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Era uma vez no jardim de uma casa grande, onde vivia uma família com dezenas de morcegos nas árvores.
As crianças sentiam medo de os ver esvoaçar no escuro da noite, mesmo depois dos pais e dos avós terem dito que eram morcegos, importantes para a Natureza, e para os humanos, não faziam mal.
Comiam mosquitos e outros insetos que apanhavam, e de dia ninguém os via. Como mesmo assim não conheciam, nunca se tinham aproximado deles, nem das árvores onde viviam, durante o dia, a imaginação das crianças, começou a funcionar, para ver se deixavam de ter medo.
- Como será a casa deles? - pergunta uma menina
- Os papás e os avós disseram que eram por aí, nas árvores. - afirma um menino
- Mas eles dormem de cabeça para baixo! - comenta outra menina
- Sim, e nas árvores existe muito espaço para dormirem de cabeça para baixo, imagino eu, porque todas as árvores aqui são enormes. - diz outra menina
- Pois é! Também não sei. - comenta outro menino
- Será que a casa deles tem salas, quartos, casas de banho, cozinhas, despensas, frigoríficos, fogões, lareiras, sofás, camas, cadeiras, mesas, armários e tudo o que nós temos? - pergunta uma menina
- Acho que não. - dizem todos
- Também acho que não. Eles são muito pequenos para caber nas árvores com isso tudo, e as árvores também não são grandes. - comenta um menino
- Eu acho que eles não devem ter mobília, dormem pendurados em qualquer lado! - afirma outra menina
- Pois, também acho. - concordam todos
- Será que eles têm cobertores? - pergunta uma menina
- Claro que não. Se dormem pendurados, onde é que vão segurar os cobertores, e os lençóis? - responde um menino
- Pois, é verdade! - concorda a menina
Espreitam pela janela, e veem as sombras dos morcegos muito pequeninos, pendurados.
- Olhem, estão ali… - repara uma menina
- A dormir cá fora? - pergunta um menino
- Devem estar com frio. - diz outra menina
- Não. Eles já são frios quando dormem. - afirma outro menino
- Parecem folhas! - comenta uma menina a rir
- Pois é. - dizem todos a rir
Chega o Avô e comenta:
- Então, o que estão para aí a dizer?
- Avô, olha os morcegos ali. - diz uma menina
- Estão cá fora! - exclama outra menina
- Sim, e depois? - pergunta o Avô
- Eles devem estar congelados! - comenta outra menina
- Parecem folhas...(todos riem)
- Querem ir vê-los mais perto? - desafia o Avô
- Está bem. - concordam todos
- Eles não vão acordar? - pergunta outro menino
- Não. - garante o avô
O Avô vai com eles a uma das árvores onde estão três morcegos muito próximos, a dormir, de cabeça para baixo, as asinhas fechadas sobre si mesmos, pendurados num raminho fininho.
- Olhem eles aqui! - diz o Avô
- Áhhhh…- exclamam as crianças
- São mesmo pequeninos! - repara uma menina
- Pois são. Olhem as asinhas deles...fechadas para dormirem e para não aquecerem, porque eles são de sangue frio, e só assim é que conseguem dormir. E para não verem a luz do sol. - explica o Avô
- Podemos tocar-lhes? - pede uma menina
- Sim. Com carinho e sem medo - diz o Avô
Cada menina e cada menino faz festinhas nos morceguinhos, primeiro com medo de tocar, depois, como os morcegos não reagiam, tocaram à vontade. Adoraram a experiência, soltaram risinhos e exclamações.
- Áhhh! Que giro, são fofinhos. - comentam
- São! E sabem uma coisa engraçada? Quando se magoam numa asa, ela cura-se sozinha. - conta o Avô
- A sério? - perguntam todos surpresos
- Sim! - garante o Avô
- Já viste algum assim, Avô?
- Aqui vejo todos os dias. E vi, quando andei na tropa, mas os morcegos eram gigantes.
- Gigantes? - perguntam todos
- Sim.
- Não tinhas medo deles? - pergunta uma menina, surpresa
- Não! - garante o Avô
- E eles não vos faziam mal? - pergunta um menino
- Não, nós não éramos refeição para eles. - diz o Avô a rir
- Eles também dormiam assim, pendurados? - pergunta outra menina
- Dormiam! - responde o Avô
- Nas árvores? - pergunta um menino
- Sim, e noutros sítios, como aqui. - responde o Avô
- Deviam ser pesados! - comenta outra menina pensativa a imaginar
- Eu peguei num ao colo, era pesadinho, sim. - conta o Avô
- Pegaste num ao colo? - perguntam em coro surpresos
- Ele não te mordeu? - pergunta outro menino
- Claro que não...ele estava a dormir! Eles é que têm medo de nós. - diz o Avô
- Têm? - perguntam todos surpresos
- Pois. - diz o Avô
- Porquê? - perguntam todos
- Não sei. Talvez...porque saibam que podemos fazer-lhes mal. Acham que somos uma ameaça para eles. Nunca lidaram connosco, como os cães, os gatos, e outros animais. Convivem connosco na paz, partilham o mesmo espaço que nós, mas não há qualquer perigo! - explica o Avô
- Nunca pensei! - comenta uma menina
- Nós é que temos medo deles. - diz um menino
- Não há razões para ter medo destes bichinhos. - garante o Avô
Todos riem.
- E a toca deles, tem mobílias? - pergunta um menino
O Avô dá uma sonora gargalhada
- Óh filho, achas que sim? Para que querem mobílias, se eles dormem pendurados em qualquer sítio?
- E quando está frio? - pergunta outra menina
- Eles caçam na mesma, e depois metem-se...talvez...numa toca! - explica o Avô
- Acho que está aqui uma toca! - repara uma menina
- É. Parece! Ora espreita… - sugere o Avô
A menina espreita para metade de um tronco com uma grande abertura e por dentro, parece ter escadinhas.
- É aqui, Avô, olha quantos estão a dormir pendurados aqui, nas escadinhas do tronco.
Todos espreitam.
- Realmente, não tem mobília nenhuma! - comenta um menino
- Claro que não. - diz o Avô a rir
- Estes também estão a dormir, com as asinhas fechadas sobre eles mesmos, para se aquecer, talvez. - comenta outra menina
- Onde é que eles guardam o que caçam, se não tem frigorífico? - pergunta um menino
- Eles não precisam de frigorífico para guardar o que caçam. Comem tudo na hora, quando têm fome, voltam a sair. Já comem quantidade suficiente para aguentar o dormir de dia. - explica o Avô
- Está ali outro, Avô! Debaixo do telhado da casota do cão. - repara outra menina
- Está sim, sra. Deve ser por isso que o cão ladra tanto.
- Será que ele não tem medo do cão?
O Avô ri:
- Claro que não tem medo do cão. O cão não lhe chega, nem tem medo dele, ladra só para o cumprimentar. Olhem quantos estão ali, no fio onde antes se punha a roupa a secar!
- Áh! Que giro. - comentam em coro
- E onde é que eles têm casa de banho? - pergunta uma menina
- Fazem em voo. Achas que estão preocupados como nós? Não precisam de casa de banho, nem de mobílias. - responde o Avô a rir
- Eu pensei que a toca dos morcegos também era uma casa como a nossa! - comenta uma menina
Todos riem
- Eu também. - diz outra menina
- Não, já têm tudo o que precisam. Dormem onde possam ficar de cabeça para baixo, e à sombra, à fresca, o resto não precisam de mais nada. Só precisam de comida. - comenta o Avô
- Uau! - suspiram todos
- E como é que eles veem a comida? À noite, têm lanternas? - pergunta outra menina
O Avô dá uma gargalhada
- Claro que não têm lanternas, mas têm detetores, uma espécie de radares, nos bigodes e os olhos é como se fossem infra vermelhos que lhes indicam onde estão os petiscos.
- Que giro! - exclamam todos
- Vamos dar por aí uma volta, a ver se encontramos mais. - convida o Avô
- Ali, Avô, debaixo daquele telhado onde se guardam as espigas.
- Isso mesmo, no espigueiro. Olha como eles dormem ali. À sombra, sossegados, de cabeça para baixo até à noite. - responde o Avô
- E caçam a noite toda? - pergunta outro menino
- Talvez! Deve ser também por isso que dormem o dia todo. Também não gostam de muita luz. A luz do dia não os deixa ver a comida. - responde o Avô
Continuam à procura de morcegos, e reparam em muitos morcegos pendurados nos sítios mais estranhos, conversam e riem, ficam encantados com o que veem.
- Eu gostava de ser morcego, nem que fosse só uma noite! - diz um menino
- Que nojo! Ias comer insetos...! - comenta uma menina
- Para que queria ser morcego? - pergunta outro menino
- Só para ver como é que eles ficam à noite, como é que eles veem a comida à noite, como é que veem as cidades e as aldeias, os campos. - imagina o menino
- Devia ser giro! - diz outra menina a rir
- Eu não queria ser morcego! - comenta outro menino
- Porque não?
- Não gosto de dormir pendurado...quer dizer, acho que não ia gostar.
- Se fosses mesmo morcego, ias gostar, porque era assim que dormias, e que dormem todos os morcegos. - diz uma menina
- Pois. - dizem todos
- Eles são muito leves e livres! - diz uma menina
- Acho que também gostava de ser morcego uma noite, e dormia numa gruta cheia de cristais. - diz outra menina
Todos riem
- Isso também gostava, e com água! - acrescenta outra menina
À noite, espreitam pela janela, e veem dezenas de morcegos a esvoaçar numa correria de um lado para o outro.
Agora já não sentem medo, e riem às gargalhadas a ver a agitação, com voos cruzados, a subir e a descer, outros a pousar nas tocas, depois de um bom bocado a caçar.
Assim, perderam o medo dos morcegos, e todos os dias, apreciavam-nos da janela, riam, imaginavam histórias com morcegos, viam-nos de dia, faziam-lhes festinhas.
E vocês?
Gostavam de ser morcegos por uma noite?
Como seria?
O que veriam?
Onde dormiriam?
Como imaginam as tocas dos morcegos?
Já viram morcegos ao vivo? Como eram?
FIM
Lara Rocha
6/Outubro/2024
Boa noite.
ResponderEliminarOs morcegos são incompreendidos, já vi alguns. Uns dentro de uma biblioteca numa visita de estudo e outros por aqui, de vez em quando também se vê.
Gosto deles são engraçados. Gostava de ser um morcego por uma noite, para voar e ficar de cabeça para baixo sem sentir tonturas.
As crianças são curiosas mesmo, também era assim🥰.
Beijinhos,
Mariana.
Olá Mariana, obrigada! Adorei a resposta 😃 também já vi morcegos ao vivo, vejo frequentemente, já tive oportunidade de tocar num morcego que estava a voar desorientado no corredor de uma casa, foi uma experiência muito especial. Outro morcego estava a dormir numa loja onde antes se guardavam garrafas de vinho. Foi muito giro. É verdade, a imaginação das crianças e curiosidade delas são fantásticas, além da inocência. Eu acho que também seria interessante poder ser morcego uma noite ou várias e visitar todas as cidades, monumentos onde pudesse entrar à noite 😅😂 gosto de imaginar. Dormir pendurada... hummm... se não tivesse tonturas talvez 😉 obrigada pelo comentário. Beijinhos, Lara Rocha
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