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sábado, 30 de janeiro de 2016

A chama e a gotinha


Era uma vez uma chama pequenina que vivia num candeeiro com a sua família e tinha começado a usar óculos no dia anterior. Via muito mal, mas com os óculos já via bem. Estava muito feliz e curiosa para ver como tudo era lindo e saber se era diferente.
Foi passear e estava tão distraída a ver tantas coisas novas que nem imaginava que existiam à sua volta e quase entrava num grande forno. Só não entrou porque uma gotinha de água que vivia no poço ao lado sentiu alguma coisa de estranho, achou que quando estava deitada na sua caminha viu passar uma chama. Foi à superfície e estava certa! Viu mesmo!
As chamas do forno recebera muito mal a chama, não lhe disseram coisas simpáticas e levantaram-se a gritar, preparavam-se para lhe fazer mal, mesmo sendo todas chamas. A gotinha de água não gostou nada e mandou parar as chamas. Como é água, as chamas obedeceram de imediato, porque têm muito medo dela e voltaram a deitar-se.
A chama respirou de alívio.
- Ufa, que susto. Muito obrigada…salvaste-me. Só não te abraço porque não te conheço…!
- (ri) Só não me abraças porque tens medo! Eu sou uma gota de água, e tu és uma chaminha, estou a ver.
- Sim, isso mesmo. Mas tu lês pensamentos é?
- Eu? (ri-se) Não! Porquê?
- Como é que sabes que eu não te abraço porque…
- Tens medo.
- Sim…
- (ri) Não é preciso ler pensamentos. É normal. Todas as chamas têm medo da água. Mas eu não molho, por isso, podes abraçar-me, se quiseres.
- Não molhas?
- A ti, não!
- Porque não?
- Porque és das boas.
- Há chamas boas e más?
- Claro que há. E gotas boas e gotas más.
- Mas como é que sabes que eu sou uma chama boa?
- Percebo pela tua cor.
- Áh…! Que estranho.
- Há muitos mistérios sem resposta…mas é isso que torna tudo mais mágico e especial. Queres experimentar, abraçar-me?
- Eu posso?
- Podes.
A chama abraça a gotinha, com medo.
- Para quê, medo? – Pergunta a gotinha
- Como é que sabes? – Pergunta a chama
- (ri) Abraça-me…simplesmente. Admito que tenhas medo de muita coisa, mas de abraçar…!
- És misteriosa… - Comenta a chama
E as duas dão um longo abraço a sorrir. A chama cresce e a sua luz torna-se mais forte.  
- Ai…que bom! – Diz a gotinha
- Gostaste? – Pergunta a chama
- Adorei. Já há muito tempo que eu não recebia um abraço tão bom.
- Ainda bem…eu por acaso recebo muitos abraços.
- Que sorte! (e muda de assunto) E por falar em sorte…Tiveste sorte! Eu estava acordada e pareceu-me que te vi passar…vim certificar-me que tinha visto mesmo o que achei que vi. E acertei.
- Não percebi o que acabaste de dizer…
- O que eu disse foi que se eu não te visse, elas tinham-te derretido.
- Que medo! Conhece-las?
- Conheço.
- Elas são más?
- São! Horríveis. Mas têm-me respeito…
- Eu dizia…medo.
- Talvez. Mas ainda bem que têm medo.
- Porquê?
- Porquê, o quê?
- Porque é que elas têm medo de ti?
- Porque sou água, e elas são…fogo.
- Ááááhhh…mas onde estavas?
- Na minha casa.
- E onde é a tua casa?  
- No poço.
- No poço?
- Sim. Ali. (aponta)
- Como é que me viste passar?
- Estava deitada e vi-te passar. Elas iam dar cabo de ti. O que fazes por aqui sozinha? É perigoso andar por aqui à noite.
- Nunca me disseram que era perigoso andar por aqui, isto é muito sossegado.
- Como vês, os perigos estão escondidos. É preciso ter muitos pares de olhos e estar com todos os sentidos em alerta.
- Eu só tenho dois…
- Dois olhos? Eu vejo quatro-olhos (diz a gotinha irónica)
- Quatro? – Pergunta a chaminha muito surpresa
- Sim, os teus e essas rodas que tens por cima dos teus olhos.
- Áhhhh…tu queres dizer os óculos?
- Claro…
As duas dão umas valentes gargalhadas…
- Eu estava a ver mal, mas agora com os óculos vejo bem. Foi por isso que sai agora de casa, para ver como eram as coisas à noite, se eram muito diferentes com óculos e sem óculos.
- E a que conclusão chegaste?
- Sim, são muito diferentes. Tudo é muito mais especial com óculos. Tu vês bem?
- Sim, felizmente. Muito bem. A noite pode ter as suas belezas, mas o dia é muito melhor. Tudo se torna muito mais bonito, e vês muito melhor todas as belezas. Eu recolho muito cedo, porque já sei como são as coisas à noite.
- Eu não sabia.
 - Queres ir dar uma voltinha?
- Sim.
- Posso acompanhar-te?
- Podes.
As duas passeiam sem pressa, conversam, e a gotinha mostra muitas coisas bonitas. Param várias vezes para apreciar encantadas, o bailado com coreografias dos pirilampos, acompanhados pelos cantos das cigarras e dos grilos, e aplaudem. Vêem fadas a repousar debaixo de cogumelos, e borboletas a dormir em flores, cobertas com as suas pétalas.
Mais à frente, num enorme campo encontram-se com mochos e corujas, amigos da gotinha, que recebem carinhosamente a chaminha, e mostram as sombras deles no chão, provocadas pelo reflexo da enorme Lua cheia, que parece dia.
Começam a voar e a pisar as sombras, uns dos outros, a correr, a fugir, a tentar apanhar e a rir às gargalhadas. A chaminha nunca tinha brincado assim, e está muito feliz, divertida.
Mas os seus pais estão muito preocupados, e saem de casa à procura dela. Andam vários metros, e encontram-na. Respiram aliviados, e vêem-na tão feliz que deixam-na estar…rapidamente ficam também contagiados e entram na brincadeira.
- Mamã…Papá…?
- Continua! – Dizem os pais
E juntam-se mais sombras, mais brincadeira e muitas gargalhadas. Depois, um dos mochos leva-os ao riacho grande, com uma cascata, onde ouvem deliciados, os cantares das águas a passar nas pedrinhas, e a cair das cascatas.
Vêem e ouvem um delicioso espectáculo das fadas aquáticas, onde estão muitos outros animais a ver, quase hipnotizados com tanta beleza, e aplaudem.
Terminado o espectáculo, que vai pela madrugada, tudo fica em silêncio…e como perderam a noção do tempo, e o sono nessa noite, assistiram a um nascer do sol como nunca antes tinham visto…pelo menos que se lembrassem.
Para os mochos e corujas já não era novo, pois eles vêem todos os dias, mas até para eles, todos os dias em que nasce o sol, são diferentes, lindos e especiais. Não há um único nascer do sol igual ao outro, porque também o vêem sempre de lugares diferentes, e reparam em pormenores nunca antes vistos.
Trocam agradecimentos, carinhos e cada um vai descansar para a sua casa, feliz. A gotinha e a chaminha, e as suas famílias tornaram-se grandes amigas, quase família, encontraram-se todos os dias para brincar, passear, conversar e ver coisas novas.
Às vezes a amizade nasce do inesperado…da surpresa…em momentos de aflição, e pode durar para sempre, se for bem tratada.
FIM
Lálá

(30/Janeiro/2016)

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