Há
muitos, muitos anos atrás, uma marioneta de madeira foi abandonada pelo seu
manejador com quem fez muitos espectáculos.
O seu manejador cresceu e deixou de
gostar de marionetas, por isso, foi passear e levou-a, prometendo que iam
apenas passear, largou-a e foi embora sem nunca mais ser visto.
Durante muitas horas, noites e dias, a pobre marioneta
pensando que era uma brincadeira do seu manejador, esperou e enquanto isso
apreciou a paisagem e conheceu alguns amigos.
- Amigo…onde estás? Escondeste-te
mesmo bem! – Dizia ela
E procurava em tudo quanto era sítio, falando com ele, como
se ele estivesse lá a ouvi-la. No dia seguinte ela começou a achar um pouco
estranho aquela demora em aparecer, e aquele silêncio e ficou preocupada.
- Será que…ai…não! Não
pode ser!
E continuava a procurar e a chamar, mas nada…nem uma
resposta.
- Viram por aí um rapaz? –
Perguntou a marioneta por quem passava
A resposta era sempre a mesma:
- Não! Não passou por aqui
ninguém. Não…não vi ninguém!
Até que mais à frente, uma preguiça que estava a
espreguiçar-se muito devagar no tronco de uma árvore diz:
- Estás perdida?
- Não sei! – Responde a
marioneta
- Como não sabes?
- Não sei…eu estava com o
meu manejador.
- Quem?
- Aquele de quem estou à
procura…um rapaz.
- Huummm…já andas há
vários dias não já?
- Sim…acho que sim! Pelo menos
já vi a lua e o sol lá em cima, muitas vezes, não sei quantas.
- Querida marioneta…desculpa
dizer-te, mas foste abandonada.
- O quê?
- É! Não te vale a pena
procurares mais.
- Mas…
- Eu vi esse rapaz a
passar por aqui há vários dias…deve ser esse quem procuras.
- Não pode ser!
- Não achas estranho ele
não te responder, e nunca mais aparecer?
- Sim, mas no inicio
pensei que estávamos a brincar às escondidas, e que ele estava bem escondido,
porque procurei-o e ele não apareceu, mas depois, chamei-o várias vezes, e ele
nunca me respondeu…
- E não é estranho?
- Sim! Será que ficou
doente, ou magoou-se?
- Não! Ele foi mesmo
embora.
- Que tristeza…não pode
ser…não quero acreditar nisso!
- Mas acredita. É melhor
para ti, do que continuares a sonhar ou à espera que ele apareça. Isso não vai
acontecer…a não ser que ele se arrependa.
- Então…ele…abandonou-me?
- Infelizmente sim!
- Aiiii…não! Não pode ser,
não acredito.
- Acredita. É mesmo a
verdade…gostava de te dizer outra coisa, mas infelizmente é isso que tenho para
te dizer. Ele abandonou-te!
- Óhhhh…
- Também fico muito triste
por ti.
- Como é que ele teve
coragem de fazer isso? Depois…de tanta coisa boa que vivemos…
- Eram muito amigos?
- Eu achava que sim.
A marioneta conta à preguiça. Lembra-se que andaram
muito, mas isso ela já não estranhava e até gostava de passear, além disso, os
dois tinham sempre temas de conversas, e davam muitas gargalhadas juntos.
A marioneta era a sua confidente, e companheira de
brincadeiras. A preguiça ouve-a atentamente, trocam um abraço e a marioneta
está muito triste.
Chorou, noites e dias seguidos, de tristeza, desilusão
e de solidão. A preguiça e outros animais tentam animá-la, mas ela não
consegue.
Um dia, depois de
tanto chorar, aparece uma fonte misteriosa de madeira, com uns olhos verdes, e
água a cair de cada um deles. A marioneta identificou os olhos como do seu
manejador, o que se confirmou quando suou uma voz da fonte:
- Perdoa-me!
Ela como ainda está muito magoada responde:
- Não perdoo. Magoaste-me
muito, desiludiste-me, abandonaste-me, mesmo depois de tudo o que passamos
juntos, e depois de tudo o que te dei.
- Fui enfeitiçado, e
transformado numa fonte, nesta de madeira que vês... Abandonei-te porque iludi-me
com a beleza de uma mulher que depois fez de mim gato e sapato, e
transformou-me nisto.
- Não tenho pena de ti. Quantas
vezes te disse para não te deixares levar pela beleza de fora de uma mulher…? Nunca
me deste ouvidos.
- Agora sou uma fonte de
madeira…e tu, uma marioneta de madeira.
- Nunca estivemos tão parecidos.
- É verdade. Mas agora eu
vou ficar aqui, e quero que me dês uma oportunidade…que me perdoes…eu sei que é
difícil. Mas podes tentar…
Ela respira fundo, e vira costas.
- Preciso de pensar um
bocadinho…posso? – Pergunta a marioneta
- Claro que sim. Eu compreendo-te.
Eu não vou a lado nenhum, estou aqui transformado em fonte. Preso ao chão…
Ela vai para uma fonte, um bocadinho à frente, e vê-se reflectida
na água. Fica pensativa, e dos seus olhos cai uma lágrima. O barulho que a
lágrima fez ao cair na água, fez vibrar o seu coração, e a água começa a
serpentear.
- Sim? – Pergunta ela,
baixinho
- Sim! – Responde a imagem
dela reflectida na água
- Perdoo? – Pergunta ela,
baixinho
- Perdoa. – Responde a
imagem dela reflectida na água
Ela ficou magoada, mas acredita que a amizade entre os dois,
não arrefeceu, só adormeceu porque ele quis separar-se, mesmo assim, ela ainda
gosta muito dele.
- Chorei tanto por causa
dele, e agora…perdoo?
- Sim! – Responde a fonte
Cai outra lágrima dos olhos da marioneta na água:
- Perdoa, os elos da vossa
amizade são muito forte, ainda não se partiram…só congelaram um pouco. Pode voltar
a renascer. Ele está a ser sincero.
Ela olha para ele discretamente, e vê que também está a
chorar e a soluçar. Ela vai ter com ele, ele olha para ela, e vira os olhos
para o chão. Os dois suspiram.
- Não sei se me vou
arrepender…mas também se me desiludir já não será a mesma dor, nem parecida com
esta.
(Os dois olham-se):
- Desculpa! – Diz ele
- Está bem, mesmo depois
de me teres triturado…eu perdoo-te e dou-te uma segunda oportunidade, agora vê
lá o que fazes, porque a próxima não tem perdão…e vai devagar. – Diz ela
Ele abre um grande sorriso:
- Gosto muito de ti.
Ela abraça-o, e a amizade que os unia era mesmo tão forte que
a madeira incendiou e a fonte reaparece como manejador. Os seus braços esticam-se,
e as pernas crescem. Ela sente algo estranho e afasta-se. Olha para ele:
- Áh! O que aconteceu? – Pergunta
a marioneta
- Uau! – Diz o manejador
feliz – Voltei a ser pessoa…o feitiço quebrou-se…
- Ááááááhhhh…!
- Sim, foi isso…tu
perdoaste-me, e voltamos a ser amigos… isso foi tão bom que quebrou o feitiço
que me tinham lançado.
- Boa! – Gritam os dois
- Muito obrigado…
Os dois abraçam-se outra vez, ele
senta-se no seu colo e põem a conversa em dia, com algumas gargalhadas e
lágrimas. Voltam para casa e a sua amizade não tem fim…voltam a fazer tudo o
que faziam antes, e a ser os melhores amigos. Muito felizes.
Esta amizade foi tão sincera e tão forte
que se tornou uma lenda conhecida por toda a floresta, que emocionou todos e
inspirou… Esta foi a lenda dos olhos da fonte, os olhos que choraram, os olhos
que perdoaram, e os olhos que fizeram renascer uma amizade que estava
adormecida, pelo gelo do afastamento ou abandono. Os olhos da verdade, os olhos
do coração.
São os olhos e até
as lágrimas que devemos consultar e ouvir em certas decisões que temos de
tomar, como esta se perdoamos ou não alguém que nos magoa…ou se a amizade é
mais forte e valiosa, ou se é mais fraca e termina.
São os olhos que
sabem tudo, e muito mais que nós!
FIM
Lálá
(1/Abril/2015)
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