Era uma vez um
jardim cheio de flores, animais e árvores, onde não havia barulho nem
movimentos, nem sons, nem cores. Só havia silêncio, um silêncio que arrepiava e
dava medo. Até o vento quando passava por lá, muito raramente, corria o mais
depressa que podia para sair rápido, pois aquele sítio não era saúde para
ninguém. Até ele que às vezes é frio, sentia frio nesse jardim.
Além
disto, era um jardim muito escuro, parecia ser sempre noite, aquelas noites sem
estrelas, nem lua. O sol já não entrava lá há muitos anos, por isso, em muitos
sítios até havia nevoeiro, humidade e vapores mal cheirosos.
Muito
pouco gente sabia da existência do jardim, só os habitantes mais velhos dessa pequenina
vila que só tinham ido lá quando eram ainda muito pequenos, depois ficaram com
tanto medo que nunca mais voltaram.
Quando
as crianças se portavam mal eram ameaçadas que iam para lá. Elas não conheciam
o local, só sabiam que era parecido com o quarto escuro que os pais falavam, e
por ser tão escuro, tinham medo.
Um dia, esse vale é visitado por uma
fada que transportava consigo uma harpa, e ia montada num lindo unicórnio
branco, brilhante, de olhos azuis. Era tão branco que iluminava o caminho
porque a luz da lua reflectia nele e tornava-se mais forte. Ela gostava muito
de passear à noite com o seu amigo, para se inspirar e construir novas músicas,
descansar da confusão e da agitação do dia-a-dia.
De repente o unicórnio pára.
- O que foi amigo? Estás cansado?
- Não.
- Então, porque paraste?
- Sinto algum mistério no ar… as vibrações não são
boas.
- Estás com medo?
- Não, mas desconfortável.
- Onde será aquele jardim adormecido?
- Pois…não sei.
- Se calhar estamos perto.
- Mas tu queres ir lá?
- Quero.
- Para quê?
- Para conhecer.
- Desculpa, acho que não é boa ideia.
- Porque não?
- Não sei explicar, só sei que não gosto das vibrações.
- Eu já venho.
- Vais entrar ali?
- Vou só ver…fica descansado.
- Se precisares chama-me.
- Está bem.
O unicórnio
fica inquieto, nervoso e preocupado…muito atento a todos os movimentos da fada.
Ela voa e de cima vê o jardim.
- Acho que encontrei! – Grita ela para o unicórnio
O unicórnio
encontra uma entrada, muito escura, e entra. Ilumina o caminho.
- Isto parece um jardim. – Comenta a fada
- É… Mas eu não gosto deste jardim. Já percebi, as
vibrações vinham daqui. - Diz o unicórnio
- Eu quero conhecer.
- Mas como vais conhecer? Não tem nada…só se vê escuro.
- De certeza que tem alguma coisa.
- Não me parece.
- A lenda diz que era um jardim, e ficou adormecido com
o feitiço daquela duende muito ciumenta e solitária, que foi abandonada pelo
seu elfo que se apaixonou por outra duende.
- Óh, mas que injustiça.
- Acontece!
- Eu acho que ela não devia ter ficado assim tão triste…haveriam
muitos mais elfos disponíveis para ela.
- Ela devia amá-lo mesmo.
- Óh, não gosto dessa lenda. É triste.
- Tem o seu lado bonito…
- A lenda devia ter terminado com eles a voltarem um
para o outro, porque era sinal que o amor era mais forte…
A fada
ri-se.
- És mesmo romântico.
- Sim, sou. Eu não abandonava a minha apaixonada.
- Isso eras tu, mas a ti também pode acontecer…podes
apaixonar-te por outra unicórnia ou ela por outro.
- Óh, não…não quero isso.
- Às vezes não depende da vontade. Acontece.
De repente
ouve-se alguém que manda calar:
- Xiiiiiuuuuuu…
A fada
estremece. O unicórnio encolhe-se e estica-se. Os dois ficam quase estáticos.
- Acho que está aqui mais alguém… - Diz a fada baixinho
Ela dá um
pequenino acorde, suave na harpa. Ouve-se um grito:
- Ááááááhhhh…pouco barulho…vão-se embora.
A fada
baixa mais um pouco, e liga a sua lanterna.
- Quem está aí? – Pergunta a fada
Ninguém responde. Ela continua a tocar a
sua harpa. Todo o jardim fica encantado com o som da harpa, e muito devagar,
começa a despertar…as árvores…uma de cada vez, depois as flores, uma por uma, e
depois os animais. Estão um pouco assustados e perdidos.
A duende da lenda aparece sentada na
berma de uma fonte que também começou a deitar água, e despertou todas as
outras. Agora o jardim tem sons e movimentos: sons das árvores e das flores a
bocejar, a espreguiçar-se, e a reconhecer o espaço, o som e o movimento dos
animais que saem das tocas e dos troncos, chilreiam, guincham, e correm de um
lado para o outro, e o leve som da água.
- Como é que entraste aqui? – Pergunta a duende da
lenda
- Olá…és a duende da lenda?
- Lenda? Que lenda? Sou só uma duende. Eu quero saber
como é que entraste aqui?
- Toda a gente me tinha falado de um jardim adormecido…e
ao passear por aqui, percebi que havia alguma coisa de diferente.
- Que interessante…! É sinal que vês bem. E porque é
que entraste?
- Porque quis ver como era, de perto.
- E o que é que diziam deste jardim?
- Diziam que este jardim ficou adormecido por causa da
tristeza de uma duende que foi abandonada pelo seu elfo que se apaixonou por
uma outra duende.
- Sim, foi verdade…não foi lenda. Essa de quem falam
era eu.
- Áh! Deve ter sido muito triste…
- Claro! O jardim adormeceu com a minha tristeza…viveu
comigo a tristeza, e adormeceu quando eu me cansei de chorar e de ficar triste.
Eu também adormeci. Acordei agora com a tua harpa.
- Este jardim é muito escuro…
- Claro. Quando há tristeza, não há luz. A tua harpa
despertou todos nós.
- Há quanto tempo estavam a dormir?
- Não faço a mais pequena ideia. Quando vim para aqui,
perdi a noção do tempo, e de tudo. Deixei de existir, tal como este jardim.
A luz da
lua entra no jardim, e o unicórnio também, muito preocupado.
- Há quanto tempo não via a luz da lua! Que linda que
é! Lembro-me que adorava ver a Lua. Vais ficar aí a pairar? Desce e senta-te
aqui…! – Diz a duende
- Obrigada.
As duas
sentam-se, olham-se e sorriem:
- Que linda que és. E adoro esse instrumento que tocas.
- Harpa.
- Sim.
- Obrigada.
- Obrigada eu, por nos despertares.
A duende
conta tudo à fada. A fada e o unicórnio ouvem atentamente, umas vezes ficam
tristes como a duende, outras vezes suspiram e sorriem.
- Que linda, mas triste história de amor. – Diz o
unicórnio
- Foi feliz e linda enquanto durou, depois acabou. Já
não sei há quanto tempo. – Diz a duende
- Dizem que vai mesmo há muito tempo. – Acrescenta a
fada
E de manhã
bem cedo, o sol começa a entrar nesse jardim. A duende fecha os olhos.
- É o sol… - Diz ela
- Sim!
- O sol faz-nos muito bem! – Diz o unicórnio
- Estás habituada ao escuro, faz-te impressão. – Diz a
fada
- Pois é. Mas passa já.
Todo o
jardim acorda, e transforma-se num lugar cheio de cores, além dos movimentos e
sons que já se iam ouvindo.
- Não quero mais ficar triste, nem viver no escuro. Quero
rir outra vez, brincar como fazia antes, e começar tudo de novo. – Diz a
duende, feliz
E a fada
aplaude. O jardim festeja.
- Posso ir contigo? – Pergunta a fada
- Claro que sim…
E as duas saem do jardim, montadas no
unicórnio. No jardim, todos cantam, dançam, correm, trocam carinhos e elogios,
conversam, refrescam-se nas fontes, saltitam, rirem muito. Até as fontes ganham
mais força. Há milhares de cores e flores, árvores de todo o tipo, aves
enormes, e outros pássaros de espécies raras.
O unicórnio corre com elas livremente,
salta, depois vão a pé, exploram todo o jardim, e os campos, rebolam na relva,
riem muito, não param um segundo. Os habitantes ainda não sabem o que
aconteceu, mas vêem muita luz naquele jardim que avistavam sempre escuro.
- Áh! Olhem…há luz, ali. – Comenta uma senhora
- Ui, no jardim adormecido? – Pergunta outra senhora
- Sim!
- O que terá acontecido?
- Se calhar, o feitiço quebrou-se… - Diz uma menina
- Ou ele voltou para ela. – Diz outra menina
- E agora vão ser muito felizes… - acrescenta outra
senhora
- Vamos lá visitar… - sugere um senhor
E todos saem de casa. Vão visitar esse
espaço…que agradável surpresa. Vêem o sol a dar nas flores e na água, parece
que até dão luz. Afinal não tinha nada a ver com a lenda que contavam.
Andaram
à procura da duende, na esperança que ela ainda estivesse lá, para que
confirmasse a lenda, mas não tiveram essa sorte, porque ela andava a
divertir-se e a reconhecer o espaço, depois de tanto tempo que dormiu e que
viveu no escuro. A duende nunca mais parou…acompanhou a fada nos seus
trabalhos, e como estava feliz. Adorava ajudá-la, e às vezes voltava ao jardim
onde esteve muito tempo a dormir, só para visitar os amigos que viveram com ela
a tristeza, e também dormiram.
Todos no jardim estavam muito felizes
por ela. Agora, este jardim, que ficou adormecido, era um lugar muito visitado
e apreciado.
E vocês? O
que acham?
Terá sido uma lenda, ou realidade?
Que personagem gostariam de ser? A fada,
a duende, ou o unicórnio? O que faziam?
Se estivermos
muito tempo na tristeza, ficamos adormecidos para tudo o que há de bonito à
nossa volta, como a duende no jardim adormecido. A tristeza faz parte de nós, e
da vida, mas é melhor não ficarmos muito tempo com ela. Precisamos de sol, e de
luz.
FIM
Lálá
(12/Abril/2015)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras