pois às vezes soa a falso ao fim de pouco tempo, mesmo sem termos consciência disso, e o outro percebe.

Não temos que mudar só para outro gostar, porque o outro também vai ter traços que não nos agradam tanto, e não tem de os mudar.

O truque é aceitar também isso, e tentar encontrar a maneira mais saudável de relação para os dois, se sentimos que podemos fazer bem um ao outro, ou aprender alguma coisa.

Não temos de ser iguais, nem somos. No meio de tanta gente que conhecemos, com quem nos relacionamos, não podemos, nem agradamos a todos. Muito menos, todos os outros têm de gostar de nós, só porque alguns gostam, ou porque nós os apreciamos.

Precisamos dos outros para nos auto conhecermos, para sabermos o que queremos para nós, quem queremos ter do nosso lado, com que tipo de pessoas nos relacionamos melhor, quem nos preenche, e quem nos faz mal.

Mas quantas vezes, à primeira vista criamos uma ideia distorcida das pessoas e num contacto mais próximo, ou conversas, percebemos que elas afinal não são nem de perto, o que tínhamos pensado que eram. Com os outros em relação a nós também acontece isso, em relação a nós.

O meio molda-nos, principalmente no sentido de darmos a cada experiência, em conjunto com a nossa personalidade, e outras situações que vão contra os nossos valores ou se estão de acordo connosco.

Somos pessoas (unidades individuais), inseridas numa sociedade (diversidade) em todos os aspetos. Além de seres únicos e sociais, somos pessoas espirituais (mais ou menos), pois o espírito também faz parte do corpo, do ser a pessoa que somos.

Enquanto seres humanos sentimos maior ou menor necessidade de procurar sentido para quem somos, um propósito, ter objetivos de vida, uma missão para com os outros (a nível pessoal e profissional).

Precisamos (uns mais, outros menos) de acreditar em alguma «Entidade» superior a nós, que nos dê força nos piores momentos, de dor, sofrimento, tristeza, angústia, desilusão, desorientação.

Sabemos, ou achamos que não temos o direito de «incomodar» os outros com as nossas coisas, quando consideramos que não podemos contar com os outros para nos ajudar ou partilhar as coisas que nos incomodam, sem medo do julgamento dos outros, ou da crítica.

Porque precisamos, e queremos dar um sentido à nossa vida, à nossa pessoa, e à nossa existência. Estes aspetos são igualmente subjetivos e variam de pessoa para pessoa.

Nunca temos respostas suficientes, nem para tudo, não sabemos o que existe de facto, mas se nos ajuda, é porque existe, mesmo que não vejamos alguém igual a nós, mas sentimos que interiormente mudou alguma coisa.

Muitas vezes sentimo-nos frustrados quando não encontramos as respostas que procuramos, apesar disso, tanto estas respostas que não encontramos, como nós (enquanto pessoas), fazem parte do grande mistério chamado Mundo, e Pessoa.

Demoramos nove meses a ser construídos, a nossa base, a formar a primeira parte do nosso corpo, quando somos gerados, e enquanto estamos vivos, a nossa auto descoberta, descoberta dos outros, do mundo, é um trabalho diário, contínuo, que não tem fim.

Cada experiência, cada pessoa que se relaciona connosco, modifica-nos, faz-nos evoluir, crescer interiormente, torna-nos melhores ou piores pessoas, faz questionarmo-nos, interpretar os acontecimentos de forma diferente, que por sua vez mudam de acordo com a sua repetição na nossa vida.

Aprendemos muito, sozinhos e com os outros, e ensinamos muito, sem que tenhamos de ser como esperam ou querem que sejamos. Nem nós acertamos sempre nas expectativas que criamos em relação aos outros.

Temos direitos e deveres, tanto nós como os outros: o direito de ser diferentes, o direito a não se relacionarem connosco, nem de gostar de nós, só porque gostamos delas.

Porque cada um de nós também tem o direito de não gostar de todas as pessoas com quem nos cruzamos. Mas temos o direito de fazer escolhas (nós e os outros), e de sermos respeitados por elas, mesmo que sejam diferentes das nossas.

A nós, e aos outros, assiste-nos o dever de respeitar, ser respeitados, direito à dignidade, valorização no todo que somos, além do corpo.

Porque somos pessoas únicas, temos liberdade de pensar de forma diferente, uns dos outros, e temos o direito de escolher partilhar ou não esses pensamentos uns com os outros, ou só com alguns.

Somos corpo e «máscara», através da qual, entreabrimo-nos aos outros, ao mundo. Ao mesmo tempo, essa «máscara» (o rosto, e o que ocultamos dos outros, partes da nossa personalidade, características individuais, ou disfarçamos emoções), impedem que sejamos «invisíveis» aos outros.

Utilizamos constantemente estratégias que não deixam os outros ter acesso e ver o que cada um de nós é, na sua totalidade, e o outro faz o mesmo.

Porquê? Pelo medo da solidão, da rejeição dos outros, porque achamos que o outro não vai gostar de nós por este, ou aquele «defeito», e porque «representamos vários papéis» no convívio com os outros.

O que nos torna humanos é o amor, uma necessidade comum a todos nós, sermos amados, acolhidos, precisamos de afeto (dar e receber), de sermos queridos e desejados pelos outros, para que a nossa existência ganhe sentido.

Se aprendemos a ser amados, desde que nascemos, e se nos sentimos amados, queridos, desejados, acolhidos, vamos sentir-nos mais seguros em nós mesmos, vamos gostar de nós, amarmo-nos e aceitarmo-nos como somos.

Vamos aceitar melhor ou lidar melhor com os nossos defeitos e com os dos outros, sem entrar em conflito, porque não podemos mudar o outro, não temos esse direito, nem é possível.

Ao sentirmo-nos amados, vamos dar essas respostas aos outros, seremos mais educados, sensíveis, amorosos, afetivos, dedicados aos outros.

Seremos mais capazes de dar um bocadinho de nós aos outros. Porque nem nós, nem os outros podemos ser tratados como objetos, coisas que podemos explorar ou ser explorados, muito menos fazermos do outro o que queremos (incluindo magoá-lo ou feri-lo de todas as maneiras).

Não podemos exigir do outro o que quer que seja, para satisfazermos as nossas vontades individuais, nem podemos exercer o nosso poder sobre o outro.

A pessoa não tem preço, não podemos exigir que ele ou ela seja igual a nós, e só temos de respeitar, mesmo que nos doa. Ser pessoa é saber aceitar estar com nós mesmos, e com os outros, quando estes querem, ou por outro lado, dar espaço quando este não quer.

Ser pessoa é respeitar o outro, na sua individualidade, as suas ideias, crenças e emoções, a sua raça, a sua idade. É respeitar a sua dignidade por ser humano.

Ser pessoa é em parte «cuidar» do outro, sem no entanto impor as suas próprias ideias ao outro. Ser pessoa é respeitar a liberdade do outro, e ter consciência de que o outro é diferente de mim.

Ser pessoa é perceber o outro, conhecer a sua maneira de ser através do seu rosto. Ser pessoa é ter consciência de que a vida não é só feita de momentos bons, mas também maus, no entanto, esses maus momentos têm um papel importante para o nosso crescimento interior e desenvolvimento pessoal, são uma fonte de aprendizagem.

Ser pessoa é ter liberdade de escolher, de tomar decisões individuais, mas sem prejudicar o outro. É ter liberdade de escolher como queremos ser e que caminhos queremos seguir, mas sem nunca ignorar o outro.

Ser pessoa é sentir que somos necessários para a sociedade, não importa qual seja a nossa função na mesma. É preciso que cada um de nós se manifeste e se deixe manifestar através do rosto. Se nos apropriamos do rosto do outro, o outro esconde-se, não se manifesta.

Ao ser através do rosto que o outro se manifesta, no olhar pode-se despertar a necessidade de dar uma resposta à interpelação do outro. É ao darmo-nos ao outro, ao relacionarmo-nos com o outro que revelamos a nossa própria individualidade.

Com o outro aprendemos a interpretar o silêncio do olhar, pois, com o olhar o outro comunica-nos muitas das suas emoções, sentimentos e até necessidades mais profundas, como a necessidade de amor, de ser amado por alguém, de ser querido, a necessidade de afeto, e outros.

O outro incita-nos a dar-lhe aquilo de que já nos apropriamos, põe em questão a nossa posse das coisas. O outro obriga-nos a uma reflexão sobre o mundo e as coisas que o compõem.

O encontro com o outro, a partir da nossa separação que é o nosso egoísmo de ser-no-mundo, apela a um discurso de não violência que constitui a condição necessária para a subjetividade, e constituição do mundo.

Na epifania do rosto, descobrimo-nos como seres egoístas, descobrimos o mundo na sua significação e toda a humanidade se abre diante de nós.

A relação com o outro, ou discurso é o questionamento da nossa liberdade, o apelo vindo do outro para nos chamar à responsabilidade, enunciando um mundo objetivo e comum.

O eu pode recusar-se ao outro, mas não ao questionamento que lhe é posto pelo outro. Cada ser humano nasce com um chamado «tu – inato», que se traduz na capacidade inata de nos relacionarmos com os outros, contudo, ainda há quem diga que qualquer pessoa pode muito bem viver sozinha.

Ninguém consegue sobreviver e viver sozinho, só voltado para si mesmo, porque é através da nossa capacidade e necessidade de estabelecer relações com os outros, que encontramos os «Tus».

Uma pessoa sozinha não encontra o outro, principalmente porque porque nos momentos de solidão não há diálogo, e o diálogo, a comunicação com os outros é um ponto fulcral na criação de uma relação.

Temos capacidade de acolher o tu; de receber a relação, e é neste encontro que existe: a reciprocidade; a presença; a totalidade e a responsabilidade.

Se estamos inseridos numa sociedade, temos de viver com a comunidade, com muitas outras pessoas que se cruzam todos os dias no nosso caminho.

Precisamos de dialogar com elas, aprender sempre coisas novas através das experiências vividas pelos outros e dos seus conhecimentos.

No contato com os outros, compreendemos melhor o funcionamento do mundo que nos rodeia, e são os outros que nos ajudam a garantir as necessidades mais básicas, e a sobrevivência. Precisamos das funções que cada um desempenha, e eles de nós. Por exemplo, nos nossos piores momentos é bom sentir que alguém como nós está do nosso lado, há aquela presença que porventura também já terá passado por experiências semelhantes às nossas.

Todos precisamos de sentir que não estamos sozinhos, que alguém nos escuta e compreende; e não nos deixa cometer atos tresloucados, que seguram a nossa mão, nos momentos de desespero em que parece estar tudo perdido.

É importante sabermos que os nossos verdadeiros amigos (aquele grupinho de pessoas com as quais podemos contar, conversar, «pensar em voz alta», dividir as nossas tristezas e multiplicar as nossas alegrias.

Aquelas pessoas raras e queridas que nunca nos viram as costas; que nos apoiam, que nos ensinam e ajudam a seguir em frente, com as suas palavras, a sua escuta, o seu abraço, a sua mão, aqueles que gostam de nós como somos, com quem não precisamos de usar «máscaras» da nossa pessoa, aceitam-nos como somos.

Mas só descobrimos quem são esses seres de luz, que aparecem nos momentos de escuridão da alma, temos de estabelecer uma relação com eles, com bases sólidas, deixarmo-nos revelar para eles, e permitir que eles se revelem para nós.

Dialogar com eles, e saber, conhecer o que está por detrás da «máscara» que surge na nossa frente. O diálogo é «passaporte» para o conhecimento do outro, o outro também precisa de nós.

Há sempre uma reciprocidade, uma troca constante de conhecimentos, ideias, sentimentos, emoções, vivências, e experiências, o que é muito salutar e importante para o crescimento interior das pessoas.

Nas relações deve haver sempre: intimidade, respeito, compreensão, ajuda, capacidade de saber ouvir, sinceridade, diálogo, abertura, bondade, apoio.

Deve haver de parte a parte: a vontade, a paciência e a preocupação de se irem desvendando um ao outro, aos poucos, sem pressões.


Lara Rocha

2004

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