Era
uma vez uma praia como todas as praias…com areia, mar e rochas, que recebia
muitas visitas porque tinha algo de diferente das outras. Esta tinha uma rocha
com uma forma estranha, e uma fechadura, que nem sempre estava à mostra, mas
não havia chave.
Muita
gente que visitava esta praia, especialmente a rocha que tinha uma fechadura,
dizia sentir vibrações diferentes, tanto ouviam um silêncio aterrador, gelado,
como sentiam uma ventania de cortar a respiração e os ossos, só nesse canto da
rocha.
Umas
vezes conseguiam ouvir choros, gritos, uma voz que cantava melodias tristes e
pesadas, outras vezes cantava doces, lindas e leves canções que pareciam músicas
instrumentais, e percebiam que as ondas umas vezes ficavam serenas, outras
vezes com um tamanho monstruoso que corria toda a gente da praia. Umas vezes
passava água por baixo da rocha da fechadura, outras vezes não.
Era
um mistério que muita gente tentava descobrir, mas não conseguiam. Só um
marinheiro sabia o segredo, mas não o desvendava, porque gostava de ver tanta
gente na praia curiosa, e que sentiam coisas como ele dizia.
O
mistério era uma lenda muito antiga, embora alguns ainda mais antigos dissessem
ser verdadeiro…contavam os marinheiros que era nesse lugar que se encontravam
com a princesa dos mares.
Essa
princesa era uma mulher demasiado linda, linda demais para ser verdadeira, elegante,
muito sedutora, que despertava invejas em todas as outras princesas e seres
marinhos, que queriam ser tão bonitas como ela.
Como
não conseguiam seduzir os marinhos, porque na verdade eles gostavam mesmo dela,
as outras aprenderam uns truques maldosos com a feiticeira dos mares, para
conseguir conquistar, e tentaram roubar todos os marinheiros que puderam. Aos que
iam pescar, elas formavam tempestades, apareciam a dançar, hipnotizavam-nos, e
eles deixavam-se encantar.
A
princesa não sabia de nada, nem precisava de fazer feitiços ou hipnotizar para
que os marinheiros se encantassem por ela, sentia-se muito sozinha, porque na
verdade ela salvava os marinheiros, e queria a companhia deles, porque
sentia-se muito sozinha. Começou a achar muito estranho não aparecerem.
Uma
vez ficou transparente e assistiu a tudo o que as outras fizeram. Ficou muito
triste e com muita raiva, gritou até ficar quase sem voz, levantou ondas
gigantes, revirou o mar todo com os seus movimentos de fúria, sacudiu os
barcos, e todos os marinheiros caíram à água. As outras ficaram realmente
apavoradas, e fugiram.
Ela
pegou nos marinheiros e atirou-os todos para a areia numa grande ventania que
formou com a sua raiva. Salvaram-se todos, mas ela ficou muito perturbada. Refugiou-se
numa rocha para se acalmar. Nessa rocha…
Nessa
rocha gritou tudo o que sentia, toda a sua raiva pela desilusão que as outras com
quem ela se dava tão bem, e considerava quase família, lhe tinham provocado.
Como
é que elas puderam fazer isso com ela…perguntou-se muitas vezes, e praguejou…a
voz dela parecia um tremor de terra num túnel, que se ouvia na praia toda.
Depois
de conseguir libertar a sua raiva, chorou tanto que as suas lágrimas formaram
uma baía à volta da rocha. Por fim, completamente cansada calou-se, deitou-se
na areia e adormeceu.
Os
seus pais compreenderam o estado em que ela ficou, e deixaram-na lá ficar até
recuperar forças. Cobriram-na, deixaram-lhe alimentos e bebidas, e roupas
secas, e fecharam aquele canto com uma porta que abriram na pedra, para que
ninguém a perturbasse, mas nunca a deixaram sozinha, estavam sempre vigilantes.
Depois
de muitas horas a dormir, ela abriu os olhos, olhou em volta, não sabia onde
estava, alimentou-se e bebeu, trocou de roupa que estava toda molhada, e ficou
em silêncio.
Os
pais foram vê-la e conversaram com ela, ouviram todas as suas revoltas, dores,
tristezas, angustias, desilusões, tentaram consola-la, e ela voltou com eles
para casa.
Nos
dias seguintes, ela ainda ficou muito irritada, e nesses momentos, pegava na
chave e refugiava-se no seu recanto, nessa rocha. Gritava, chorava, às vezes
tanto que a água passava por baixo da porta e aparecia na praia.
Quando
havia marinheiros em perigo, principalmente à noite, a princesa pegava neles, e
acolhia-os no seu recanto, alimentando-os, dando-lhes de beber e cobrindo-os, fechava-lhes
a porta na rocha, ficando assim protegidos até que amanhecesse para saírem em
segurança, e falava com eles, de forma muito meiga, simpática, amigável. Eles adoravam-na,
e depois não conseguiam libertar-se dela…iam ter com ela.
A
lenda foi rapidamente divulgada, porque um dia viram um velho marinheiro
sentado à porta da rocha, e perguntaram-lhe o que estava ali a fazer…ele
respondeu que estava à espera que a princesa do mar lhe abrisse a porta, que
queria reencontrá-la ao fim de tantos anos.
Acharam
que ele estava louco, ou a delirar, mas ele contou o que tinha acontecido há
muitos anos atrás, quando a princesa o salvou e o fechou no seu recanto para o
proteger.
Contou
com tantos pormenores que quem o ouviu quase conseguiu ver e sentir. Como percebeu
que estavam a duvidar dele, mostrou a fechadura na rocha que nesse dia estava à
mostra, e sem água. Disse para fazerem silêncio, e ouviram vozes…o marinheiro
sorriu e disse que ela estava ali com alguém.
Todos
se arrepiaram porque realmente tinham ouvido vozes. Espreitaram pela fechadura,
não viram nada, nem ouviram nada. Ele explicou que ela tinha ido embora…e na verdade…só
se ouvia o vento, que parou de repente, e só se ouviu o silêncio.
De repente aparece um fiozinho de água por
baixo da fechadura na rocha. O marinheiro sorriu e disse que aquele fiozinho de
água eram umas lagrimazinhas da princesa do mar que o reconheceu…ele sabia que
um dia destes iriam reencontrar-se, e conversar.
Todos
os que ouviram arrepiaram-se, e o marinheiro entrou pela porta da rocha que se
abriu, quando a maré ficou vasa. Sentou-se na areia e viu a princesa, a
princesa fechou a porta, e quem ficou do lado de fora ouviu vozes, e gargalhadas…mas
só viam o senhor pela fechadura.
Pensaram
que ele estava a delirar, ou a sonhar…e foram embora, pensando como é que ele
iria sair dali. Mas saiu, quando a princesa, depois de uma longa e animada
conversa com o marinheiro que recordaram os tempos em que se encontraram,
voltou para casa, com a promessa de se encontrarem mais vezes.
E
o marinheiro voltou lá mais vezes. Ainda hoje, quando a maré vasa o marinheiro
e quem vai visitar a praia vão a essa rocha da fechadura e ouvem vozes, quando
a fechadura não está à mostra, sentem vibrações, e movimentos estranhos.
Há
muitas pessoas que vão para esse sítio na esperança de ver e falar com essa
princesa dos mares que era tão linda…mas nunca a veem…só os marinheiros
conseguem vê-la e conversar com ela.
Os outros, apenas sentem, arrepiam-se,
sentem-se estranhos, e ficam deixam-se levar pelo encanto do cantinho, ou da…lenda…ou
será que foi mesmo verdade? Se calhar foi verdade para os marinheiros, pelo
menos salvaram-se.
E vocês? Acham que
foi lenda, ou pode ter acontecido na realidade? Será que foi imaginação dos
marinheiros com o medo, para ganharem força de se salvarem? Ou será que essa
princesa existiu mesmo…? Será que ela ainda existe? Porque é que acham que só
os marinheiros a conseguem ver?
FIM
Lálá
(31/Agosto/2016)
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