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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

ANJOS DE ASAS VERDES (monólogo para adultos)


MONÓLOGO PARA ADULTOS

Anjos de asas verdes

março 18, 2018



(Sorriso) Anjos de asas verdes...é assim que trato, aqueles ferros que nos protegem de ti! A mim e a muitas outras mulheres. Nem sei se poderão chamar-nos mulheres! (aumenta a intensidade da raiva, à medida que o texto vai desenvolvendo)

Dizem-nos que...fomos mulheres, e talvez tenhamos sido, enquanto éramos livres. Porque já fomos livres, sim, antes de vocês predadores, abutres devoradores de carne podre, nos prenderam às vossas garras.

Primeiro fizeram-nos a dança da conquista, nupcial, sedutora, com as vossas penas negras, brilhantes, a balançar e a rodar de um lado para o outro, ao ritmo do bater do vosso coração apaixonado. (grita) Que nojo!

Ainda ouço as tuas palavras falsas, que guardavam o veneno da paixão e a anestesia da mesma. Anestesia, isso mesmo! Só podia ter sido anestesia.

Aquelas tuas palavras (sorri) áááááhhhhh…cheiravam-me a mel. Que delícia, tudo era um sonho, tu… irresistível, lindo, elegante, de roupa preta, sexy, de olhar penetrante. Agora tenho medo dessa tua imagem, que teima em aparecer nos meus sonhos. Talvez, por ser a memória mais feliz que tenho de ti. Abutre! Comeste-me tudo, e eu nem me apercebi.

Como foi possível, mas que idiota! (grita com ela própria) Que estupida. Parecia uma adolescente ingénua, apaixonada. Como é que isso foi acontecer? (irritada) Onde é que eu estava com a cabeça? Em ti, por isso é que não vi o que se escondia por trás daquela máscara cheia de veneno.

Monstro! O homem que eu amava, que era o meu príncipe encantado, o meu orgulho. Destruíste-me, com esse teu poder de ave necrófaga.

Nojento. Ááááááááááhhhhhhh… sinto nojo de ti e de mim ainda mais. Nojo é a palavra mais simpática que encontro, agora, neste momento em que não sei, não sabemos o que somos…Nem sabemos se somos! Alguma coisa seremos…. Com sorte!

Anjos de asas verdes...estes que nos cercam, de cuidado, de amor, e de respeito, como pássaros na gaiola. Nestas asas temos tudo o que tu e todos os outros, não nos deram.

Mas antes pássaros na gaiola, do que objetos nessas tenazes que chamam de mãos...(revoltada) Não são mãos, não podem ser mãos...Depois de tanto mal que nos fizeram...! Nunca nos deram as mãos com que sempre sonhamos, aquelas mãos que seguravam as nossas, que nos acariciavam, que nos faziam ir à lua de prazer e explodir de felicidade. O sonho de qualquer mulher. As mãos com que sempre sonhamos, e desejamos, aquelas mãos que merecíamos, não fazem mal. Não magoam, são usadas para nos fazer sentir bem, para nos oferecer pequenos mimos, para nos colocar anéis ou alianças, para nos escreverem bilhetinhos românticos. As mãos que dávamos como garantidas, afinal, não eram mãos.

Porque as mãos não fazem mal, e o que é que vocês nos fizeram? Mal. Usaram essas malditas garras de abutres para nos rasgar inteiras e no maior número de pedaços que conseguiram. Mais outra ilusão, que conseguiram passar-nos com a vossa dança feiticeira, nupcial: mãos…pensávamos que tinham mãos, e víamos mãos, acreditávamos nas mãos que víamos.

Elas não passavam afinal de mais uma armadilha para nos caçar, e magoar. Na verdade, vocês não tinham mãos, nem tu, nem os outros, das outras que estamos aqui.  (grita enojada) Tinham outra porcaria qualquer. Sim, porcaria, porque o abutre tem aquelas garras com certeza infestadas de bactérias, fungos e vírus mortais. (respira ofegante e volta a acalmar, sorri).

Anjos de asas verdes...São os braços que deveriam ser teus, que pensei serem meus, aqueles braços...que me envolveram e depois… Que me espancaram até ficar sem fôlego, que apertaram o meu pescoço. (grita, agarrada ao próprio pescoço) Ainda sinto, não consigo esquecer, a dor e o sufoco de querer gritar e de tentar lutar com todo o meu corpo, ou gritar.

Ainda sinto os teus malditos alicates a apertar-me cada vez mais e com a outra mão a dar-me socos na cabeça. Quase sem respirar e sem força. E tu, ainda a carregar mais, a bater-me em tudo quanto era pedaço de corpo. (deita-se no chão, revoltada, grita, chora, dá socos no chão, agarrada ao pescoço, enrosca-se, e fala deitada, ofegante). Maldito! (grita cheia de ódio e raiva. Respira e acalma-se, sorri, estica-se e abre todo o corpo)

Que bom que é respirar agora livremente, áh! Como é indescritível este momento em que estou num quarto sozinha, a esfregar-me no chão, porque quero, a sentir o chão, porque quero! Como é bom sentir este espaço todo à minha volta. Áh! Não há dinheiro que o pague. Aqui não tenho braços que se transformaram noutra coisa qualquer. Sim, coisa! Foi como sempre nos trataram, enquanto estivemos convosco.

O que fomos? Não existem palavras para dizer o que fomos...se é que alguma vez fomos, o nosso cérebro apagou tudo, talvez com a porrada que nos deram. Tenho a sensação que eramos felizes! Como qualquer outra mulher, bem tratada, estávamos cheias de sonhos que pensávamos realizar, inspiradas nos desenhos animados e filmes de princesas. Quantas vezes quis ser como elas. E tínhamos direito a isso, a ser tratadas como princesas.

Quando passamos a ser vossas…o que fomos? Nem nós sabemos. Não fomos nada! (sorri) Anjos de asas verdes... Aqueles ferros verdes, frios, crus, que nos protegem das mãos que se deveriam juntar com as nossas, num ato de amor. Aquelas mãos que receberam a aliança, e agora recebem algemas!  (gargalhadas eufóricas de grande felicidade) Áh, áh, áh… nem imaginas a felicidade que senti quando me disseram que finalmente estavas na jaula (gargalhada) Que maravilha. Uma jaula para abutres. Deve ser lindo. (gargalhadas) E daí, deve ser uma visão dos infernos, tudo escuro. Estão numa jaula de luxo, porque vocês deviam estar numa fogueira…esse sim, era um grande prémio. Ou num buraco cheio de pregos ou picos, acorrentados…sei lá…!

Agora…numa jaula com tudo…mesmo assim, já fiquei feliz. Se depender de nós, todas juntas, (irritada e com ódio) chegou a vossa vez de comerem carne podre, nojentos… a vossa própria carne, ou definhar e apodrecer de fome.

Vão pagar cêntimo, por cêntimo. Áh, áh, áh (gargalhadas) E nós, cá fora, seremos umas novas mulheres. Sim, depois de sermos restos, seremos mulheres completas.

É para isso que estes anjos de asas verdes estão a trabalhar com todo o amor. Nós, cá fora, a poder respirar o ar, a sentir calor e sol, vento e chuva, e vocês lá, naquela jaula a despedaçarem-se, ou a devorarem-se uns aos outros… (com ódio) É pouco!

Se depender de nós, todas as que aqui estamos, nunca mais na vossa vida vão sair dessa jaula chiquérrima! (respira ofegante, sorri) Anjos de asas verdes, eles são a nossa casa, não aquela casa de sonho, que ia ser minha e tua, e delas...Mas aquela casa, que me salva! Que nos salva! Anjos de asas verdes, são aqueles seres que nos fazem acreditar e trazem esperança de que somos alguém! 

Anjos de asas verdes, são aqueles ferros que nos mantém longe de ti, de vocês, de quem um dia sonhamos ficar ao lado, para sempre! Anjos de asas verdes, são aqueles seres que nos abrem os olhos todos os dias, que tentam tirar a dor que causaste, causaram...Mas a dor não sai! É uma dor que não tem cura. Pelo menos trazem-nos todos os dias, sorrisos doces, paz, abraços carinhosos e sinceros, enquanto a noite não chega.

Anjos de asas verdes, são aqueles seres, que partilham o mesmo sítio que eu, que nós.... Que abrem os seus braços para acolher os nossos.... Aqueles braços que te deviam envolver, mas tu partiste-os. Aqueles braços que te aconchegariam, mas tu destruíste!

Esses anjos de asas verdes, são os que nos fazem acreditar que ainda há pessoas...boas! Anjos de asas verdes, são aqueles que nos fazem acreditar num hoje bom, e num amanhã melhor! Longe de ti, com quem sonhei ser princesa amada!

Anjos de asas verdes...Almas boas que protegem, almas vagas, ou sem almas...Anjos de asas verdes, que transportam a esperança, de ser uma mulher...Aquela que dizias amar, e afinal destruíste...(raiva) Aquela a quem pedias desculpa, por cada maldade...E depois, voltavas a fazer o mesmo.

Como se as desculpas fossem concertar a destruição causada! (sorri) Esses anjos de asas verdes, trazem-nos a esperança de amanhã sermos mulheres, sempre protegidas por essas asas de anjo. Um dia destes serei gente...E quem sabe o que tu serás...?

(ódio, nojo e raiva) Nacos de carne podre para alimentar abutres. Talvez...Não quero saber! Um dia...saberei de ti.... Quem sabe!

Serei, seremos...umas novas mulheres. Aquela que conheceste, e que dizias amar...mataste-a. Destruíste-a. Já não existe! Aliás, talvez nunca tenha existido. Já não sei mais quem fui... Quem era...Sei mais ou menos quem sou, agora! Sou um ser em criação e em construção. Um dia.... Quem sabe...pode ser que a encontres longe, muito longe. Numa outra galáxia.

Até lá, quero aproveitar cada milímetro de mulher que serei, cada milésimo de segundo que desperdicei ao teu lado, agora em liberdade, sem ti. Juntas, mostraremos o que vocês perderam. Talvez nunca aprendam, desde que permaneçam nessa jaula de luxo, para nós já não nos interessa. Juntas, seremos o que nunca fomos convosco. (grita) Mulheres!



(Pelas mulheres vítimas de violência doméstica, para que encontrem sempre anjos de asas verdes, ou de outra cor qualquer, que as protejam e que as façam renascer fortes, independentes…mulheres!)



Lara Rocha

Dezembro/2019




















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