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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O espantalho medroso


        Era uma vez um espantalho que vivia num campo de produtos alimentares, em cima de um pequeno armário onde se guardavam os cereais como milho, trigo, centeio e outros. Além dos produtos, o campo tinha enormes girassóis.
O espantalho era de palha, estava vestido, calçado e tinha sido levado para o campo há muitos pouco tempo. De dia gostava de estar lá, do sol, das cores, tinha sempre a companhia das pessoas, ouvia muitos barulhos diferentes, mas logo que escurecia e as pessoas voltavam para casa, ele ficava mais triste, e quando era noite, ficava muito triste.
Sentia-se muito sozinho, o mais pequeno barulho assustava-o, porque todos lhe eram desconhecidos, e não conseguia ver nada. Ele quase nem se mexia com medo. Não segurou mais as lágrimas, e soluçou, mas parou quando um gato foi com as suas patinhas de lã, muito levezinho pelo campo fora a farejar.
Quando encontrou o espantalho ele já tinha visto, disse-lhe:
- Boa noite!
O espantalho estremece, fica gelado e responde a medo:
- Ai que susto! Boa noite! Quem está aí? Vai-te embora…não podes comer os cereais aqui do armário…xôôô…
- Ei…! Não estás a ser nada simpático! – Diz o gato
- Não tenho que ser simpático! Tenho de proteger os produtos dos meus donos
- Entendo! Mas comigo não precisas de falar assim…eu sou da casa! Sou um gato, um dos muitos que foram acolhidos por estas pessoas queridas!
- Não foram muito queridas, pelo menos comigo, deixaram-me aqui sozinho, nesta escuridão! – Lamenta o espantalho
- Tu és um boneco de palha, certo?
- Certo!
- Então, a tua função não é assustar ou afastar vadios que queiram roubar ou comer os cereais e essas coisas deliciosas?
- É!
- E tens medo?
- Sim. Está muito escuro aqui! Acho que não me deviam deixar cá fora de noite.
- Mas de noite é que é preciso tomar conta…!
- Porquê?
- Porque de noite é mais fácil roubar ou comer…
- E tu, não tens medo?
- Não! Já estou habituado! Mas diz-me do que tens medo?
- Não há luz aqui! Eu gostava de ter luz! Está muito escuro. E estes barulhos que não conheço!
- Não está tudo escuro; se não eu não te tinha visto, e vejo-te!
- Se calhar já conheces o terreno!
- Sim, mas não é só por isso! Olha para a tua frente…
- Áh! Estou a ver alguma coisa.
- Claro! No sítio onde estás é escuro, mas por cima de ti, e à tua volta há luzes. As da rua, as da casa, a da lua e das estrelas…olha! Ali em cima…aquela bola enorme e as pintinhas todas à volta!
- Áh! Que lindo! Pois é! Nunca tinha visto aquilo.
- Claro! Só se vê de noite. E se tens medo, tudo à noite parece muito mais assustador, há muitas sombras, as coisas parecem transformar-se em gigantes, monstros, criaturas horríveis…tudo fica mais inspirador para a criatura medricas.
- Como é que sabes isso?
- Já passei pelo mesmo.
- Então também já tiveste medo?
- Claro! Toda a gente, e animais incluídos, têm medo! Enquanto não conhecemos os espaços, e as coisas que nos rodeiam, temos medo.  
- E quem é aquela de que falaste? Mora aqui?
- Aquela quem?
- A criatura de que me falaste.
- A criatura medricas?
- Sim!
- É uma criatura que está por todo o lado.
- Como é que ela é?
- Ela está aqui agora. É difícil descrevê-la.
- Onde está? Não vejo ninguém.
- Pois. Mas está!
- Então como consegues vê-la?
- Ela vive na nossa cabeça! É ela que nos faz ter medo! É ela que transforma tudo o que vemos, em coisas horríveis!
- Como é que sabes?
- Também vive na minha…quer dizer…já viveu, mas depois saiu.
- E para onde foi?
- Não sei! Sei que às vezes ainda me vem visitar, mas por pouco tempo.
- Quando tens medo?
- Isso mesmo!
- E de que tens medo?
- De algumas coisas.
- Quais?
- Do que não conheço, de alguns sítios, e de alguns animais.
- Áh! Mas…e estes barulhos?
- Estes barulhos sempre estiveram aqui. São pequenos insetos que cantam! E outros brilham, dão luz. Tu não estás sozinho…
O gato explica-lhe tudo e convida o espantalho a ir dar uma volta pelo campo, para o conhecer, enquanto conversam alegremente um com o outro. O espantalho vai muito assustado, e pára muitas vezes, vai com os olhos muito abertos, e o corpo muito preso.
O gato ri-se e diz-lhe:
- Não precisas de abrir tanto os olhos, deixa-te ir…confia em mim. Aqui não há perigo, podes andar à vontade! Olha os meus amigos…Olá boa noite, malta.
Os outros gatos aproximam-se, o gato apresenta-os, e criam logo uma linda amizade com o espantalho. O espantalho aprende a conhecer muito bem o terreno e fica deliciado a ouvir os barulhos das cigarras e grilos a cantar.
Depois, um outro espantalho, do campo vizinho, também se torna amigo dele, e os dois começam a ter longas conversas um com o outro, e a juntar-se para ver as estrelas, passear pelos campos com os gatos.
Uns dias depois, uma fada dos campos ofereceu uma luzinha a cada espantalho, pendurando-a no seu pescoço, e pôs outra luz maior aos pés de cada um.
O espantalho vizinho apresenta outros espantalhos, de outros campos, e encontraram-se muitas vezes para conviver. Com a amizade que o espantalho criou, com os gatos e com os espantalhos, nunca mais se sentiu sozinho, e perdeu alguns medos.
Quando todos tinham medo de alguma coisa nova, ou barulho estranho, rapidamente deixavam de o ter, porque abraçavam-se uns aos outros, ou davam as mãos, e iam todos juntos, ver o que era.
Quando percebiam que não era nada de tão assustador quanto imaginavam, respiravam de alívio e riam-se.  
Eles sabiam que o medo muitas vezes não existia mesmo, e alguns eram só da sua imaginação, que se desfaziam quando viam que não era nada de tão perigoso…o medo ajuda-nos a proteger, e a ter mais atenção!
O medo faz parte de nós, e todos nós temos medos! Uns podem ser mais reais do que outros, uns desaparecem rápido, outros demoram mais tempo.
Uns aprendemos, outros criamos e outros não sabemos como nascem…quer dizer…imaginamos.

E vocês, do que têm medo? Peçam a um adulto para vos falar dos medos. Eles também os têm!
Fim
Lálá
(30/Outubro/2016)


            

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