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quarta-feira, 2 de abril de 2014

O COMBOIO MÁGICO

        
                                                                foto de Lara Rocha 

           Era uma vez um comboio pequeno, todo colorido, que nunca antes tinha sido visto a passar pela floresta. Esse comboio não andava sobre carris, tinha rodas e andava na terra, mas era um comboio. De dia, o comboio rodava pela floresta, feliz, a cantarolar, sorria a quem passava e de repente desaparecia, e voltava a aparecer mais adiante, diferente…mas nunca se via ninguém a sair de lá. Parecia que entrava em alguns sítios e tornava-se invisível.
            Outras vezes, o comboio andava na terra e levantava voo, como se pudesse andar e atravessar as nuvens, mas não se via asas. À noite, este comboio ficava cheio de lindas luzes, parecia um presépio, ou muitas casas todas juntas, e viam-se outras luzes à sua volta…seriam pirilampos ou fadas? Não se conseguia ver porque estava escuro. Toda a gente falava do comboio.
Um grilo sentia uma agitação estranha, mas não sabia o que estava a acontecer. Adorava ficar à porta da sua toca, à noite, a conviver e a cantar com as cigarras, e outros grilos. Faziam grandes concertos juntos, e havia muita gargalhada, pela noite fora. De repente, o grilo olha para o horizonte, e no escuro vê muitas luzinhas a brilhar.
- Amigos…o que é aquilo? – Pergunta o grilo assustado
            Todos olham.
- Só consigo ver que são muitas luzes juntas! – Diz uma cigarra
- Será uma festa? – Pergunta outro grilo
- Um circo? – Pergunta outra cigarra
- Não ouvi anunciar nenhuma festa, nem nenhum circo! – Responde o grilo pensativo
- Eu também não! – Respondem todos
- Devem ser aqueles encontros de gente estranha. – Comenta outra cigarra
- Aqueles que se juntam e fazem um barulho insuportável? – Pergunta outra cigarra
- Não são os sapos, nem os pirilampos…os outros. – Explica a cigarra
- Ela está a falar daqueles parecidos com os anões, muito estranhos. – Esclarece outra cigarra
- Áhhh! – Respondem todos
- Aqueles que deixam tudo uma porcaria, e queimam a floresta, cortam as árvores e as flores…e coisas parecidas ou piores! – Diz o grilo
- Isso mesmo! – Respondem todos
- Os homens…- Resmunga outra cigarra
- Esses. – Confirma o grilo
- Devíamos corre-los daqui. – Sugere outro grilo
- Não faltará muito para o fazermos. – Diz outro grilo
            Uma pica - pau sai do tronco a rir.
- Não é nada disso que estão a dizer.
- O quê? – Perguntam todos
- Acordamos-te? – Pergunta um grilo preocupado
- Não. Eu estava a acabar a minha renda, e vou agora dormir. Ouvi o que disseram. Aquelas luzes não são de um circo, nem de uma festa, nem de…humanos…até me dá azia no estômago a dizer esta palavra! Lhec.
- Lhec. – Repetem todos
- Então o que são aquelas luzes? – Pergunta o grilo
- São o nosso novo inclino. – Responde a pica-pau
- Inclino? – Perguntam em coro
- Sim! O quê? Nunca o viram? – Pergunta a pica-pau intrigada
- Não! – Respondem todos
- Estão muito desatualizados. – Responde a pica-pau
- Ai, conta tudo…- Pede uma cigarra
- Aquelas luzes todas são de um pequeno comboio que veio aqui parar. Se calhar ainda não o viram porque ele anda mais de dia. Não sabemos como veio aqui parar, nem de onde é, nem o que veio cá fazer…ele é muito estranho. Umas vezes, vê-se…outras vezes…parece que se torna invisível ou que desaparece em qualquer sítio…e à noite…tem todas aquelas luzes…umas vezes vêem-se, outras vezes, não.  
- O quê? – Perguntam todos
- Mas…isso não é possível! – Diz outro grilo
- Isso é muito estranho…- Comenta outro grilo
- Está-me a cheirar muito mal… - Diz uma cigarra muito pensativa
- Não fui eu. – Gritam todos
- Não estou a falar desse cheiro. Quero dizer que alguma coisa de muito errado se está a passar aqui. – Diz a cigarra pensativa
- Alguma vez falaste com ele? – Pergunta outro grilo á pica-pau
- Não. – Responde a pica-pau
- Vamos lá mais perto. – Sugere outra cigarra
- Não será perigoso? – Pergunta outro grilo
- Não. – Assegura a pica-pau
            Põem patas ao caminho e vão ter com o comboio. Aproximam-se um pouco a medo.
- Boa noite…aproximem-se! Não mordo. – Diz o comboio
- Quem és tu? – Pergunta a pica-pau
- És novo aqui, não és? – Pergunta uma cigarra
- Sim, sou novo aqui. Venho de muito longe. Gostei tanto deste sítio que decidi descansar aqui. Espero que não se importem! – Diz o comboio
- Fica á vontade! – Diz a pica-pau
- Desde que não destrua o nosso cantinho… - Diz uma cigarra
- Óh…destruir? Que horror…na…na…eu adoro a natureza, nunca lhe faria mal, nem a vocês. – Assegura o comboio.
- Porque é que tens tantas luzes…e às vezes deixas de ter luzes? – Pergunta outra cigarra curiosa e intrigada
- Porque…quando estou acordado, tenho as luzes acesas, quando estou a descansar ou a dormir as luzes apagam-se. – Explica o comboio
- Áh! – Respondem em coro
- Mas, entrem…e conheçam-me por dentro. – Diz o comboio
- Entramos por onde? – Perguntam em coro
- Pela porta que se vai abrir. – Responde o comboio
- Mas quem és tu? – Pergunta a cigarra
- Sou um comboio.
- Um comboio? – Perguntam todos em coro
- Sim, um comboio. Nunca ouviram falar de mim?
- Já! – Respondem todos
- Mas os comboios não são enormes? – Pergunta um grilo
- São…e eu também sou grande. – Diz o comboio
- Grande? – Perguntam em coro e riem
- Não se deixem levar pelas aparências…entrem e verão.
            E abre-se uma porta enorme. Todos soltam grandes exclamações de encanto e algum medo. Entram e fecha-se a porta.
- Bem-vindos a bordo…amigos! Conheçam-me à vontade.
- Áh! É mesmo enorme… - Repara uma cigarra
- Eu disse para não se deixarem levar pelas aparências. – Diz o comboio a rir
- Uau! – Suspiram todos, encantados.
Dentro do comboio a surpresa é total…um espaço enorme, cheio de cenários diferentes, cada qual o mais bonito, a três dimensões que parece estarem mesmo nessas paisagens. O comboio estica-se mais e alarga.
- Querem tomar alguma coisa? – Pergunta o comboio
- Chá… - Dizem as cigarras em coro
- Tens? Se tiveres, eu também tomo. – Pergunta a pica-pau.
- É para já…minhas donzelas.
            O comboio prepara um belo chá para as cigarras e para a pica-pau
- Aqui tem, meninas…querem açúcar?
- Não, obrigada. – Respondem todas
            Elas bebem e suspiram.
- Huummm… - Dizem em coro
- Mas que chá requintado…- Comenta a pica-pau
- Huummm…que sabor raro. – Comenta outra cigarra
- Está uma manjar das deusas… - Diz outra cigarra
- Não conhecia estes sabores, mas adoro. – Comenta outra cigarra
- Onde se encontra este chá tão bom? – Pergunta outra cigarra
- À saída, eu ofereço-vos uma caixa…ou então vem tomá-lo aqui, sempre que quiserem. – Diz o comboio
- Obrigada. – Dizem em coro.
- Fiquem à vontade. Qualquer coisa é só pedirem ou dizerem. – Diz o comboio
            Todos exploram o comboio. Tinha roupas de diferentes culturas, jóias, chapéus, gorros, cobertores, lanternas, mantas, fatos-de-banho, máquinas fotográficas e de filmar, milhares de fotografias de animais, paisagens e outros objectos. Tinha pratos de comidas típicas de países diferentes, borboletas e flores de todas as cores, voavam milhares de bolas de sabão e havia muita música, muitas luzes a piscar. De repente, o comboio levanta voo.
- Agora, olhem pelas janelas, e vejam a vossa floresta de cima, à noite.
            Recolhem-se as fotografias e abrem-se umas janelas enormes. Apagam-se as luzes do comboio, e todos olham pelas janelas.
- Ááááááááhhhhhh! - Suspiram todos a sorrir encantados
- Estamos a andar? – Pergunta uma cigarra
- Sim! É seguríssimo andar aqui. – Responde o comboio
- Que linda que é a nossa floresta! – Diz outro grilo
- De dia e de noite. – Acrescenta outro grilo
- Olha as casa dos anões… - Repara outra cigarra
- Maravilhoso. – Suspira outra cigarra
- É mesmo! – Sorri o comboio
- Já tinhas andado por aqui? – Pergunta a pica-pau
- Sim, quando cheguei. – Diz o comboio
            Depois da vista de sonho, o comboio volta a pousar. E acontecem coisas muito diferentes, todos brincam, saltam em piscinas de espuma, atiram espuma uns aos outros, mergulham em piscinas de água quente, e jacuzzis, escorregam em colchões de esponja e de plástico, brincam uns com os outros, convivem alegremente até ficarem com muito sono.
Agradecem tudo, e voltam para a sua toca quase a arrastarem-se depois de tanta coisa nova e tão boa que experimentaram e conheceram. Estão mesmo cansados, mas muito felizes, quase ao nascer do dia.
            Nos dias que se seguiram, toda a gente quis visitar o comboio cheio de surpresas, e passeios fantásticos. O comboio fez muitas e boas novas amizades.
            Ele adorava receber visitas e levar os amigos a passear, mas às vezes também se cansava e precisava de ficar sossegado no seu canto, a descansar, de luzes apagadas, para criar novas magias. Todos já sabiam quando isso acontecia, e deixavam-no descansar. Quando estava totalmente recuperado, recomeçava tudo…as visitas, as magias, as luzes, os passeios, e muito mais. Este não era um comboio qualquer…este, era o comboio mágico, cheio de magia e amizade.
            Todos nós às vezes precisamos de algum tempo para estarmos fechados em nós mesmos, e descansar, para renascermos, novos, com uma nova força, uma outra energia, uma outra maturidade, e perspectiva das coisas.
Às vezes precisamos de viajar no nosso comboio interior, e descobrir ou revisitar memórias felizes, matar saudades, recordar momentos únicos e irrepetíveis que ainda hoje nos fazem arrepiar.
Às vezes todos nós precisamos de silêncio e paz, para nos encontrarmos com aquele ser único e irrepetível que somos…e procurar respostas, ou simplesmente, embalar o coração quando ele sofre.
            Às vezes…precisamos de abraçar novamente a criança que fomos, e tirá-la para fora do nosso comboio, para que reencontremos a felicidade de viver, e para que possamos renascer, criar coisas novas.
            Todos nós somos comboios cheios de magia!  

FIM
Lálá
(31/Março/2014)




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