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segunda-feira, 24 de março de 2025

A pontuação do Passado (monólogo para Adultos)

     Se o passado fosse um conjunto de palavras, um texto, um filme, um guião, ou um poema...se escrevêssemos sobre o passado… qual a pontuação que usaríamos? 

    Hummmm....eu...colocaria muitos pontos finais, alguns que ainda hoje não consigo colocar, ou coloco e de vez em quando saltam. Demorei a aplicá-los, mas ficaram lá atrás, juntamente com tudo o que levou um ponto final. 

    Acho que só mais próximo da idade adulta, conseguimos fazê-lo, pelo menos aparentemente. Alimentei a raiva, o ódio, o rancor, a vontade de vingança que qualquer um de nós sente, durante muito tempo. Demasiado tempo! 

     Alguns pontos finais foram difíceis de aceitar e de os ver juntamente com alguns acontecimentos, e pessoas; a quem acrescentei um ponto e vírgula, símbolo das lágrimas que me fizeram cair. 

    Porque me magoaram, e fizeram sofrer, desiludiram-me; por isso também usei o ponto de exclamação porque não esperava que alguns e algumas o fizessem. 

    Como se atreveram a fazer-me isso, que desilusão! Nada fazia esperar essa necessidade de pôr um ponto e vírgula, e um ponto de exclamação, mais umas reticências. 

    As reticências para quê? Quando tentava procurar uma justificação para comentários e maldades. Não encontrei as respostas. Mas de outras pessoas e situações cansei rapidamente. 

    Foi muito fácil, e quase imediato que as pus, ainda acrescentei travessões para despejar toda a minha raiva e desagrado em relação a essas criaturas que infelizmente surgiram na minha vida e só me infernizaram.

    Outras vezes, por muito que tivesse doído, e por muito que eu não quisesse, com um conflito entre a razão e a emoção, tive de pôr um ponto final. 

    Amores não correspondidos, desinteresse total, indiferença do outro lado, as amigas a tentar ajudar, casamenteiras, mas não funcionou. Não era para ser. 

    Doeu, muitos meses, pus muitos pontos e vírgulas nas lágrimas que tanto teimavam  em cair, utilizei parênteses para representar o meu vazio e o estar fechada. Uma defesa. 

    Quando mais crescida, sorrio, ponho meio parêntese por baixo de dois pontos das reticências. Usei travessões, reticências dentro de parênteses, quando ouvi coisas que não gostei, às centenas, e tive de me calar, ficando com a vontade de falar, despejar tudo o que ficava atravessado. 

    Mas para não ter conflitos, calava-me. Eram parênteses e reticências porque não havia diálogo com quem me dirigiu palavras destrutivas, que me ofenderam e magoaram, tive de ouvir e calar. 

    Mas uns anos mais tarde, estava com pessoas de confiança e os parênteses abriram, saíram todas as reticências e todos os travessões, todos os pontos de exclamação e pontos e vírgulas. 

    Quando fui capaz de falar, mais adulta utilizei muitas vezes os travessões, os pontos finais com mais facilidade, abri os parênteses e deixei cair as reticências, embora tivesse de deixar algumas dentro dos parênteses, para não alimentar criaturas cruéis. 

    Também usei muitos pontos de exclamação e pontos finais. À medida que vamos aprendendo com as experiências, e as desilusões, tornamo-nos mais capazes de despejar os parênteses, e substitui-los por pontos finais. 

    Em relações, em falsas amizades, interesseiras, não reciprocidades, indiferenças. Não usamos tantas reticências, mas sim, pontos e vírgulas, pontos finais, sem tanta dor. 

    Quer dizer...dóis, colocar pontos finais, abrir parênteses, pôr reticências, e os travessões só os vemos na nossa mente! Mas tudo passa mais rápido, do que por exemplo, na Adolescência. 

    Mesmo na idade adulta, nem sempre é fácil colocar pontos finais em «sonhos não realizados», «esperanças», «expectativas furadas», «desejos frustrados», juntamente com pontos e vírgulas, nem aceitar e lidar com fracassos, injustiças. 

    Aqui, às vezes aparecem pontos e vírgulas, as nossas lágrimas, de frustração, raiva, incompreensão, e os pontos de interrogação quando procuramos os «porquês»? 

    Qual é a resposta desses pontos de interrogação? Abrimos parênteses, colocamos reticências, fechamos parênteses, ou pontos e vírgulas de lágrimas, mas sem travessões, porque não encontramos explicações nem respostas. 

    As reticências também são usadas quando pensamos, e não sabemos o que fazer. Os pontos de exclamação, os dois pontos lado a lado e os parênteses voltados para cima quando estamos felizes, quando nos sentimos realizados e somos valorizados, apreciados, incentivados. 

    Ou dois pontos lado a lado e um parêntese, o que fecha, virado para baixo, que mostra o nosso desagrado, a tristeza, ou o traço inclinado, que traduz a nossa raiva, frustração. 

    Quando pensamos no nosso passado, na atualidade, que pontuações usamos? Muitas vezes, as reticências, outras vezes, estas dentro de parênteses, e pontos de exclamação no fim da frase ou pensamento. 

    Estes pontos de exclamação, as reticências dentro de parênteses e os pontos e vírgulas, ou os dois pontos lado a lado, com meio parêntese virado...umas vezes para cima, outras vezes para baixo. 

    Geralmente sem travessões porque não dialogamos com outros, só com nós mesmos, e não precisamos de colocar travessões, porque não existem respostas. 

    Os sinais de pontuação são usados, tanto para o passado, como para  o presente. Às vezes queremos colocar pontos finais, mas a insegurança, a incerteza, o medo, fazem-nos pôr reticências, quando também temos dúvidas se queremos ou demos usar ponto final. 

    Porque, em vez de ponto final, pomos uma exclamação ou um ponto de interrogação, mas sentimos mais segurança com reticências dentro de parênteses. 

    Talvez porque...as reticências dentro ou fora dos parênteses sejam um sinal de esperança que a situação ou pessoa a quem tentamos pôr o ponto final mude! Ou quando sonhamos, imaginamos, idealizamos que as coisas vão ser diferentes de um  momento para o outro. 

    Cansamos de esperar, de ver os dois pontos lado a lado com o parêntese para baixo, e os pontos e vírgulas. Porque tudo continua igual,  a pessoa e a situação.

    Porque as lágrimas saem, porque o estômago e a mente, não querem sentir mais isso...porque a pessoa ou situação na verdade não merece, não está preocupada connosco ou com o que sentimos. 

    E lá vem outra vez o ponto de exclamação. A mente, o estômago, o coração, todo o corpo...começa a dialogar connosco, mas nós não lhe respondemos. 

    Todo o corpo, ao fim de algum tempo com as reticências, e os pontos e vírgulas, começam a dizer: põe pontos finais nesses assuntos, nessas situações. Já vai há tanto tempo, para que continuas a preencher-nos com elas, se elas só nos fazem mal? 

    Eles têm razão, mas às vezes, os pontos finais que achávamos já ter posto em pessoas ou situações, do passado, saltam para o presente. Lá vem outra vez as reticências, e os parênteses, porque queremos fazer isso, mas não sabemos como, ou não conseguimos. 

    Mais um ponto de interrogação, um ponto de exclamação, parênteses com reticências. A mente responde: põe pontos finais e verás como a leitura é diferente. 

    Deixa para lá o passado, e todas as coisas más. Lembra as coisas voas, agradece as coisas boas, lembra as pessoas boas que conheceste e que te fizeram bem, mesmo que no presente não saibas delas, ou não fales com elas, nem as vejas. 

    Lembra os momentos felizes, mas deixa espaço para o presente que é o que conta! Deixa o passado na caverna, para ele descansar em paz, e nós teremos paz.

    Deixa o passado em paz, ele já não te dá nada, não te traz nada, não te ensina mais nada, não te dá mais nada de bom...Põe pontos finais! Nós precisamos e merecemos. 

    Não ponhas mais reticências no que não tem futuro, e no que é incerto ou pode nunca acontecer, nunca saberás muitas das respostas, também não precisas delas. Já passou! 

    O presente é que conta, tu estás no presente, e há sempre muitos pontos de exclamação para serem utilizados, nas coisas boas e bonitas, na simplicidade, no que tens agora, no que és agora. Com o que vale a pena! 

    Achamos que pomos pontos finais, mas continuamos na verdade, às vezes, a usar parênteses, co  reticências, para nos sentirmos preenchidos, ou não perdermos a nossa identidade. 

    Mas até a nossa identidade, não é a mesma! Também ficou lá atrás, não somos mais aquela pessoa do passado, ou aquelas pessoas que fomos, não voltaremos a ser. 

    A cada ponto final, que pusemos ou pomos no passado, fica algo de nós que já podemos nem nos lembrar de como éramos. Pôr pontos finais pode ser mais ou menos difícil, mas é preciso. 

    No presente, usamos todos os sinais de pontuação! Talvez a pontuação mais difícil de usar, no passado e no presente, sejam os pontos finais. 

E para vocês, qual é o sinal, ou sinais de pontuação que mais utilizam? Quais foram os que mais utilizaram no passado? E agora no presente? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

                                                            FIM 

                                                     Lara Rocha 

                                                 24/Março/2025  



segunda-feira, 17 de março de 2025

O saquinho das amoras

     Era uma vez uma floresta ao lado de casas numa pequena Vila. Uma floresta aparentemente pequena, achavam as pessoas, porque a entrada era escura, provocada pela sombra das árvores enormes, frondosas, que se entrelaçavam umas nas outras. 

    Formavam um túnel onde dificilmente entraria o sol, e no Inverno, a entrada era tapada com as folhas que caíam das árvores, um manto em altura que parecia uma porta. 

    Nenhum habitante, desde as primeiras gerações que viveram nesse lugar tinha entrado na floresta, porque ouviam muitas histórias de terror, de coisas que aconteciam a quem se atrevesse a tentar entrar para explorar o espaço. 

    Contavam muitos mitos, lendas que pensavam ser verdadeiras, porque ouviam barulhos estranhos, principalmente de noite! 

    Gritos, vozes que não se percebia o que diziam, mas pelo tom, pareciam estar a discutir, risinhos maléficos, estalidos, ressonâncias, sons misteriosos que não faziam parte do dia a dia, e do meio onde estavam.

    Diziam que viviam seres muito diferentes do ser humano, não humanos ou humanos cruéis. Na verdade, tudo não passava da imaginação das pessoas, por histórias contados dos antepassados, pelo medo do desconhecido e do escuro, embora nunca tivessem visto ninguém. 

    Histórias, mitos e lendas que faziam as pessoas ficar em casa à noite, imaginar coisas à noite, e tinham a certeza de que vinha da floresta, sentiam pavor, pânico, ansiedade. 

    Custava-lhes a adormecer, porque ficavam a pensar no que teria a floresta, se era assim tão terrível como diziam. 

    Um dia, dois adolescentes que também sentiam medo, viram um saquinho de lindas amoras vermelhas à sua porta, e na porta de outras casas. 

    Ficaram preocupados, mas gostaram tanto da cor do fruto que se esqueceram das lendas e mitos, nem sequer pensaram que poderia ter vindo da floresta. 

    Não sabiam como esse saquinho tinha aparecido à porta das casas, provaram e adoraram. Ofereceram aos pais e familiares, que primeiro gritaram: 

- Cuidado, não comam isso! Pode ser venenoso ou uma armadilha da floresta. - diziam os pais 

- Qual venenoso, ou armadilha, mamã e papá...claro que não é! Eu acabei de provar, e são uma delícia. Não sei quem as pôs aqui. - disse a Adolescente 

- Mais uma razão para não comer isso! Não sabemos. - diz uma mãe 

- Está bem, não querem provar, é quanto perdem! 

    A adolescente continua a comê-las deliciada. O adolescente faz o mesmo na casa dele, e as outras casas onde estava o saquinho com amoras. 

    Os pais decidem provar, a medo, mas primeiro rezam para que  não seja uma armadilha ou venenoso. Os adolescentes riem-se. 

    Todos comem e percebem que realmente tem um sabor irresistível, é bonito e não lhes aconteceu nada! Quando saem a porta, encontram-se com os outros vizinhos, e conversam sobre o saquinho das amoras que receberam. 

    Todos comeram a medo, mas acharam maravilhoso. 

- De onde terá vindo? - perguntam-se todos 

- Quem é que o terá deixado aqui à nossa porta, e para quê?  perguntam  todos 

    Quando olham para o chão veem várias amoras espalhadas pelo chão, até à entrada da floresta e no inicio desta. 

    Começam aos gritos, em pânico. 

- Eu disse que era uma armadilha! Ou veneno. - diz uma senhora com uma certa idade 

- Eu também. - concordam os pais da adolescente, em pânico. 

    Os adolescentes desatam às gargalhadas. 

- E agora, o que nos vai acontecer? - pergunta outro senhor

- É melhor chamarmos já ajuda, porque isto pode dar cabo de nós! - diz um senhor com alguma idade muito assustado 

    Os adolescentes não param de rir pelo exagero dos adultos, e por sentirem aquele pânico todo, ao pensar que vinha da floresta. 

- Eu vou entrar! - diz a adolescente 

- Eu vou contigo! - diz o adolescente 

- Eu também vou… - dizem todos os adolescentes 

- Vocês são loucos? - grita a Avó de um deles 

- Nem pensam no que estão a fazer! - diz outra Avó 

- Já deve ser efeito do veneno! - comenta um sr. 

- Só se riem, e ainda por cima querem entrar ali. - comenta outra Avó 

- Vamos, pessoal. 

    Os adolescentes, entram às gargalhadas na floresta. 

- Que irresponsáveis! - grita uma mãe 

- Voltem imediatamente. - grita outra mãe 

- São completamente loucos! - diz um pai 

- É da idade, mas vão-se arrepender! - comenta outro pai 

- Eu tenho pena mas não vou ajudá-los! Sempre tive, e tenho medo! - diz uma mãe 

- Eu muito menos - diz a Avó 

- Que assumam! - comenta um pai, nervoso - Eu também não me meto lá. 

- Nem eu! - dizem todos 

    Enquanto aguardam com expectativa e medo, a olhar para a entrada da floresta, os adolescentes, alguns a esconder e a disfarçar o medo, conversam alegremente, caminham, olham a toda a volta, para cima. 

    Apanham alguns sustos com alguns animais, que aparecem de repente. Continuam a andar e identificam muitos dos barulhos que achavam estranhos e ouviam de noite. 

    Percebiam que eram os guinchos, os gritos, os risos maléficos, que os faziam imaginar coisas. 

    Viram seres iguais a eles, pessoas, com alguma idade, outros mais novos, e crianças, que se refugiavam naquele sítio, e onde viviam desde sempre. 

    Famílias inteiras a viver em tendas de campismo, e árvores, muito simpáticos e acolhedores, com um estilo de vida muito próprio, diferente do deles. 

    Os adolescentes perguntam se foram eles que deixaram aqueles saquinhos de amoras nas portas. Eles responderam que sim. 

- O que são? - pergunta um adolescente 

- São amoras! Gostaram? 

- Muito! - respondem todos 

- Os nossos pais, avós, tios, vizinhos estavam cheios de medo de comer isso, a pensar que era venenoso, ou uma armadilha! - diz um Adolescente a rir 

    Todos dão uma  gargalhada. 

- Não! Podem estar descansados, que não é nenhuma armadilha, nem veneno! Porque pensaram isso? Nós oferecemos, porque faz parte da nossa cultura, para nunca nos faltar nada! Não pusemos antes porque deixamos noutras portas por aí, noutros lados, mas este ano, escolhemos vocês, que não conhecemos! Mas somos pessoas como vocês, trabalhamos na cidade, levantamo-nos muito cedo, outros trabalham de noite, temos horários diferentes, as crianças andam nos vossos colégios, e escolas. 

- Áh! Que giro! - dizem todos a sorrir 

- Nunca ninguém entrou aqui, porque há muitos medos, mitos e lendas em relação a esta floresta. - diz uma Adolescente

- A sério? - diz uma habitante surpresa a rir

- Sentem-se aqui um bocadinho connosco, e contem-nos, por favor. 

    Os adolescentes sentam-se numa manta, e todos ouvem o que os visitantes contam. Todos desatam às gargalhadas e os Adolescentes também. 

- E vocês acreditavam? - pergunta uma habitante 

- Ahhhh...no início sim… - diz uma Adolescente 

- Sentíamos medo, pelo que contavam e achávamos que era verdade, porque ouvíamos alguns barulhos no escuro, que já descobrimos de onde vem. Como não conhecíamos, também imaginávamos coisas estranhas.

(Todos riem) 

- Pois, nós também nunca nos encontramos antes, nem lá fora, nem cá dentro! - diz a habitante 

- Ficaram cheios de medo que nós entrássemos…! - diz outra Adolescente 

- Claro, entendo! O medo faz parte de nós, e faz-nos imaginar coisas que não existem, o que não conhecemos. É normal. As nossas crianças, filhos, e adolescentes da vossa idade também têm os seus medos de coisas absurdas. Até os Avós, e nós. - explica outra habitante. Nunca vimos nada aqui, do que eles imaginam. 

- Sim! - confirmam os Adolescentes 

- Estamos a aprender isso. - diz outro 

- Mas...eu vou convosco, buscar as vossas famílias e vizinhos para virem conhecer a floresta, e a nós, e perceberem que afinal o medo deles não faz sentido. Nada do que eles imaginam sobre esta floresta, nada do que contam, é verdade! 

- Boa idade! - concordam os Adolescentes 

    Os habitantes acompanham os habitantes até à entrada da floresta, numa conversa muito animada, a rir, a mostrar coisas. 

    Os pais, os Avós, os tios e os vizinhos ficam muito assustados, surpresos ao ver os Adolescentes com todas aquelas pessoas desconhecidas. 

- Estão bem, filhos? - pergunta uma Avó

- Ótimos! - respondem todos 

- Quem é esta gente toda? - pergunta uma mãe inquieta 

- Olá! Somos os vosso vizinhos, aqui da floresta cheia de mitos e lendas, terrores… .- diz uma habitante 

(Todos dão uma gargalhada) 

- Venham conhecer a floresta que vos assusta tanto, e vão ver que nada do que sempre vos foi dito, é verdade. - acrescenta outra habitante 

- Como assim? - pergunta outro Avô 

- Nunca vieram a esta floresta porque sentem  medo, não conhecem como ele é, e isso alimenta a vossa imaginação. Mas acompanhem-nos, e venham conhecer. - convida outra 

    Todos seguem os habitantes e entram na floresta. Primeiro, a sentir medo, ao lembrar de tudo o que diziam existir. 

    Depois, a perceber que afinal aqueles ruídos e barulhos, sons estranhos, eram da natureza e não tinham nada de terrível. 

    Os gritos e os guinchos que ouviam era o vento entre as folhas das árvores nos descampados a passar entre as searas de milho e trigo, as agulhas dos pinheiros altos. 

    Os risinhos e as vozes que ouviam sem se perceber o que diziam, eram as pessoas que viviam nas tendas e nas árvores, a conviver, e a conversar entre si. 

    As crianças a brincar e a rir, eram os risinhos diabólicos. Viram coisas que nem imaginavam ser possível existir naquele lugar misterioso. 

- Tão bonito isto! - suspiram e comentam os visitantes 

- Por causa do medo e do que nos contavam o que estávamos a perder! - comenta outro visitante 

- E nós acreditamos sempre...então o medo já era deles, e dos nossos avós, bisavós. Os mitos, as lendas, que inventavam, ninguém se atrevia a entrar aqui, mesmo não conhecendo, nem para conhecer. - lembra outra visitante

- Sim, acredito que sim. Nunca veio cá ninguém! É verdade, inventam cada uma, para não exporem a riscos desnecessários, e justificar de forma disfarçada o medo do que não conhecem! Nem permitem que outros conheçam, para não sentirem medo, sozinhas, e sozinhos. - diz uma visitante 

- É verdade! - confirmam todos os habitantes a rir 

    Ficaram encantados, com as paisagens e flores, frutos, cascatas, riachos, montanhas, prados muito verdes. 

    O gado que pastava sem pressa, outros deitados à sombra, alguns cavalos a correr livres pelos prados, ovelhas, vacas e bois, no repasto de erva suculenta. 

    Ouviram pássaros a cantar e a voar, de todos os tamanhos, patos a boiar, peixes de todas as cores, sol e sombra.

    Enquanto viam as maravilhas da floresta, ouviam o dia a dia dos seus habitantes, e entenderam que o medo falava mais alto, até lhes fazia ver e ouvir coisas que não existiam. 

    Como estavam errados, pediram desculpa, um pouco envergonhados, e a rir. Agradeceram as amoras, convidaram para voltarem sempre que quisessem e tudo o que precisassem, era só chamar. 

    Retribuíram, e nos dias seguintes, cumprimentavam-se, conversavam, riam, partilhavam alimentos e construíram uma linda amizade, uma família. 

    Passaram a ir mais vezes passear pela floresta, para apreciar todas as belezas, e conviver com os seus habitantes. 

    E vocês? 

Sentiriam medo de uma floresta que não conhecessem? 

Acham que as lendas, os mitos e o medo do que não se conhece, ou que tem um aspeto diferente, pode despertar medos? 

Que lendas e mitos é que já vos contaram, e que vos fizeram sentir medos? 

Confirmaram se existia mesmo? 

Continuaram a sentir medo?  

Se entrassem, o que viam? 

    Podem deixar nos comentários, o que quiserem. 

                                            FIM 

                                       Lara Rocha 

                                      16/Março/2025 


sexta-feira, 14 de março de 2025

O menino com estrelas nos olhos

     Era uma vez um menino não muito rico, que vivia com a sua família numa pequena casa, parecia frágil e desfazer-se a qualquer momento, num descampado de uma grande cidade, onde existiam mais casas, de pessoas a viver com dificuldades. 

    Na verdade, não tinham tantas coisas materiais como as crianças de agora, nem tecnologia, fugiam da Guerra, e da pobreza dos seus países. 

    Os pais trabalhavam, mas não faltava comida, higiene, livros, brinquedos, brincadeiras com os vizinhos, amigos e familiares ao ar livre, e nas casas uns dos outros. 

    Tinham muito amor, carinho, atenção, dedicação, diálogo, entre os pais e as crianças, interação e alegria, muitas gargalhadas, mesmo que às vezes não estivessem muitas horas com os filhos. 

    Quando estavam, estavam, inteiros, só para os filhos, com  carinho, amor, atenção, brincavam com eles, eles ajudavam os pais como podiam e sabiam nas tarefas, e os pais valorizavam, elogiavam, mesmo que não estivesse perfeito. 

    Eles próprios produziam muita da sua comida numa pequena horta, e partilhavam o que uns tinham e outros não, ou quando precisavam. 

    Não faltava roupa, bem tratada, limpa, passada a ferro, nem camas onde dormir, tinham cozinha, sala, casa de banho, sótão. 

    Eram crianças educadas, os pais estavam sempre preocupados em saber como iam na escola, falavam com os professores, pediam para ajudar os meninos, e era isso que faziam. 

    Crianças muito bondosas, como os pais. Cada um rezava várias vezes para agradecer tudo o que tinham, só pediam que continuassem juntos, com saúde, com comida, felizes, com comida, água, casa, cama, roupa, e o amor e carinho dos pais, dos irmãos, dos amigos, dos vizinhos e outros familiares. 

    Eram crianças e adultos com estrelas nos olhos, que faziam confusão aos coleguinhas da cidade, com mais bens materiais do que eles. 

    Não percebiam como é que não tendo o que eles tinham, nada, ou quase nada como achavam que era, conseguiam sorrir, rir, estar interessados nas aulas, ser bons alunos. 

    Um dia, um menino perguntou a esse coleguinha: 

- Desculpa, posso fazer-te uma pergunta? 

- Sim, claro! Faz…!

- Onde vives? 

- Já sabes onde vivo, é naquele descampado aqui da cidade, com mais pessoas, umas da minha cor, da minha raça, outras de outros lugares, e damo-nos todos bem! Mas não é só essa a pergunta, pois não? 

- Ahhh...bem...não quero ser demasiado aborrecido, mas...como é que vocês vivem? Não têm o mesmo que nós, pois não? 

- Temos muitas coisas que vocês têm! Uma casa, uma cama, pais, irmãos, primos, tios, água, comida, roupa, não nos falta atenção, amor, carinho, dedicação, conversa com os nossos pais e com os outros, brincadeiras. Não passamos frio, nem necessidades. 

- Mas vocês não têm telemóveis, nem mochilas de marca, nem roupa como a nossa, nem sapatos como os nossos, nem computadores. 

- Mas temos isso tudo, para que é preciso marca? Ou telemóveis e computadores? 

- Nós não vivemos sem isso! 

- Pois, já reparei, mas os professores deixam-nos fazer os trabalhos à mão, eu gosto. 

- Vocês não brincam? 

- Brincamos, e muito! 

- Com quê? 

- A muita coisa, ao que nos apetece, e ao que nos faz felizes. Temos brinquedos, brincamos ao ar livre, uns com os outros, e nas casas uns dos outros, temos livros, lemos muito. E tu, brincas? 

- Sim, quer dizer...com brinquedos não, brincamos com os telemóveis, jogos eletrónicos, já somos crescidos para brincar como tu. 

- Que asneira! Vocês não são felizes, pois não? 

- Somos...

- Sois? Não parece nada. Duvido que ao brincarem com essas coisas, sejam felizes, como nós. 

    O menino fica pensativo. 

- É a marca das roupas, lá essas coisas eletrónicas que vos fazem felizes?

- Sim...- diz o menino triste 

- Porque ficaste triste? 

- Porque...acho que na verdade não temos tudo o que tu tens para ser feliz. 

- O que vos falta? 

- Falta-nos...o estarmos mais tempo com os nossos pais, que trabalham muito, e ao fim do dia, estão cansados, querem descansar, deixam-nos com os telemóveis, jogos e trabalhos de casa, mas não têm tempo para brincar connosco, até porque já somos crescidos para isso, como eles dizem. 

- Os meus pais, e os nossos pais também trabalham, nem sempre estão muitas horas connosco, mas quando estão, fazem-nos felizes, dão-nos amor, carinho, atenção, falam connosco. 

- Pois, os nossos pais não têm tempo para isso, levam trabalho de casa e tudo. 

- Para quê? 

- Para nos darem tudo o que precisamos! 

- E isso deixa-vos feliz? 

- Acho que...agora que estou a falar contigo...acho que não! 

- Claro que não podem ser felizes! De que adianta ter tudo, material, do bom e do melhor, se os pais se sacrificam tanto para vos dar o que precisam, mas não dão o que precisam realmente, e o que vos faz verdadeiramente felizes? 

- Pois é! Tens razão. 

- Um dia destes, vais à minha casa, ver como somos felizes, sem essas vossas coisas. Está bem? 

- Está bem. Obrigada, desculpa se fiz alguma pergunta que não devia. 

- Não faz mal. 

    Os dois combinam uma visita ao descampado onde vive o menino com estrelas nos olhos. Ficou muito surpreso, por ser tão bem recebido, e por perceber que todos eram tão felizes com tão pouco, como ele achava. 

    Brincaram, riram, o menino apresentou o amigo a toda a gente, todos o receberam com carinho e sorrisos, ele visitou várias casas, que realmente não tinham muito luxo, como as deles, mas tinham o essencial e eram confortáveis, acolhedoras. 

    Os pais dos meninos foram todos muito simpáticos, acolheram-no como se ele fosse da família, divertiram-se à grande, ele brincou com brinquedos como já não fazia há muito tempo, e adorou, sentiu-se feliz, riu muito, com todos. 

    Percebeu que o menino tinha razão, que tinham tudo! E eram felizes, muito mais do que ele e os outros meninos que viviam em casas com eletrónicas, que tinham computadores, jogos eletrónicos, roupas e sapatos de marca. 

    Mas realmente, a relação entre todos não se comparava com a deles. Sentiu-se feliz, como nunca antes se tinha sentido. 

    Não lhe faltou carinho, bem brinquedos e muita gargalhada, amizade, e até lanches recheados. Decidiu que ia dizer aos seus pais, que sentia falta do amor, do carinho, da presença, da atenção deles, mesmo que não fosse muito tempo, e que queria voltar a brincar com brinquedos. 

    Aprendeu muito com este amiguinho, e antes de ir para casa, agradeceu, dizendo-lhe: 

- Muito obrigado, amigo. Por me ensinares o que é a verdadeira felicidade, que esta está na simplicidade, no amor, na amizade, no carinho, na presença, no ter o suficiente. 

- De nada! Anda mais vezes, serás sempre muito bem recebido e muito bem vindo. Aqui foste feliz, não foste? - diz o menino a sorrir 

- Sim, fui! Muito feliz. Obrigado por me ensinares e mostrares o que é a felicidade. Agora é que percebi porque é que tens estrelas nos olhos, tu, e os teus! Todos os que aqui estão. 

- Sim! De que achas que é? 

- É de felicidade! E ela está em coisas que eu nunca imaginei. 

- Pois é! - sorri o menino - volta sempre! Hoje também tens estrelas nos teus olhos. 

- São de felicidade! - sorriem os dois, e trocam um abraço - Muito obrigado por tudo! Voltarei, sim.

- Até amanhã! 

- Até amanhã! 

    E o menino vai para casa, feliz, conta aos pais, que se sensibilizaram, quiseram falar com os pais do amiguinho, para saber como conseguiam, aprenderam, e fizeram como eles, tornando o menino tão feliz como o amiguinho. 

    Levaram-no para casa, brincaram juntos, e com os outros amigos, riram muito, os pais arranjaram tempo para estar com o filho.  

    Só para ele, como faziam os pais do outro menino, deixaram de se preocupar tanto com o trabalho, e aprenderam com aquela comunidade o que era a felicidade, onde estava, a ficar com estrelas nos olhos como eles. 

    Tornaram-se quase uma família, e sempre que havia coisas que os filhos já não queriam, ou não vestiam nem calçavam, davam ao menino da comunidade e aos outros familiares, amigos, pais, primos, vizinhos.

    Aprenderam a partilhar, e recebiam outras coisas em troca. Quando isso acontecia, ficavam com estrelas nos olhos porque seria? 

Podem deixar os vossos comentários, se quiserem. 

                                                    Fim  

                                              Lara Rocha 

                                             13/Março/2025