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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

De gritos para canções




















Era uma vez uma menina quase adolescente, que estava sempre a gritar, não conseguia falar baixo, e quando falava baixo, os seus gritos transformavam-se em lágrimas, por isso, quando tal acontecia, ela tinha de fugir e gritar num sítio onde não incomodasse ninguém.
Mas um dia, nesse lugar onde ela foi para gritar, apareceu um ser muito misterioso, um rapaz adolescente, calado, alto, elegante, todo vestido de roupa preta. Ela assustou-se e engoliu o grito para não incomodar o rapaz.
- Ai…acho que vou rebent (com uma voz fininha e baixinho, até que grita outra vez) aaaaaaaaaaaaaaaaaaarrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...Desculpe! – Diz a menina a tossir
O rapaz dá uma sonora a dobrada gargalhada:
- Mas o que é que te mordeu?
- Nada!
- Estavas a gritar, pensei que algum bicho te tinha dado uma dentada.
- Não.
- Então porque estavas a gritar?
- É que…não consigo evitar…sinto umas coisas a subir pela minha garganta, e tenho que gritar, se não, fico muito mal disposta.
- Vens para aqui gritar?
- Sim.
- Porquê?
- Para não incomodar as pessoas com os meus gritos.
- E porque é que gritas?
- Não sei.
- É mais forte do que eu.
- Já fazes isso há muito tempo?
- Sim, desde bebé.
- E já foste ao médico?
- Já.
- E então?
- Ele não viu nada.
- Então já é de ti.
- Sim.
- Mas porque o fazes?
- Não sei. Sei que fico muito aliviada.
- Ora…grita lá.
- Óh, é melhor não…
- Vá lá.
- Não…vou incomodar…
- Não incomodas nada. Eu quero ouvir.
- O quê?
- Sim, eu quero ouvir-te gritar.
- Tens a certeza do que me estás a pedir?
- Tenho.
- Acho que não vai ser boa ideia.
- Anda…grita.
- Bem, se é isso que queres…
            A rapariga começa a gritar, e a fazer movimentos com o corpo, gestos que acompanham os gritos. O rapaz fecha os olhos, ouve-a, e diz:
- Chega.
            Ela cala-se muito surpresa. Ele sorri:
- Uau. Que linda voz.
- Ãh? Estás a gozar não?
- Não. Estou a falar muito a sério. Arrepiaste-me.
- Isso deve ter sido de nervoso…pelo menos é o que toda a gente me diz…que os meus gritos provocam arrepios de nervoso.
- Isso é insensibilidade.
- Eu acho que eles têm razão.
- Não. Tu dás tudo, os teus gritos ganham vida, têm emoções, todo o teu corpo falou enquanto gritaste…
- Mas…
- Alguma vez cantaste?
- Sim, mas rapidamente me mandaram calar.
- O que é que te acontece quando não gritas?
- Parece que rebento, e choro.
- Gostavas de cantar?
- Acho que…até gostava.
- Então vamos experimentar.
- O quê?
- Sim.
- Mas, o que é que tu fazes?
- Depois conto-te, agora quero ouvir-te.
            Ela começa a gritar, ele ouve atentamente, e responde com um tom de voz mais grave, mas igualmente bonito. Parece que os dois entram num lindo diálogo de ópera, com movimentos e gestos a acompanhar as vozes. A rapariga fica encantada com a voz dele.
A certa altura, ele manda-a gritar baixinho, e os gritos dela transformam-se em lágrimas, que ele transforma em notas musicais a sair dos olhos, apanha-as e mete-as numa bolsinha especial.
- O que é isso que guardaste?
- São as tuas lágrimas.
- Para que queres as minhas lágrimas?
- Para transformá-las em letras de músicas. Vou ouvir as tuas lágrimas, e compor canções para cantarmos juntos.
- Ááááááááááhhhhhhhh… nunca outra ouvi.
- Vais ver que vai ficar maravilhoso. Por favor…de cada vez que chorares, guarda as tuas lágrimas e traz-mas. Pode ser?
- Se fazes assim tanta questão…
- Sim! E cantaremos mais vezes juntos…aparece aqui, quando precisares de gritar.
- Combinado.
- Obrigado. Até à próxima.
         O rapaz desaparece, e ela fica pensativa. Cada um vai para sua casa, e o rapaz explora as lágrimas da rapariga, como notas musicais, compõe dezenas de letras para canções, experimenta, sorri, comove-se, e brinca com as notas musicais.
       Uns dias mais tarde os dois votam a encontrar-se, e a rapariga dá-lhe um frasco com mais lágrimas. Ele põe-na a ouvir as canções que compôs com as lágrimas dela. Ela fica muito surpresa, e ao mesmo tempo encantada.
- Uau! Estão maravilhosas…são lindas as canções! – Diz ela a sorrir
- Também achei. Vamos experimentar?
- Está bem.
E os dois cantam as canções dele, com muita delicadeza, suavidade, leveza e sorriem. Cresce entre eles muita cumplicidade, amizade, carinho e a paixão pela música. Ele leva as outras lágrimas dela, e compõe mais músicas.
Uns tempos depois, os dois vão pelas ruas mostrar as suas canções, e todos aplaudem, até dão moedas. Com o dinheiro que juntaram, conseguiram gravar o primeiro CD, e a partir daí não pararam mais. Tiveram muito sucesso, foram muito aplaudidos e solicitados para atuar.
Afinal, os gritos da rapariga eram um talento escondido, que se transformaram em canções, e foi descoberto por uma alma sensível.

FIM
Lálá

(12/Outubro/2016)

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