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domingo, 1 de junho de 2025

Monólogo (ou leitura em forma de jogral coletivo) - Ser criança

 Ser criança…

Ser criança começa no desejo dos pais, em dar continuidade à longa história das famílias.

Ser criança é ser frágil, dependente, mas ao mesmo tempo...para os pais, avós, tios, tias, primos, primas, amigos, ser criança é fazer as delícias de quem a tem nos braços. 

Mesmo a dar muito trabalho aos pais, a criança é um ser cheio de compensações emocionais, encanto, recompensas, abraços, sorrisos fáceis e de gratidão sem palavras, olhares fixos, luminosos, brilhantes. 

Ser criança é ter colo, amor, afetos, mimos, carinho, compreensão, palavras de incentivo para crescer segura, apoio, diálogo, atenção, dedicação, brincadeira, companhia, satisfação das suas necessidades mais básicas e regras, «nãos» («não, porque...»). 

Ser criança não é ver todos os seus caprichos e manhas cumpridas, é também ficar amuada (o) por não lhe fazerem as vontades todas. É com isso, aprender a esperar e que não pode ter tudo o que quer. 

Ser criança é brincar livremente, sozinha, com outras crianças, com adultos, bonecos, brinquedos, e não usar telemóveis ou jogos eletrónicos. 

Ser criança é dar asas à sua imaginação, rir sozinha, rir com os outros, falar com os outros, com os seus bonecos, brinquedos, amigos e amigas imaginários, os bonecos da televisão. 

Ser criança é ouvir histórias fantásticas, dos pais, dos avós, dos tios e tias, dos primos e primas, das educadoras e professores, contadas e lidas por elas próprias. 

Ser criança é sonhar com o impossível, com magia, com fantasia, é ter sonhos acordada e a dormir, ter pesadelos, gritar, ir para a cama dos pais, chorar, chamar por alguém, sentir medos que fazem sentido, outros são imaginários, construídos pelo desconhecido. 

Ser criança é acreditar em personagens como se fossem verdadeiras, é fingir que são outras pessoas, personagens, isto ajuda à descoberta de si mesmas, à construção das suas personalidades, e acreditar em seres fantásticos. 

Ser criança é ser inocência, pureza, leveza, teimosia, desafios dos limites, e aprender a obedecer, cair e levantar mesmo que fique ferida, e sem pânico dos adultos, para aprender por elas próprias. 

Ser criança é jogar à bola, correr, saltar, dançar, rebolar, sujar-se, brincar, pintar, desenhar, conviver com a Natureza, e explorar, sentir o que existe à sua volta. 

Ser criança é tocar, cheirar, saborear, sentir, provar, experimentar, errar, ser elogiada, valorizada, repreendida quando passa os limites. 

Ser criança é seguir o exemplo dos adultos, no respeito pela diferença, aprender a viver com todos, a selecionar quem partilha os mesmos valores de respeito e amizade, carinho, dedicação, companhia.  

Ser criança é brincar com quem mais gosta, independentemente da cor da pele, raça, cultura, crença, país de onde veio, e aprender a viver com amor, no amor! 

Ser criança é sentir o vento na cara, e no cabelo, é espontaneidade, curiosidade, alegria, é molhar-se na chuva, e rir, saltar nas poças. 

Ser criança é dormir, é parecer estar ligada à tomada, riscar as paredes ou outros objetos, cantar, imaginar, escrever.  

Ser criança é ter em si todas as cores, todas as raças, todos os valores, por isso deixemo-las ser crianças saudáveis, deixemo-las brincar com bonecos e brinquedos até quando elas quiserem. 

Não há idades para deixar de brincar! Mas infelizmente nem todas as crianças vivem num mundo perfeito, nem podem festejar o seu dia, de hoje, como muitas. 

Crianças e pais que sofrem com doenças graves, que estão em hospitais, que vivem com medo, em países onde há fome e guerra, tristeza bombas em vez que brinquedos. 

Crianças que não vivem em casas, mas entre escombros, onde ficaram todos os sonhos, toda a infância que não é a que imaginavam, nem desejavam. 

Crianças que vivem em tendas, esconderijos, onde não veem o sol, onde não ouvem palavras de amor, nem histórias bonitas, não recebem carinho, não ouvem cantar, nem rir. 

Crianças que deixaram de saber sonhar, não ouvem o vento nem os risos, só lágrimas, dor, medo, pesadelos, incerteza. Crianças abandonadas, exploradas, maltratadas, desrespeitadas, usadas como objetos.

Crianças que são postas de lado por serem diferentes. 

Feliz dia das crianças, mesmo as que não podem festejar, e que no próximo dia das crianças, tudo esteja melhor, com as crianças que não têm infância. 

Nota: podem completar este texto com o «Menino sei porque choras». 

                            FIM 

                         Lara Rocha 

                        1/Junho/2025 

terça-feira, 13 de maio de 2025

O pequeno pavão

    



foto tirada por Lara Rocha 

 
     Era uma vez um pavão pequenino que viu a sua imagem refletida num lago do jardim. Ficou imóvel a olhar para a imagem: 

- Quem é esta criatura na água? Que ser estranho! Está a olhar para mim e a repetir o que eu digo...mas eu não o oiço. 

    Dá uma bicada na água e o seu reflexo desaparece, formando pequeninas ondulações. 

- Nunca outra vi, desapareceu? 

    Olha outra vez e volta a ver a imagem. 

- Apareceste outra vez? 

    O reflexo não responde. 

- Estás a gozar comigo, é? Eu não acho piada nenhuma, por estares a repetir tudo o que eu faço e tudo o que digo. Porque é que estás aí? 

    O reflexo não responde. O pequeno pavão fica nervoso, vira-se de lado e no reflexo vê as suas lindas penas traseiras, brilhantes na água, abana-se, o reflexo faz tudo. Começa a gritar nervoso, e aos saltinhos com os olhos muito abertos assustado: 

- Agora tenho olhos atrás? O que é isto? 

    Salta, olha para a água e lá está o seu reflexo, com as pequenas penas a abanar. Grita, sacode-se, salta nervoso e assustado. Corre a abanar-se, os outros animais observam-no intrigados e a rir: 

- O que é que lhe está a dar? - comenta um macaco às gargalhadas 

- Realmente...ele não parece nada bem! - diz um esquilo que estava a saborear uma noz. 

- Está para ali aos gritos, a sacudir-se, a correr, a saltar...vou  perguntar-lhe se está tudo bem com ele - diz um coelho a rir-se

- Parece que tem algum inseto a chateá-lo ou a picá-lo! 

    Aproxima-se do pavão:

- Então moço? O que se passa? Estás muito agitado! 

    O pavão continua a saltar, a gritar, não responde ao coelho e vai a correr para a beira dos pais: 

- Pai, Mãe, está um bicharoco dentro da água do lago a olhar para mim, a imitar tudo o que eu digo e faço. Depois...desaparece, volta a aparecer. Virei-me de lado, olhei para a água e lá estava ele a imitar-me. Mas agora vi que tenho ramos de árvores colados ou espetados nas costas, ou mais abaixo, ainda por cima com umas centenas de olhos, não os contei mas deve ser próximo disso. Aparecem na água lá com  o outro que também tinha iguais...e vocês também têm! O que é isto? Como é que estes paus com olhos vieram aqui parar? Socorro! Tirem-me isto, por favor. Eu corri, saltei, e não saíram.

    Os pais desatam às gargalhadas. 

- Estão-se a rir? Eu aqui em sofrimento, numa grande aflição, e vocês riem-se? Ááááhhhh, não estava à espera. 

- Mostra-nos esse bicharoco do lago. - diz a mãe a rir 

- Vocês não vão gostar de o conhecer! Tenho a certeza. - diz o pavão pequenino 

- Nós conhecemos esse bicharoco, mas mostra-nos! - diz o pai a rir 

- Conhecem? - pergunta o pavãozinho muito surpreso 

- Sim, mas mostra-nos, para termos a certeza que é quem estamos a pensar. 

    Os pavões adultos, vão a rir à gargalhada o caminho todo até ao lago. 

- Aqui! - diz o pequeno e espreita 

    Os pais também espreitam, e veem o seu reflexo: 

- Olha que bonitos que nós estamos! - diz a mãe a sorrir 

- Mas então, onde está o bicharoco? 

- Está aqui...e agora tem mais dois. - diz o pequeno

- Não vês que somos nós, e tu? - comenta a mãe 

- É o nosso reflexo? - acrescenta a mãe? 

- Olha tu...eu...e a mãe. - diz o pai 

    O pequeno pavão olha várias vezes para os reflexos na água e para os pais, que continuam a rir 

- Mas...mas...como é que pode ser? - pergunta o pavãozinho 

- É como se nos estivéssemos a ver ao espelho, em casa. 

- Mas estes não têm os ramos das árvores espetados ou colados aqui atrás, com os olhos… 

    Os pais viram-se de lado, e as grandes penas luminosas veem-se refletidas na água. 

- Não são ramos de árvores coladas, muito menos com olhos! São as nossas penas, e as tuas também vês, quando te pões de lado. - explica o pai 

- As tuas ainda são pequeninas, mas à medida que vais crescendo, elas também crescem. Ficam como as nossas! - acrescenta a mãe 

    O pavão pequeno fica boquiaberto, muito surpreso e em silêncio. Os animais à volta riem à gargalhada, com os pavões grandes. 

- Ele estava aqui, completamente histérico, nem me respondeu - diz o coelho a rir-se 

    Gargalhadas de todos 

- Pensávamos que ele estava a fugir de algum inseto, ou que estava a picá-lo. - diz o esquilo às gargalhadas, com os pavões grandes 

- Então...não há outro a imitar-nos na água? - pergunta o pequeno 

- Não, claro que não. - dizem os pais 

    Os pais abrem as penas maravilhosas, todos os animais batem palmas, como costumam fazer. O pavãozinho pequeno abre as dele, os pais e os outros animais também aplaudem. Ele sorri. 

- Sois maravilhosos! - grita uma preguiça num tronco

-Obrigada! - dizem os pavões 

- Onde é que o pequeno há bocado ia com tanta pressa, aos saltos, aos gritos…? - pergunta a preguiça

- Estava a ver os reflexos na água e não sabia o que era, nem de quem eram. Eram dele, e depois nossos. - responde a mãe

Todos riem

- Pensei que tinha ramos de árvores com olhos, colados às costas, ou mais abaixo. E que estava uma criatura monstruosa a imitar tudo o que eu dizia e fazia. Que susto que eu apanhei - diz o pavãozinho a rir

Conversam alegremente, passado uns tempos o pequeno pavão cresce como os pais, e vê o seu reflexo na água do lago, com as penas enormes e bonitas. 

Vai frequentemente ao lago, e abre as penas, umas vezes com os pais, outras, sozinho e vaidoso, os outros batem palmas. 

Adora desfilar, e exibir as suas penas lindíssimas, vai com outros para esse lugar festejar, brincar, rir, conversar, saltar, correr e receber palmas. 

A grande família de pavões era realmente bonita e especial, pelas suas penas e espetáculos que davam quando as abriam. 

                                                                Fim 

                                                          Lara Rocha 

                                                        12/Maio/2025 

sábado, 3 de maio de 2025

Rosa Amor

 

foto de Lara Rocha 


    Há uns anos atrás, uma jovem misteriosa, chamada Natureza, ofereceu a um casal, um lindo botão de flor, fechado. 

    Disse para cuidarem dele com amor, regar com carinho, educação, sensibilidade atenção e dedicação, para falar com ele. 

    Acrescentou que desabrocharia passado nove meses, numa linda flor e desapareceu. O casal ficou surpreso e apreensivo, sem perceber o que tinha acabado de acontecer, e o que significaria aquilo.

    Procuraram por ela, mas não a viram em lado nenhum, estava escondida, e a sorrir. 

- Tenho a certeza que estarás muito bem entregue! - murmura a jovem Natureza, ao ver o carinho com que o casal segurou a flor

    Assim aconteceu, o casal cuidou do botão de flor com amor, e estavam ansiosos por saber que flor seria, e porque demoraria tanto tempo. Regaram-na, falavam com ela, o botãozinho ia crescendo, alargando, tentavam imaginar a cor que teria, mas ele não a mostrava. 

    O casal não tinha preferência, pois adoravam todas as flores, em botão, e, ou abertas. Acariciavam o botãozinho, mudavam de terra de vez em quando, punham-no a apanhar sol, e ar, quando estava vento recolhiam-no. 

    O botãozinho ouvia as conversas todas, e sorria fechado nas pétalas, quando o casal lhe tocava. Não viam, mas era um sorriso luminoso, por se sentir acarinhado, acolhido, amado. 

    Passados nove meses, como a Natureza anunciou, o botãozinho de flor, abriu. Era uma linda rosa cor-de-fogo, com amarelo, laranja e vermelho! Uma perfeição, parecia que estava a sorrir, com as pétalas delicadas, o casal não ouvia, mas imaginava, o som do sorriso da rosa, quando lhe tocavam com carinho. 

    Que surpresa tão agradável, o casal não podia estar mais feliz, e continuaram a cuidar dele, com tanto amor e dedicação que cresceu como nunca se tinha visto. 

    Que lindo que era, sempre viçoso e vistoso, brilhante, adorava sol, e ficava ainda mais bonito, continuaram a regá-lo, a alimentá-lo, a conversar com ele. Deram-lhe o nome de Rosa Amor. 

    Um nome que fazia todo o sentido, porque era o símbolo do amor do casal, um pelo outro, dos dois pela Natureza, um prémio por terem cuidado tão bem dele. 

    Era como se fosse um filho, aliás, quando a esposa soube que vinha a caminho, um bebé verdadeiro. Pensaram que a flor iria murchar de tristeza, ou ciúmes, mas não. 

    Porque tinham atenção e amor para os dois; para o bebé, para a flor, a diferença é que este botãozinho que vinha a caminho, era uma pessoa. Um ser vivo, como um botãozinho em flor, que exigia mais amor, mais dedicação, mais regras, mais atenção, carinho. 

    Sem nunca se esquecerem da  Rosa Amor, que mesmo sendo uma flor, estava feliz por ter um irmãozinho em forma de pessoa, nunca se sentiu excluída, nem abandonada. 

     Quando o bebé nasceu, a flor chorou de alegria, surgiram gotas de água nas suas pétalas, e algumas caíram, ao ver aquele ser delicado, frágil e lindo como ela. 

     Rosa Amor, sorria ao ver a ternura dos pais, com aquele bebé, e a gratidão do bebé a olhar para eles, o carinho que ele recebia, e chegava para a flor. Mostraram o bebé à flor, e esta inclinou-se, encostou-se à carinha dele, com as suas pétalas macias, e voltou a chorar de alegria como se estivesse a fazer uma carícia ou a dar um beijinho no seu irmãozinho humano. 

     O bebé e os pais sorriram de alegria, pegaram na mãozinha do bebé, e fizeram uma festinha das pétalas da flor. Ela sorriu e brilhou com tanto amor. Cresceram juntos, nunca faltou carinho, atenção, dedicação, amor, regras, diálogo, aos dois, e formaram uma linda família.  

    Todos os dias agradeciam à Natureza, aquele botãozinho maravilhoso, e o botãozinho verdadeiro, o bebé que também adorava a flor. Ela abanava-se e ele desatava à gargalhada, que fazia o mesmo com os pais. 

    Parecia que os dois comunicavam um com o outro, só entre eles, balbucios e gargalhadas, trocas de mimos, e papagueados que só a flor e o bebé entendiam. 

    O casal agradecia todos os dias, a saúde, e a alegria, o amor que havia naquela casa, com aquela flor. A jovem Natureza apreciava encantada, espreitava e sorria à flor, esta retribuía. 

    Sentia-se orgulhosa, e de vez em quando as duas conversavam sobre a felicidade da flor naquela casa, o bebé, a forma como eram tratados, e outros assuntos. 

    E assim se constroem as amizades, os amores, com dedicação, paciência, carinho, diálogo, respeito, acolhimento, atenção, sem pressa, com delicadeza. Botõezinhos fechados, que se vão abrindo em lindas flores. 

                                            FIM 

                                       Lara Rocha 

                                      2/Maio/2025 

domingo, 20 de abril de 2025

As luzes do descampado

     Era uma vez um descampado numa floresta, onde viviam muitos animais. Nesse descampado, existia uma árvore gigante, de tronco muito largo, muito antiga, com muitos ramos em todas as direções e diferentes grossuras. 

    Havia uma porta redonda, aberturas no tronco mais para cima, que pareciam janelas, mas quando se espreitava estava sempre tudo fechado. Mas de noite viam-se luzes a sair por essa porta, muitos metros de altura, aparentemente não se ouvia barulho, só no local. 

    Ninguém sabia o que era, sentiam medo de ir lá ver, mas numa noite, uma coruja quis ir ver, ela também andava por cima desse descampado, via as luzes e ouvia música. 

    Sobrevoou a zona, e quando pousou em frente à porta, no solo, uma lebre elegante, delicada, olhou - a de cima a baixo, com uns olhos que pareciam saltar de órbita, a coruja até ficou intimidada, cheirou-a.

- Porque estás a olhar para mim com esses olhos e a cheirar-me? - pergunta a coruja 

- Estava a ver se eras boa criatura! 

- Essa agora! Não posso andar por aqui, livremente? Quem és tu para mandar em mim, ou dizer se posso ou não andar por aqui? 

- Sou a lebre porteira. 

- A lebre porteira? 

- Sim. Aqui dentro é um bar, com música, espetáculos de canto e dança, teatro, ginástica, às vezes, relaxamento, declamação de poesias, apreciação de artes, onde dezenas ou centenas de coelhos convivem. Todas as noites, há aqui atividades! 

- Áh! Então é por esse que vemos estas luzes? 

- Sim. 

- Só aqui à beira é que ouvimos mais barulho. 

- Claro, por respeito aos outros animais, viemos para este descampado, para não perturbar o descanso. 

- Áh! Boa ideia. Obrigada. 

- Já estão aqui há muito tempo, não? 

- Sim. Às vezes os coelhos saem e vem cá para fora. 

- Então também há atividades cá fora? 

- Há! Mas são mais silenciosas, por respeito aos habitantes. 

- Que tipo de atividades? 

- Mais sossegadas! 

- Tudo acontece neste tronco? 

- Sim. 

- Tem espaço para tanta gente? 

- Tem. Tem 4 andares! 

- Áh! Então são nestas janelas? 

- São. 

- Nós realmente só vemos as luzes, e os barulhos só se ouvem aqui. Não sabíamos o que era. 

- Pois! De dia, está fechado. E tu vens de onde? 

- Aqui da floresta! 

- És uma coruja, não és?

- Sou. 

- Querias entrar, não era? 

- Era… 

- Hummm…não sei se podes! 

- Como assim? 

- Vou perguntar. Espera aqui, por favor. 

- Porque é que eu não posso entrar? É exclusivo para coelhos? 

- É. 

- Áh…! Mas eu só queria ver o que era e como era! 

- Vou perguntar. Espera aqui. 

    A coruja espera à porta, a apreciar o espaço, regressa a lebre pouco depois, com um coelho vestido de fato: 

- Boa noite! Quer entrar? 

- Boa noite, sim, quer dizer...gostaria! 

- Para que quer entrar - pergunta o coelho 

- Para ver como é. 

- Não nos vem fazer mal? 

- Claro que não! Não tenho nada contra coelhos, sou a guardiã da noite. Ando por aqui, pela floresta. 

- Promete que não vai chamar os outros para virem para aqui...? 

- Prometo! 

- É que nós gostamos de ser discretos, ter o nosso próprio espaço, estar uns com os outros, conviver. 

- Claro, compreendo. 

- Bom...entre, mas lá fora, não conte como é, certo? 

- Certo! Obrigado. 

    A coruja entra, olha para todo o lado, todos os coelhos olham para ela, sorriem, cumprimentam, ela retribui, fica encantada com a decoração e a quantidade de coelhos que estão nesse espaço, a rir à gargalhada, a comer, a beber, a dançar, a ouvir musica, a fotografar, a conversar. 

- Nunca vi tanto coelho no mesmo espaço! Tão diferentes na cor do pelo, nos tamanhos...muito bonitos. - comenta a coruja com a lebre porteira 

    A lebre porteira ri: 

- É verdade! Imagino que sim, e hoje não é dos dias em que está mais cheia. 

- O espaço é muito agradável, nunca imaginei que isto fosse assim. Por fora nada indica como é assim. 

- É verdade! 

- Muito bonito!

- Obrigado. Quer subir para ver o resto? 

- Sim. 

- Boa noite! - dizem os coelhos a sorrir 

- Boa noite, divirtam-se! - diz a coruja 

- Já fazemos isso, obrigado.

- Boa! 

    Percorre todos os andares, admira o espaço, a decoração, vê a paisagem entre as janelas. 

- Que paisagem maravilhosa! - murmura e suspira a coruja 

    Voltam a descer. 

- Já vai embora? - pergunta o coelho chefe

- Sim! 

- Está bem! 

- Gostei muito do espaço. Parabéns! 

- Obrigado. Não quer ficar mais um pouco? 

- Não...só queria ver mesmo o que eram aquelas luzes que víamos. 

- Entendo! Por favor, não conte aos outros. 

- Está prometido! - diz a coruja 

- Sabe que na floresta existem muitos perigos para nós, coelhos... 

- Sim, compreendo! O que precisarem, eu ando todas as noites, aqui, e por toda a floresta, é só chamar. 

- Muito obrigado, confiamos em si, e de nossa parte, também. Apareça quando quiser. 

- Obrigado. 

- Passe uma boa noite! 

- Obrigada, divirtam-se.

- Sempre! - diz o coelho chefe a rir 

- Até à próxima. 

- Até à próxima. 

    E a coruja regressa a casa, satisfeita por ter descoberto de onde vinham as luzes altas da floresta. Como prometeu não contar, quando os outros animais lhe perguntavam curiosos, o que eram aquelas luzes, ela dizia que não sabia: 

- Não sei...possivelmente da cidade! 

- Na cidade há estas luzes? 

- Sim, e muitas mais. 

- Áh! Está bem, mas o que será? 

- Isso não sei. Só vejo as luzes. 

    A coruja passava por lá de vez em quando, sobrevoava muitas vezes a zona para apreciar a paisagem e ver as luzes, cumprimentava a lebre, e perguntava se estava tudo bem, se não precisavam de nada. 

    A lebre porteira agradecia, conversavam um pouco, riam, e alguns coelhos saiam para as atividades mais livres e calmas, ela assistiu, aplaudiu. Outros coelhos apareciam nas janelas, cumprimentavam-na, sorriam e brincavam com ela. 

    Aquele espaço passou a ser um refúgio e de diversão para a coruja, porque convidavam-na para entrar, ver alguns espetáculos, quando perceberam que ela era de confiança, confirmada pela lebre porteira. 

    Era a única a quem permitiam entrada, e ela respeitava. Fez grandes amigos, estava sempre atenta, para os proteger se fosse preciso, e divertia-se muito com eles. 

    Afinal as misteriosas luzes que se viam em toda a floresta e pensavam que era da cidade, vinham do descampado, do tronco enorme de uma árvore antiga, transformada num lugar reservado, discreto e silencioso para os outros animais, cheio de diversão e amizade. 

    Os outros animais nunca souberam o que existia no descampado, sentiam medo do espaço, e pensavam que as luzes vinham da cidade. 

    E vocês, visitavam esse descampado? 

    Acham que a lebre porteira vos deixava entrar? Porquê? 

    Como imaginam esse espaço? 

    O que existiria nele para vocês? 

    Quem deixavam entrar? 

Podem deixar as respostas nos comentários. 

                                                                FIM 

                                                          Lara Rocha 

                                                        20/Abril/2025 

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Memória nossa de todos os dias (monólogo)

 Memória nossa de todos os dias! 

       A memória faz-nos mover, agir de forma automática, quase sem pensarmos, principalmente naqueles gestos rotineiros, aprendemos, lemos, estudamos, escrevemos.                   Pela memória emocionámo-nos (ou re-emocionamo-nos), rimos à gargalhada, choramos, sentimos saudades, e vontade de repetir determinados momentos, ou lembramos acontecimentos que queríamos esquecer, e esquecemos por vezes recordações que gostaríamos de reavivar todos os dias. 

Falamos, pensamos, decidimos, sentimos o mundo à nossa volta, defendemo-nos das agressões internas e externas. A memória, por vezes corresponde a momentos, outras informações ficam armazenadas, umas são ativadas sempre que necessário, outras parece que se apagam. 

A memória pode ser tão fugaz como um suspiro. A memória dá sentido à nossa vida e à nossa existência, às nossas relações, pois permitem-nos armazenar informações relativas a rostos e dados sobre as pessoas que nos são familiares, permitem-nos andar com segurança por espaços, e conhecer outros, sem esquecermos as nossas origens. 

A memória conta histórias. Em todos os tipos de memória, há a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. 

Não há tempo sem um conceito de memória, não há presente sem um conceito de tempo, não há realidade sem memórias e sem uma noção de presente, passado e futuro. 

Mas...e quando a memória falha? 

Quando esquecemos a nossa origem, os nossos pais, os nossos amigos…? Quando olhamos para os rostos que nos eram familiares e não os reconhecemos, quando deambulamos pelo espaço que conhecíamos e deixamos de saber onde estamos? 

Quando esquecemos o que vamos fazer? Quando a cabeça fica vazia, e o nosso coração também fica. 

Quando esquecemos os bons momentos? 

Quando esquecemos o que queríamos fazer, dizer, alimentarmo-nos, quando esquecemos o passado, o presente e ficamos sem futuro. 

Quando a memória falha, esquecemos o sabor dos abraços, dos beijos, do sol, da chuva, do vento, da natureza, das cores, dos sons, das lágrimas, das memórias que nos deixavam felizes, dos risos e gargalhadas, das letras, das palavras, da nossa casa, do que nos emocionava, do que é o amor, a amizade, a família, o Mundo? 

Quando a memória nossa, deixa de ser nossa...todos os dias! Pedimos ajuda, se temos tempo, ou alguém poderá pedir por nós. Caso contrário, tudo desaparece, até a nossa existência. 

O que fazemos para que a memória continue a ser A nossa Memória de todos os dias? 

Lara Rocha 

18/04/2019  

segunda-feira, 24 de março de 2025

A pontuação do Passado (monólogo para Adultos)

     Se o passado fosse um conjunto de palavras, um texto, um filme, um guião, ou um poema...se escrevêssemos sobre o passado… qual a pontuação que usaríamos? 

    Hummmm....eu...colocaria muitos pontos finais, alguns que ainda hoje não consigo colocar, ou coloco e de vez em quando saltam. Demorei a aplicá-los, mas ficaram lá atrás, juntamente com tudo o que levou um ponto final. 

    Acho que só mais próximo da idade adulta, conseguimos fazê-lo, pelo menos aparentemente. Alimentei a raiva, o ódio, o rancor, a vontade de vingança que qualquer um de nós sente, durante muito tempo. Demasiado tempo! 

     Alguns pontos finais foram difíceis de aceitar e de os ver juntamente com alguns acontecimentos, e pessoas; a quem acrescentei um ponto e vírgula, símbolo das lágrimas que me fizeram cair. 

    Porque me magoaram, e fizeram sofrer, desiludiram-me; por isso também usei o ponto de exclamação porque não esperava que alguns e algumas o fizessem. 

    Como se atreveram a fazer-me isso, que desilusão! Nada fazia esperar essa necessidade de pôr um ponto e vírgula, e um ponto de exclamação, mais umas reticências. 

    As reticências para quê? Quando tentava procurar uma justificação para comentários e maldades. Não encontrei as respostas. Mas de outras pessoas e situações cansei rapidamente. 

    Foi muito fácil, e quase imediato que as pus, ainda acrescentei travessões para despejar toda a minha raiva e desagrado em relação a essas criaturas que infelizmente surgiram na minha vida e só me infernizaram.

    Outras vezes, por muito que tivesse doído, e por muito que eu não quisesse, com um conflito entre a razão e a emoção, tive de pôr um ponto final. 

    Amores não correspondidos, desinteresse total, indiferença do outro lado, as amigas a tentar ajudar, casamenteiras, mas não funcionou. Não era para ser. 

    Doeu, muitos meses, pus muitos pontos e vírgulas nas lágrimas que tanto teimavam  em cair, utilizei parênteses para representar o meu vazio e o estar fechada. Uma defesa. 

    Quando mais crescida, sorrio, ponho meio parêntese por baixo de dois pontos das reticências. Usei travessões, reticências dentro de parênteses, quando ouvi coisas que não gostei, às centenas, e tive de me calar, ficando com a vontade de falar, despejar tudo o que ficava atravessado. 

    Mas para não ter conflitos, calava-me. Eram parênteses e reticências porque não havia diálogo com quem me dirigiu palavras destrutivas, que me ofenderam e magoaram, tive de ouvir e calar. 

    Mas uns anos mais tarde, estava com pessoas de confiança e os parênteses abriram, saíram todas as reticências e todos os travessões, todos os pontos de exclamação e pontos e vírgulas. 

    Quando fui capaz de falar, mais adulta utilizei muitas vezes os travessões, os pontos finais com mais facilidade, abri os parênteses e deixei cair as reticências, embora tivesse de deixar algumas dentro dos parênteses, para não alimentar criaturas cruéis. 

    Também usei muitos pontos de exclamação e pontos finais. À medida que vamos aprendendo com as experiências, e as desilusões, tornamo-nos mais capazes de despejar os parênteses, e substitui-los por pontos finais. 

    Em relações, em falsas amizades, interesseiras, não reciprocidades, indiferenças. Não usamos tantas reticências, mas sim, pontos e vírgulas, pontos finais, sem tanta dor. 

    Quer dizer...dóis, colocar pontos finais, abrir parênteses, pôr reticências, e os travessões só os vemos na nossa mente! Mas tudo passa mais rápido, do que por exemplo, na Adolescência. 

    Mesmo na idade adulta, nem sempre é fácil colocar pontos finais em «sonhos não realizados», «esperanças», «expectativas furadas», «desejos frustrados», juntamente com pontos e vírgulas, nem aceitar e lidar com fracassos, injustiças. 

    Aqui, às vezes aparecem pontos e vírgulas, as nossas lágrimas, de frustração, raiva, incompreensão, e os pontos de interrogação quando procuramos os «porquês»? 

    Qual é a resposta desses pontos de interrogação? Abrimos parênteses, colocamos reticências, fechamos parênteses, ou pontos e vírgulas de lágrimas, mas sem travessões, porque não encontramos explicações nem respostas. 

    As reticências também são usadas quando pensamos, e não sabemos o que fazer. Os pontos de exclamação, os dois pontos lado a lado e os parênteses voltados para cima quando estamos felizes, quando nos sentimos realizados e somos valorizados, apreciados, incentivados. 

    Ou dois pontos lado a lado e um parêntese, o que fecha, virado para baixo, que mostra o nosso desagrado, a tristeza, ou o traço inclinado, que traduz a nossa raiva, frustração. 

    Quando pensamos no nosso passado, na atualidade, que pontuações usamos? Muitas vezes, as reticências, outras vezes, estas dentro de parênteses, e pontos de exclamação no fim da frase ou pensamento. 

    Estes pontos de exclamação, as reticências dentro de parênteses e os pontos e vírgulas, ou os dois pontos lado a lado, com meio parêntese virado...umas vezes para cima, outras vezes para baixo. 

    Geralmente sem travessões porque não dialogamos com outros, só com nós mesmos, e não precisamos de colocar travessões, porque não existem respostas. 

    Os sinais de pontuação são usados, tanto para o passado, como para  o presente. Às vezes queremos colocar pontos finais, mas a insegurança, a incerteza, o medo, fazem-nos pôr reticências, quando também temos dúvidas se queremos ou demos usar ponto final. 

    Porque, em vez de ponto final, pomos uma exclamação ou um ponto de interrogação, mas sentimos mais segurança com reticências dentro de parênteses. 

    Talvez porque...as reticências dentro ou fora dos parênteses sejam um sinal de esperança que a situação ou pessoa a quem tentamos pôr o ponto final mude! Ou quando sonhamos, imaginamos, idealizamos que as coisas vão ser diferentes de um  momento para o outro. 

    Cansamos de esperar, de ver os dois pontos lado a lado com o parêntese para baixo, e os pontos e vírgulas. Porque tudo continua igual,  a pessoa e a situação.

    Porque as lágrimas saem, porque o estômago e a mente, não querem sentir mais isso...porque a pessoa ou situação na verdade não merece, não está preocupada connosco ou com o que sentimos. 

    E lá vem outra vez o ponto de exclamação. A mente, o estômago, o coração, todo o corpo...começa a dialogar connosco, mas nós não lhe respondemos. 

    Todo o corpo, ao fim de algum tempo com as reticências, e os pontos e vírgulas, começam a dizer: põe pontos finais nesses assuntos, nessas situações. Já vai há tanto tempo, para que continuas a preencher-nos com elas, se elas só nos fazem mal? 

    Eles têm razão, mas às vezes, os pontos finais que achávamos já ter posto em pessoas ou situações, do passado, saltam para o presente. Lá vem outra vez as reticências, e os parênteses, porque queremos fazer isso, mas não sabemos como, ou não conseguimos. 

    Mais um ponto de interrogação, um ponto de exclamação, parênteses com reticências. A mente responde: põe pontos finais e verás como a leitura é diferente. 

    Deixa para lá o passado, e todas as coisas más. Lembra as coisas voas, agradece as coisas boas, lembra as pessoas boas que conheceste e que te fizeram bem, mesmo que no presente não saibas delas, ou não fales com elas, nem as vejas. 

    Lembra os momentos felizes, mas deixa espaço para o presente que é o que conta! Deixa o passado na caverna, para ele descansar em paz, e nós teremos paz.

    Deixa o passado em paz, ele já não te dá nada, não te traz nada, não te ensina mais nada, não te dá mais nada de bom...Põe pontos finais! Nós precisamos e merecemos. 

    Não ponhas mais reticências no que não tem futuro, e no que é incerto ou pode nunca acontecer, nunca saberás muitas das respostas, também não precisas delas. Já passou! 

    O presente é que conta, tu estás no presente, e há sempre muitos pontos de exclamação para serem utilizados, nas coisas boas e bonitas, na simplicidade, no que tens agora, no que és agora. Com o que vale a pena! 

    Achamos que pomos pontos finais, mas continuamos na verdade, às vezes, a usar parênteses, co  reticências, para nos sentirmos preenchidos, ou não perdermos a nossa identidade. 

    Mas até a nossa identidade, não é a mesma! Também ficou lá atrás, não somos mais aquela pessoa do passado, ou aquelas pessoas que fomos, não voltaremos a ser. 

    A cada ponto final, que pusemos ou pomos no passado, fica algo de nós que já podemos nem nos lembrar de como éramos. Pôr pontos finais pode ser mais ou menos difícil, mas é preciso. 

    No presente, usamos todos os sinais de pontuação! Talvez a pontuação mais difícil de usar, no passado e no presente, sejam os pontos finais. 

E para vocês, qual é o sinal, ou sinais de pontuação que mais utilizam? Quais foram os que mais utilizaram no passado? E agora no presente? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

                                                            FIM 

                                                     Lara Rocha 

                                                 24/Março/2025  



segunda-feira, 17 de março de 2025

O saquinho das amoras

 


    























    Era uma vez uma floresta ao lado de casas numa pequena Vila. Uma floresta aparentemente pequena, achavam as pessoas, porque a entrada era escura, provocada pela sombra das árvores enormes, frondosas, que se entrelaçavam umas nas outras. 

    Formavam um túnel onde dificilmente entraria o sol, e no Inverno, a entrada era tapada com as folhas que caíam das árvores, um manto em altura que parecia uma porta. 

    Nenhum habitante, desde as primeiras gerações que viveram nesse lugar tinha entrado na floresta, porque ouviam muitas histórias de terror, de coisas que aconteciam a quem se atrevesse a tentar entrar para explorar o espaço. 

    Contavam muitos mitos, lendas que pensavam ser verdadeiras, porque ouviam barulhos estranhos, principalmente de noite! 

    Gritos, vozes que não se percebia o que diziam, mas pelo tom, pareciam estar a discutir, risinhos maléficos, estalidos, ressonâncias, sons misteriosos que não faziam parte do dia a dia, e do meio onde estavam.

    Diziam que viviam seres muito diferentes do ser humano, não humanos ou humanos cruéis. Na verdade, tudo não passava da imaginação das pessoas, por histórias contados dos antepassados, pelo medo do desconhecido e do escuro, embora nunca tivessem visto ninguém. 

    Histórias, mitos e lendas que faziam as pessoas ficar em casa à noite, imaginar coisas à noite, e tinham a certeza de que vinha da floresta, sentiam pavor, pânico, ansiedade. 

    Custava-lhes a adormecer, porque ficavam a pensar no que teria a floresta, se era assim tão terrível como diziam. 

    Um dia, dois adolescentes que também sentiam medo, viram um saquinho de lindas amoras vermelhas à sua porta, e na porta de outras casas. 

    Ficaram preocupados, mas gostaram tanto da cor do fruto que se esqueceram das lendas e mitos, nem sequer pensaram que poderia ter vindo da floresta. 

    Não sabiam como esse saquinho tinha aparecido à porta das casas, provaram e adoraram. Ofereceram aos pais e familiares, que primeiro gritaram: 

- Cuidado, não comam isso! Pode ser venenoso ou uma armadilha da floresta. - diziam os pais 

- Qual venenoso, ou armadilha, mamã e papá...claro que não é! Eu acabei de provar, e são uma delícia. Não sei quem as pôs aqui. - disse a Adolescente 

- Mais uma razão para não comer isso! Não sabemos. - diz uma mãe 

- Está bem, não querem provar, é quanto perdem! 

    A adolescente continua a comê-las deliciada. O adolescente faz o mesmo na casa dele, e as outras casas onde estava o saquinho com amoras. 

    Os pais decidem provar, a medo, mas primeiro rezam para que  não seja uma armadilha ou venenoso. Os adolescentes riem-se. 

    Todos comem e percebem que realmente tem um sabor irresistível, é bonito e não lhes aconteceu nada! Quando saem a porta, encontram-se com os outros vizinhos, e conversam sobre o saquinho das amoras que receberam. 

    Todos comeram a medo, mas acharam maravilhoso. 

- De onde terá vindo? - perguntam-se todos 

- Quem é que o terá deixado aqui à nossa porta, e para quê?  perguntam  todos 

    Quando olham para o chão veem várias amoras espalhadas pelo chão, até à entrada da floresta e no inicio desta. 

    Começam aos gritos, em pânico. 

- Eu disse que era uma armadilha! Ou veneno. - diz uma senhora com uma certa idade 

- Eu também. - concordam os pais da adolescente, em pânico. 

    Os adolescentes desatam às gargalhadas. 

- E agora, o que nos vai acontecer? - pergunta outro senhor

- É melhor chamarmos já ajuda, porque isto pode dar cabo de nós! - diz um senhor com alguma idade muito assustado 

    Os adolescentes não param de rir pelo exagero dos adultos, e por sentirem aquele pânico todo, ao pensar que vinha da floresta. 

- Eu vou entrar! - diz a adolescente 

- Eu vou contigo! - diz o adolescente 

- Eu também vou… - dizem todos os adolescentes 

- Vocês são loucos? - grita a Avó de um deles 

- Nem pensam no que estão a fazer! - diz outra Avó 

- Já deve ser efeito do veneno! - comenta um sr. 

- Só se riem, e ainda por cima querem entrar ali. - comenta outra Avó 

- Vamos, pessoal. 

    Os adolescentes, entram às gargalhadas na floresta. 

- Que irresponsáveis! - grita uma mãe 

- Voltem imediatamente. - grita outra mãe 

- São completamente loucos! - diz um pai 

- É da idade, mas vão-se arrepender! - comenta outro pai 

- Eu tenho pena mas não vou ajudá-los! Sempre tive, e tenho medo! - diz uma mãe 

- Eu muito menos - diz a Avó 

- Que assumam! - comenta um pai, nervoso - Eu também não me meto lá. 

- Nem eu! - dizem todos 

    Enquanto aguardam com expectativa e medo, a olhar para a entrada da floresta, os adolescentes, alguns a esconder e a disfarçar o medo, conversam alegremente, caminham, olham a toda a volta, para cima. 

    Apanham alguns sustos com alguns animais, que aparecem de repente. Continuam a andar e identificam muitos dos barulhos que achavam estranhos e ouviam de noite. 

    Percebiam que eram os guinchos, os gritos, os risos maléficos, que os faziam imaginar coisas. 

    Viram seres iguais a eles, pessoas, com alguma idade, outros mais novos, e crianças, que se refugiavam naquele sítio, e onde viviam desde sempre. 

    Famílias inteiras a viver em tendas de campismo, e árvores, muito simpáticos e acolhedores, com um estilo de vida muito próprio, diferente do deles. 

    Os adolescentes perguntam se foram eles que deixaram aqueles saquinhos de amoras nas portas. Eles responderam que sim. 

- O que são? - pergunta um adolescente 

- São amoras! Gostaram? 

- Muito! - respondem todos 

- Os nossos pais, avós, tios, vizinhos estavam cheios de medo de comer isso, a pensar que era venenoso, ou uma armadilha! - diz um Adolescente a rir 

    Todos dão uma  gargalhada. 

- Não! Podem estar descansados, que não é nenhuma armadilha, nem veneno! Porque pensaram isso? Nós oferecemos, porque faz parte da nossa cultura, para nunca nos faltar nada! Não pusemos antes porque deixamos noutras portas por aí, noutros lados, mas este ano, escolhemos vocês, que não conhecemos! Mas somos pessoas como vocês, trabalhamos na cidade, levantamo-nos muito cedo, outros trabalham de noite, temos horários diferentes, as crianças andam nos vossos colégios, e escolas. 

- Áh! Que giro! - dizem todos a sorrir 

- Nunca ninguém entrou aqui, porque há muitos medos, mitos e lendas em relação a esta floresta. - diz uma Adolescente

- A sério? - diz uma habitante surpresa a rir

- Sentem-se aqui um bocadinho connosco, e contem-nos, por favor. 

    Os adolescentes sentam-se numa manta, e todos ouvem o que os visitantes contam. Todos desatam às gargalhadas e os Adolescentes também. 

- E vocês acreditavam? - pergunta uma habitante 

- Ahhhh...no início sim… - diz uma Adolescente 

- Sentíamos medo, pelo que contavam e achávamos que era verdade, porque ouvíamos alguns barulhos no escuro, que já descobrimos de onde vem. Como não conhecíamos, também imaginávamos coisas estranhas.

(Todos riem) 

- Pois, nós também nunca nos encontramos antes, nem lá fora, nem cá dentro! - diz a habitante 

- Ficaram cheios de medo que nós entrássemos…! - diz outra Adolescente 

- Claro, entendo! O medo faz parte de nós, e faz-nos imaginar coisas que não existem, o que não conhecemos. É normal. As nossas crianças, filhos, e adolescentes da vossa idade também têm os seus medos de coisas absurdas. Até os Avós, e nós. - explica outra habitante. Nunca vimos nada aqui, do que eles imaginam. 

- Sim! - confirmam os Adolescentes 

- Estamos a aprender isso. - diz outro 

- Mas...eu vou convosco, buscar as vossas famílias e vizinhos para virem conhecer a floresta, e a nós, e perceberem que afinal o medo deles não faz sentido. Nada do que eles imaginam sobre esta floresta, nada do que contam, é verdade! 

- Boa idade! - concordam os Adolescentes 

    Os habitantes acompanham os habitantes até à entrada da floresta, numa conversa muito animada, a rir, a mostrar coisas. 

    Os pais, os Avós, os tios e os vizinhos ficam muito assustados, surpresos ao ver os Adolescentes com todas aquelas pessoas desconhecidas. 

- Estão bem, filhos? - pergunta uma Avó

- Ótimos! - respondem todos 

- Quem é esta gente toda? - pergunta uma mãe inquieta 

- Olá! Somos os vosso vizinhos, aqui da floresta cheia de mitos e lendas, terrores… .- diz uma habitante 

(Todos dão uma gargalhada) 

- Venham conhecer a floresta que vos assusta tanto, e vão ver que nada do que sempre vos foi dito, é verdade. - acrescenta outra habitante 

- Como assim? - pergunta outro Avô 

- Nunca vieram a esta floresta porque sentem  medo, não conhecem como ele é, e isso alimenta a vossa imaginação. Mas acompanhem-nos, e venham conhecer. - convida outra 

    Todos seguem os habitantes e entram na floresta. Primeiro, a sentir medo, ao lembrar de tudo o que diziam existir. 

    Depois, a perceber que afinal aqueles ruídos e barulhos, sons estranhos, eram da natureza e não tinham nada de terrível. 

    Os gritos e os guinchos que ouviam era o vento entre as folhas das árvores nos descampados a passar entre as searas de milho e trigo, as agulhas dos pinheiros altos. 

    Os risinhos e as vozes que ouviam sem se perceber o que diziam, eram as pessoas que viviam nas tendas e nas árvores, a conviver, e a conversar entre si. 

    As crianças a brincar e a rir, eram os risinhos diabólicos. Viram coisas que nem imaginavam ser possível existir naquele lugar misterioso. 

- Tão bonito isto! - suspiram e comentam os visitantes 

- Por causa do medo e do que nos contavam o que estávamos a perder! - comenta outro visitante 

- E nós acreditamos sempre...então o medo já era deles, e dos nossos avós, bisavós. Os mitos, as lendas, que inventavam, ninguém se atrevia a entrar aqui, mesmo não conhecendo, nem para conhecer. - lembra outra visitante

- Sim, acredito que sim. Nunca veio cá ninguém! É verdade, inventam cada uma, para não exporem a riscos desnecessários, e justificar de forma disfarçada o medo do que não conhecem! Nem permitem que outros conheçam, para não sentirem medo, sozinhas, e sozinhos. - diz uma visitante 

- É verdade! - confirmam todos os habitantes a rir 

    Ficaram encantados, com as paisagens e flores, frutos, cascatas, riachos, montanhas, prados muito verdes. 

    O gado que pastava sem pressa, outros deitados à sombra, alguns cavalos a correr livres pelos prados, ovelhas, vacas e bois, no repasto de erva suculenta. 

    Ouviram pássaros a cantar e a voar, de todos os tamanhos, patos a boiar, peixes de todas as cores, sol e sombra.

    Enquanto viam as maravilhas da floresta, ouviam o dia a dia dos seus habitantes, e entenderam que o medo falava mais alto, até lhes fazia ver e ouvir coisas que não existiam. 

    Como estavam errados, pediram desculpa, um pouco envergonhados, e a rir. Agradeceram as amoras, convidaram para voltarem sempre que quisessem e tudo o que precisassem, era só chamar. 

    Retribuíram, e nos dias seguintes, cumprimentavam-se, conversavam, riam, partilhavam alimentos e construíram uma linda amizade, uma família. 

    Passaram a ir mais vezes passear pela floresta, para apreciar todas as belezas, e conviver com os seus habitantes. 

    E vocês? 

Sentiriam medo de uma floresta que não conhecessem? 

Acham que as lendas, os mitos e o medo do que não se conhece, ou que tem um aspeto diferente, pode despertar medos? 

Que lendas e mitos é que já vos contaram, e que vos fizeram sentir medos? 

Confirmaram se existia mesmo? 

Continuaram a sentir medo?  

Se entrassem, o que viam? 

    Podem deixar nos comentários, o que quiserem. 

                                            FIM 

                                       Lara Rocha 

                                      16/Março/2025