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terça-feira, 17 de setembro de 2024

A brincadeira da menina Outónia

 Era uma vez uma menina chamada Outónia que todos os anos visita o Planeta Terra, mas este ano está desmotivada e triste, revoltada, porque de ano para ano, deixam de reparar na sua chegada. 

Ela gosta de ser o centro das atenções, adora oferecer coisas bonitas, mas se não reparamos nesses presentes, fica triste. Nos últimos anos, a Outónia percebeu uma grande mudança na forma como os habitantes lidam com ela. 

A pobre menina tem-se sentido invisível, reparou que muitos dos habitantes vão a olhar para os telemóveis, completamente absorvidos naqueles minúsculos aparelhos, pela rua e em todo o lado. 

Passa por todos, e ninguém a vê, nem um sorriso, nem para uma árvore ou uma simples folha olham, ou um passarinho pequenino. A menina Verona que estava quase de saída da sua estadia em Portugal, vê a Outónia a espreitar à janela numa nuvem, triste, a olhar para Portugal. 

- Olá Outónia! - diz a Verona 

- Olá! - responde a Outónia 

- Como estão a correr as tuas férias? - pergunta Verona 

- Bem, e as tuas? - pergunta Outónia 

- Também! Já estou quase de regresso a outro lugar. 

- Eu não vou para aí este ano. 

- Não vens? Como não vens? 

- Não! Podes ficar aí mais tempo, ou a Invernia já pode vir também. 

- Mas...o tempo dela ainda não chegou! Não podemos passar umas por cima das outras, chegamos para tudo. E somos amigas, vimos para aqui no tempo que temos de vir. Eu ainda tenho mais lugares para onde ir! Tenho sempre alguém que me substitua, e és tu, Outonia! A mãe, quer assim. 

- Eu sei, mas arranjem outra! A Primavera ou inventem outra! - diz a Outonia desanimada 

- Não me parece que isso possa acontecer, ou que alguma vez vá acontecer! 

- Azar o deles. Também, não fará diferença para esses aí. 

- Quem? 

- Os que vivem aí em baixo.

- Porque não? Claro que faz diferença. Eles precisam de nós as quatro, todos os anos. 

- Isso era antes! Agora só querem aquelas coisas nas mãos, só olham para aquilo e nós não existimos. 

- Isso é verdade, e é triste, mas não é caso para não vires, porque ainda há quem repare em nós. Ainda vejo gente a passar sem essas coisas nas mãos, e a olhar para as árvores, para as folhas, a sorrir por sentirem o vento, crianças divertidas a pisar folhas que caem...- relembra a Verona 

- A sério? 

- Sim. Estás triste, já percebi! - diz Verona 

- Eu cansei de ser ignorada! Se não for, não faço diferença. 

- Óh! Não digas uma coisa dessas, vens e logo vês! Há sempre alguém que repara em nós. Tu é que só estás a ver e a pensar em quem não repara...para quê? Para ficares triste. Mas quem repara, fica feliz de nos ver. 

- Achas? 

- Tenho a certeza! Anima-te. Está quase a chegar o teu dia. 

Chegou o dia em que a Verona saiu de Portugal, e a Outónia chegou. Como estava triste, trouxe muitas nuvens carregadas e frio. Ouviu muitas reclamações, de gente que passou cheia de pressa, passeou vagarosamente. 

E quando viu todos a olhar para os ecrãs, dá um grande espirro, que faz cair gotas de chuva e abana as árvores de onde caem milhares de folhas em cima das cabeças, em cima dos telemóveis, da roupa, dos pés, das pessoas que passavam. 

Sacudiram as folhas e continuaram, muito irritadas. 

- Nem assim...- murmura a Outónia, zangada 

Foi para os sítios que a amiga Verona indicou, onde reparavam nelas. As aldeias dos arredores da cidade. Levou um vestido brilhante, de sol, parecia de ouro, com as cores das folhas no Outono, e desfilou pelos campos. 

Os girassóis, as espigas de milho, as uvas, as castanhas que espreitavam dentro dos ouriços, as nozes, reconheceram-na. Abriram um grande sorriso, suspiraram de encanto e gritam em coro: 

- Olá Outónia.

- Olá! - responde a Outónia a sorrir 

- Muito bem vinda! - diz um girassol 

- Que bonita que estás! - diz uma castanhinha 

- Obrigada! - diz a Outónia a sorrir 

A Outónia não cabe nela de felicidade. 

- Obrigada por estares de volta! - diz uma videira

- Uau! Sempre bonita. Fizeste boa viagem? - elogia uma espiga 

- Sim, obrigada. Ainda pensei não vir, mas depois a Verona convenceu-me. 

- Ora...porque não vinhas? - pergunta uma folha de videira 

- Não podias faltar, nem pensar! Fazes muita falta. - diz uma uva

- Claro! - dizem todos 

- Obrigada, por repararem em mim. 

De repente, os donos da casa vão para o campo, olham em volta e reparam que tudo está muito mais bonito, muito maior, brilhante, luminoso, com cores vivas e uma brisa suave. 

- Áh! Que maravilha. - suspira um Sr. já com alguma idade 

- Ela chegou! - diz a esposa a sorrir 

- Quem? - perguntam os adultos

- A Outónia. - respondem todos os mais velhos 

- Quem é essa? - perguntam surpresos 

- Então? Que dia é hoje? Não é hoje que começa o Outono? Ai essas cabeças. Não admira, só veem telemóveis à frente - resmunga outra senhora 

A menina Outónia dá uma gargalhada, com vontade, e aplaude. Os adultos ficam um pouco envergonhados. 

- Muito boa! Afinal não sou só eu que reparo e resmungo - diz a Outónia a rir 

Os rapazes e meninas mais novas, filhos dos adultos, estão completamente absorvidos com os telemóveis, nem reparam, nem estão atentos à conversa dos adultos. 

Chegam ao campo, os mais novos sentam-se debaixo de uma grande árvore, um castanheiro, com os telemóveis ligados, sem falarem sequer uns com os outros, enquanto os pais e os avós trabalham na apanha de fruta (uvas, castanhas, espigas, nozes), conversam e riem entre eles, encantados com as surpresas da Outónia. 

A Outónia fica irritada com o que vê, crianças que em vez de estarem a correr pelos campos e a ajudar os adultos, a apreciar as coisas bonitas, estão debaixo de uma árvore a olhar para ecrãs pequenos, sem conversar. 

- Meninos, larguem essa coisa, e venham mas é para aqui! - grita o Avô zangado 

Foi como se o Avô não tivesse falado. Os dois Avôs aproximam-se, zangados: 

- Não ouviram o que o Avô disse? - grita um dos Avós 

- Larguem isso! - grita o outro Avô 

Não respondem, nem olham para os Avós. A Outónia, muito irritada, dá uma ajuda: gira, gira, gira e volta a girar sobre si mesma, depressa, a soprar, e faz levantar uma montanha de folhas do chão para cima das crianças da cabeça até aos pés. 

Elas gritam, o vento é tão forte que lhes tira os telemóveis das mãos, e atira folhas de várias cores brilhantes, para a cara delas, faz cair ouriços no chão, aos pés deles. 

As crianças gritam assustadas, mas ficam encantadas com as folhas. Os Avós riem e agradecem à Outónia: 

- Muito bem, Outónia. 

- Era o que nós íamos fazer! 

- Muito obrigado! 

Os pais das crianças ficam muito surpresos e envergonhados. 

- É, meninos, venham para aqui. - diz a mãe 

- Larguem isso e venham brincar com a Natureza! - diz o pai 

- Pois claro! - murmura e aplaude a Outónia a rir 

- Agora estais a falar? - pergunta um Avô 

- Nem deviam trazer isto para aqui. - diz o outro Avô 

- Também acho - diz a Outónia a rir 

- Na vossa infância, não tinham nada disto, e eram mais saudáveis, mais felizes. - lembra uma Avó 

- Mesmo! Até eu era mais feliz - ri a Outónia 

- Já para ali. - grita um Avô 

- Excelente! - diz a Outónia 

- O que vamos fazer com isto? - pergunta uma criança 

- Óh valha-nos...nem têm imaginação para inventar brincadeiras com folhas. - comenta um Avô 

- Nós sabíamos bem o que fazer com elas! - comenta o outro Avô 

- Brinquem com as folhas, criaturas! - grita o outro Avô 

- Inventem. 

- Não sabemos como brincar com isto! - diz uma menina 

- Santa Ignorância! - comenta a outra Avó 

- Vão ver aos telemóveis. - diz outra senhora que está a ajudar, a rir-se 

Todos dão uma gargalhada. 

- Como brincamos com elas, pai? - pergunta outra 

- Não acredito que estão a perguntar isso! - diz a Outónia, surpresa 

- Então...puxem pela imaginação, elas estão em cima de vocês, aos vossos pés, inventem! 

- Também acho! - diz a Outónia 

- Na nossa geração, sabíamos bem como brincar com elas. 

- Confirmo! - diz a Outónia 

- Tendes aí castanhas, para apanhar, e tirar os ouriços. - diz outra mãe 

- Como se faz isso? - pergunta outra criança 

Os adultos nem querem acreditar. Os mais velhos ensinam os mais novos, a brincar com as folhas, dão ideias, brincam com eles, ensinam as crianças e apreciam com elas a beleza de cada folha. 

Ensinam como se tiram as castanhas dos ouriços, mostram a beleza das uvas, das maçãs, das espigas, provam-nas, ajudam a apanhar os frutos, as nozes, e as castanhas. 

Num instante, as crianças divertem-se e inventam novas brincadeiras. A Outónia aprecia, deliciada e sorridente, orgulhosa, vaidosa, ri às gargalhadas com o vento. 

A Outónia ri às gargalhadas com o vento, não se lembraram mais, nem procuraram mais os telemóveis. Viram passarinhos que andavam por lá desde sempre, mas só nesse dia os viram, e ouviram o seu canto, porque nos outros dias estavam a olhar para o telemóvel. 

Fizeram carinhos nas penas, viram os girassóis nesse dia e nunca tinham visto, viram as lindas uvas e folhas que nunca tinham visto. Saborearam, sentiram o sabor das maçãs, das uvas, o vento na cara e no cabelo a fazer-lhes mimos, sentiram as castanhas, nozes, abriram ouriços, coisas que nunca pensaram ver, nem fazer, deram água e alimento aos animais da quinta. 

Os adultos perceberam como eles estavam felizes,  e que tudo era muito mais saudável do que os jogos eletrónicos e os telemóveis, naquelas idades. 

Nos dias seguintes, as crianças não quiseram saber dos jogos eletrónicos, divertiram-se como nunca, e ajudaram os adultos. A Verona tinha razão! 

Em cada aldeia por onde a Outónia passou, era valorizada e apreciada, reparavam na sua chegada e ganhavam saúde, estavam sempre à espera dela para fazer festas, brincadeiras, apreciar tudo o que ela lhes dava, todas as surpresas. 

Faziam danças, desenhavam, fotografavam, cantavam, aprenderam a fazer pão de milho, centeio, a apanhar cereais, comeram pipocas, desfolharam espigas, brincaram com elas, fizeram bolos com os produtos do Outono, e perceberam que tudo o que está fora dos telemóveis vale a pena ver, apreciar, contemplar, tocar, provar, cheirar, brincar, sentir, aprender coisas novas, e ser feliz. 

A Outónia ficou tão feliz que retribuiu e encheu os habitantes de mimos. 

                                                       FIM 

                                                   Lara Rocha

                                                11/Setembro/2024  

E vocês? 

O que fazem no Outono? 

Já experimentaram estas coisas tão deliciosas que a Outónia oferece? 

Já viram a Outónia a chegar? 

Como a imaginam se ela fosse uma menina? 

Podem desenhá-la, ou escrever nos comentários. 

Estejam atentos...ela está a chegar, quero ver quem a vai apreciar, e recebê-la com carinho.  



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