Era uma vez uma menina chamada Outónia que todos os anos visita o Planeta Terra, mas este ano está desmotivada e triste, revoltada, porque de ano para ano, deixam de reparar na sua chegada.
Ela gosta de ser o centro das atenções, adora oferecer coisas bonitas, mas se não reparamos nesses presentes, fica triste. Nos últimos anos, a Outónia percebeu uma grande mudança na forma como os habitantes lidam com ela.
A pobre menina tem-se sentido invisível, reparou que muitos dos habitantes vão a olhar para os telemóveis, completamente absorvidos naqueles minúsculos aparelhos, pela rua e em todo o lado.
Passa por todos, e ninguém a vê, nem um sorriso, nem para uma árvore ou uma simples folha olham, ou um passarinho pequenino. A menina Verona que estava quase de saída da sua estadia em Portugal, vê a Outónia a espreitar à janela numa nuvem, triste, a olhar para Portugal.
- Olá Outónia! - diz a Verona
- Olá! - responde a Outónia
- Como estão a correr as tuas férias? - pergunta Verona
- Bem, e as tuas? - pergunta Outónia
- Também! Já estou quase de regresso a outro lugar.
- Eu não vou para aí este ano.
- Não vens? Como não vens?
- Não! Podes ficar aí mais tempo, ou a Invernia já pode vir também.
- Mas...o tempo dela ainda não chegou! Não podemos passar umas por cima das outras, chegamos para tudo. E somos amigas, vimos para aqui no tempo que temos de vir. Eu ainda tenho mais lugares para onde ir! Tenho sempre alguém que me substitua, e és tu, Outonia! A mãe, quer assim.
- Eu sei, mas arranjem outra! A Primavera ou inventem outra! - diz a Outonia desanimada
- Não me parece que isso possa acontecer, ou que alguma vez vá acontecer!
- Azar o deles. Também, não fará diferença para esses aí.
- Quem?
- Os que vivem aí em baixo.
- Porque não? Claro que faz diferença. Eles precisam de nós as quatro, todos os anos.
- Isso era antes! Agora só querem aquelas coisas nas mãos, só olham para aquilo e nós não existimos.
- Isso é verdade, e é triste, mas não é caso para não vires, porque ainda há quem repare em nós. Ainda vejo gente a passar sem essas coisas nas mãos, e a olhar para as árvores, para as folhas, a sorrir por sentirem o vento, crianças divertidas a pisar folhas que caem...- relembra a Verona
- A sério?
- Sim. Estás triste, já percebi! - diz Verona
- Eu cansei de ser ignorada! Se não for, não faço diferença.
- Óh! Não digas uma coisa dessas, vens e logo vês! Há sempre alguém que repara em nós. Tu é que só estás a ver e a pensar em quem não repara...para quê? Para ficares triste. Mas quem repara, fica feliz de nos ver.
- Achas?
- Tenho a certeza! Anima-te. Está quase a chegar o teu dia.
Chegou o dia em que a Verona saiu de Portugal, e a Outónia chegou. Como estava triste, trouxe muitas nuvens carregadas e frio. Ouviu muitas reclamações, de gente que passou cheia de pressa, passeou vagarosamente.
E quando viu todos a olhar para os ecrãs, dá um grande espirro, que faz cair gotas de chuva e abana as árvores de onde caem milhares de folhas em cima das cabeças, em cima dos telemóveis, da roupa, dos pés, das pessoas que passavam.
Sacudiram as folhas e continuaram, muito irritadas.
- Nem assim...- murmura a Outónia, zangada
Foi para os sítios que a amiga Verona indicou, onde reparavam nelas. As aldeias dos arredores da cidade. Levou um vestido brilhante, de sol, parecia de ouro, com as cores das folhas no Outono, e desfilou pelos campos.
Os girassóis, as espigas de milho, as uvas, as castanhas que espreitavam dentro dos ouriços, as nozes, reconheceram-na. Abriram um grande sorriso, suspiraram de encanto e gritam em coro:
- Olá Outónia.
- Olá! - responde a Outónia a sorrir
- Muito bem vinda! - diz um girassol
- Que bonita que estás! - diz uma castanhinha
- Obrigada! - diz a Outónia a sorrir
A Outónia não cabe nela de felicidade.
- Obrigada por estares de volta! - diz uma videira
- Uau! Sempre bonita. Fizeste boa viagem? - elogia uma espiga
- Sim, obrigada. Ainda pensei não vir, mas depois a Verona convenceu-me.
- Ora...porque não vinhas? - pergunta uma folha de videira
- Não podias faltar, nem pensar! Fazes muita falta. - diz uma uva
- Claro! - dizem todos
- Obrigada, por repararem em mim.
De repente, os donos da casa vão para o campo, olham em volta e reparam que tudo está muito mais bonito, muito maior, brilhante, luminoso, com cores vivas e uma brisa suave.
- Áh! Que maravilha. - suspira um Sr. já com alguma idade
- Ela chegou! - diz a esposa a sorrir
- Quem? - perguntam os adultos
- A Outónia. - respondem todos os mais velhos
- Quem é essa? - perguntam surpresos
- Então? Que dia é hoje? Não é hoje que começa o Outono? Ai essas cabeças. Não admira, só veem telemóveis à frente - resmunga outra senhora
A menina Outónia dá uma gargalhada, com vontade, e aplaude. Os adultos ficam um pouco envergonhados.
- Muito boa! Afinal não sou só eu que reparo e resmungo - diz a Outónia a rir
Os rapazes e meninas mais novas, filhos dos adultos, estão completamente absorvidos com os telemóveis, nem reparam, nem estão atentos à conversa dos adultos.
Chegam ao campo, os mais novos sentam-se debaixo de uma grande árvore, um castanheiro, com os telemóveis ligados, sem falarem sequer uns com os outros, enquanto os pais e os avós trabalham na apanha de fruta (uvas, castanhas, espigas, nozes), conversam e riem entre eles, encantados com as surpresas da Outónia.
A Outónia fica irritada com o que vê, crianças que em vez de estarem a correr pelos campos e a ajudar os adultos, a apreciar as coisas bonitas, estão debaixo de uma árvore a olhar para ecrãs pequenos, sem conversar.
- Meninos, larguem essa coisa, e venham mas é para aqui! - grita o Avô zangado
Foi como se o Avô não tivesse falado. Os dois Avôs aproximam-se, zangados:
- Não ouviram o que o Avô disse? - grita um dos Avós
- Larguem isso! - grita o outro Avô
Não respondem, nem olham para os Avós. A Outónia, muito irritada, dá uma ajuda: gira, gira, gira e volta a girar sobre si mesma, depressa, a soprar, e faz levantar uma montanha de folhas do chão para cima das crianças da cabeça até aos pés.
Elas gritam, o vento é tão forte que lhes tira os telemóveis das mãos, e atira folhas de várias cores brilhantes, para a cara delas, faz cair ouriços no chão, aos pés deles.
As crianças gritam assustadas, mas ficam encantadas com as folhas. Os Avós riem e agradecem à Outónia:
- Muito bem, Outónia.
- Era o que nós íamos fazer!
- Muito obrigado!
Os pais das crianças ficam muito surpresos e envergonhados.
- É, meninos, venham para aqui. - diz a mãe
- Larguem isso e venham brincar com a Natureza! - diz o pai
- Pois claro! - murmura e aplaude a Outónia a rir
- Agora estais a falar? - pergunta um Avô
- Nem deviam trazer isto para aqui. - diz o outro Avô
- Também acho - diz a Outónia a rir
- Na vossa infância, não tinham nada disto, e eram mais saudáveis, mais felizes. - lembra uma Avó
- Mesmo! Até eu era mais feliz - ri a Outónia
- Já para ali. - grita um Avô
- Excelente! - diz a Outónia
- O que vamos fazer com isto? - pergunta uma criança
- Óh valha-nos...nem têm imaginação para inventar brincadeiras com folhas. - comenta um Avô
- Nós sabíamos bem o que fazer com elas! - comenta o outro Avô
- Brinquem com as folhas, criaturas! - grita o outro Avô
- Inventem.
- Não sabemos como brincar com isto! - diz uma menina
- Santa Ignorância! - comenta a outra Avó
- Vão ver aos telemóveis. - diz outra senhora que está a ajudar, a rir-se
Todos dão uma gargalhada.
- Como brincamos com elas, pai? - pergunta outra
- Não acredito que estão a perguntar isso! - diz a Outónia, surpresa
- Então...puxem pela imaginação, elas estão em cima de vocês, aos vossos pés, inventem!
- Também acho! - diz a Outónia
- Na nossa geração, sabíamos bem como brincar com elas.
- Confirmo! - diz a Outónia
- Tendes aí castanhas, para apanhar, e tirar os ouriços. - diz outra mãe
- Como se faz isso? - pergunta outra criança
Os adultos nem querem acreditar. Os mais velhos ensinam os mais novos, a brincar com as folhas, dão ideias, brincam com eles, ensinam as crianças e apreciam com elas a beleza de cada folha.
Ensinam como se tiram as castanhas dos ouriços, mostram a beleza das uvas, das maçãs, das espigas, provam-nas, ajudam a apanhar os frutos, as nozes, e as castanhas.
Num instante, as crianças divertem-se e inventam novas brincadeiras. A Outónia aprecia, deliciada e sorridente, orgulhosa, vaidosa, ri às gargalhadas com o vento.
A Outónia ri às gargalhadas com o vento, não se lembraram mais, nem procuraram mais os telemóveis. Viram passarinhos que andavam por lá desde sempre, mas só nesse dia os viram, e ouviram o seu canto, porque nos outros dias estavam a olhar para o telemóvel.
Fizeram carinhos nas penas, viram os girassóis nesse dia e nunca tinham visto, viram as lindas uvas e folhas que nunca tinham visto. Saborearam, sentiram o sabor das maçãs, das uvas, o vento na cara e no cabelo a fazer-lhes mimos, sentiram as castanhas, nozes, abriram ouriços, coisas que nunca pensaram ver, nem fazer, deram água e alimento aos animais da quinta.
Os adultos perceberam como eles estavam felizes, e que tudo era muito mais saudável do que os jogos eletrónicos e os telemóveis, naquelas idades.
Nos dias seguintes, as crianças não quiseram saber dos jogos eletrónicos, divertiram-se como nunca, e ajudaram os adultos. A Verona tinha razão!
Em cada aldeia por onde a Outónia passou, era valorizada e apreciada, reparavam na sua chegada e ganhavam saúde, estavam sempre à espera dela para fazer festas, brincadeiras, apreciar tudo o que ela lhes dava, todas as surpresas.
Faziam danças, desenhavam, fotografavam, cantavam, aprenderam a fazer pão de milho, centeio, a apanhar cereais, comeram pipocas, desfolharam espigas, brincaram com elas, fizeram bolos com os produtos do Outono, e perceberam que tudo o que está fora dos telemóveis vale a pena ver, apreciar, contemplar, tocar, provar, cheirar, brincar, sentir, aprender coisas novas, e ser feliz.
A Outónia ficou tão feliz que retribuiu e encheu os habitantes de mimos.
FIM
Lara Rocha
11/Setembro/2024
E vocês?
O que fazem no Outono?
Já experimentaram estas coisas tão deliciosas que a Outónia oferece?
Já viram a Outónia a chegar?
Como a imaginam se ela fosse uma menina?
Podem desenhá-la, ou escrever nos comentários.
Estejam atentos...ela está a chegar, quero ver quem a vai apreciar, e recebê-la com carinho.