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sexta-feira, 3 de maio de 2019

As velas

           


             Era uma vez uma caixa de velas, levada por uma menina que queria acendê-las pela paz e como agradecimento aos Anjos pelos Pais que tinha, pela boa saúde, pela comida e pela casa. Quando tentou acendê-las com um isqueiro, elas não acenderam. Tentou com fósforos, elas tossiram e não acenderam. Tentou acendê-las na boca do fogão, e elas acenderam uma chama fininha e pequenina. A menina sorri, põe-nas em cima da mesa, fecha os olhos a sorrir e reza. Quando abre os olhos, as velas estão apagadas e sem cera. A menina fica muito surpresa.
- Estas velas não prestam! E agora como vou rezar? Mãe…- Resmunga e chama a menina a gritar
- O que foi, filha?
- Comprei estas velas que a Dona Gazela me indicou, queria rezar, acendi de várias maneiras, só consegui na última, no bico do fogão. Mostraram uma chama muito pequenina e fininha. Quando fechei os olhos e abri, estavam apagadas.
- Não te preocupes, o teu pedido chega lá na mesma.
- Não era um pedido, era um agradecimento.
- Muito bem, seja o que for, chega lá.
- Como é que chega lá sem velas?
- Claro que chega lá sem velas. O que interessa é a tua intenção e a sinceridade com que rezas.
- Áh!
- É. Deixa as velas para quando não houver luz.
- Mas como é que eu sei que eles nos ouvem?
- Claro que ouvem! Também sabes que eles existem, e nunca os viste, certo?
- Certo.
- Com as orações é o mesmo.
- Áh! Pensei que as velas é que faziam chegar mais depressa ou com mais força a oração.
- Não.
- E agora o que faço?
- Metemos ali as velas, para quando for preciso. Pode ser por estar frio e elas não acendem.
- Elas também têm frio?
- Sim.
- Como é que sabes?
- Sei. Elas também são natureza como nós. Reza na mesma, sem velas.
- Está bem.
          E a menina agradece aos Anjos sem velas, explicando-lhes porque é que não tinha velas acesas. Sai da cozinha e deixa as velas. As velas conversam entre si:
- Ufa! Que gelo.
- Está mesmo.
- Também sentem frio?
- Claro!
- Ei, esperem aí...estamos num sítio diferente.
- Pois estamos. Não ouviste a conversa da rapariga?
- Ela queria ver-nos acesas!
          Começam todas a rir
- Para rezar…
          Todas riem
- Santa inocência.
          Riem alto
- Estes humanos são mesmo bichos estranhos.
- Acho que precisam de um bocadinho de fogo…!
- É!
- Até eu não me importava de ter um foguinho perto de mim.
          Riem
- Pois, um foguinho em cima de ti...queres tu dizer.
- Ai, que maliciosa…
           Gargalhadas
- Brincalhonas. Era só para aquecer um bocadinho o ambiente.
           Todas riem
- Por falar em gelo...Andam muito gelados.
- Quem? Nós, ou eles?
- Eles!
- E nós por arrasto.
- Pois, é por isso que nós também não conseguimos acender.
- Claro!
- Ei...está-me a cheirar a fumo!
- A mim também.
- Malta...acho que fui eu, desculpem.
           Gargalhadas.
- Pelo menos quebraste um pouco este gelo à nossa volta.
           Riem outra vez.
- Será que alguma de nós consegue dar um bocadinho de calor?
- Podemos tentar.
- E como fazemos isso?
- Encostamo-nos.
- Mas já estamos encostadas e não acendemos.
- Acho que estamos congeladas.
- E se dermos as mãos?
- Boa.
           As velas dão as mãos.
- Vamos pensar na nossa amizade, para ver se acendemos.
           As velas pensam na amizade entre elas, e acendem uma gigantesca chama. Ficam surpresas e sorriem.
- Resultou.
- Áh que bom!
- É porque a nossa amizade é mesmo sincera.
- Claro.
- Alguma tinha dúvidas disso?
- Não!
- Áh!
- Que quentinho delicioso.
- Mas esperem… porque é que não acendemos com a rapariga?
            Ficam em silêncio, pensativas.
- Se calhar é por ela não ser nossa amiga.
- Ou talvez pelo gelo que há entre as pessoas como ela.
- E há assim tanto gelo entre as pessoas como ela?
- Ouvi dizer que sim.
- Devia ser por isso que estávamos congeladas.
- Se calhar a oração da menina não era sincera.
- Pareceu-me sincera.
- Mas ela chamou-nos porcaria.
- Óh, isso não é para levar a sério. Já sabem que esta gente das cidades é assim.
- Acham que devíamos acender outra vez, para a menina?
- Acho que ela não nos vai tocar mais.
- Porque não?
- Acho que ficou muito zangada.
- Por isso é que não acendemos.
- Áh! Claro. - dizem todas
            Elas continuam a conversar, até que quando já estão quentes, apagam-se. Durante muitos dias, a menina rezava sem acender as velas. Um dia acendeu e elas iluminaram os lindos olhos da menina.
- Podemos ficar acesas.
- Ela é sincera.
           Dizem umas às outras. A menina abre um grande sorriso e faz a sua oração. No fim, canta. Elas ficam encantadas com a voz da menina, e aumentam a sua chama.
- Obrigada. - Diz a menina às velas
           Sopra-lhes:
- Até amanhã.
           As velas apagam-se. No dia seguinte, a menina volta a acender as velas. Mas de repente, um vento cortante, regelado, entra pela frincha da janela, sopra forte, abre a janela com força e congela as velas. Elas ficam cobertas de neve, tal como toda a cidade. A menina grita assustada, fecha a janela, tenta acender as velas, mas elas não acendem.
- Maldito vento! E agora?
           A menina mete os pés das velas em água quente, e cai o gelo, mas como estão molhadas não acendem. Ela deixa-as secar, cobrindo-as, enroladas numa manta fofa que usa para se deitar no sofá. No dia a seguir acordam a tremer de frio. A menina vai vê-las, elas aquecem, e voltam a acender. Eram umas velas muito sensíveis, como a menina. E assim surgiu uma troca de amizade entre as velas e a menina, que as levou para o seu quarto, e que as acendia sempre que queria rezar ou agradecer.

                                                                 FIM
                                                                 Lálá
                                                            3/Maio/2019
                       



         

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