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segunda-feira, 14 de julho de 2025

As filhas do vento

    Era uma vez uma pequena aldeia rodeada de árvores. Em alguns sítios entrava o sol, noutros, as árvores eram tão frondosas que o sol quase não entrava. Mas para os habitantes da aldeia de casinhas baixinhas pareciam de bonecas, isso não era preocupação porque onde o sol entrava, aquecia tudo e muito. 

    Precisavam da sombra e refugiavam-se debaixo das árvores. De há uns tempos para cá, alguma coisa estranha andava por ali. Já todos tinham visto o que parecia uma sombra, transparente, para uns. 

    Outros, viram o que parecia uma mulher transparente ou de vestido branco luminoso, que talvez tocasse um instrumento, porque ouviam uma música. Alguns habitantes diziam ter visto fumo a ondular. 

    Na verdade não sabiam o que era, pois mudava de forma muitas vezes. Todos viam, e todos sentiam medo, apesar da curiosidade. Seria uma habitante, ou um habitante novo? De dia não viam, poderia ser uma animal noturno, só era visto de noite, e como não conheciam, o medo não os deixava aproximar desse ser de muitas formas que tanto os intrigava. 

    Uma noite, um grupo de crianças que brincava à porta de casa, num larguinho, viu o que parecia ser um fumo cinzento, a ondular, parecia estar a dançar. Ouviam música, começam aos gritos, e o fumo desata a fugir, tal como elas. 

    Que grande susto! Os pais perguntaram o que tinha acontecido, e elas contaram. Os pais riram, pensaram que era da sua imaginação. Mas para surpresa deles, o fumo ondulante que tinha fugido, voltou. 

    Os pais viram. E um pouco assustados, perguntam: 

- Fumo...por aqui? De onde vem? 

    O fumo rodopia várias vezes, e aparece em forma de mulher transparente a tocar como já a tinham visto. Os pais ficam assustados, mas ao mesmo tempo encantados. 

    Os vizinhos que estão à janela por terem ouvido os gritos das crianças também estão incrédulos. À beira da mulher, aparece outra sombra branca, do mesmo tamanho, outra mulher, com um violino. 

    Era a música que eles ouviam. Todos ficam de boca aberta, e as mulheres sombras brancas riem. 

- Quem são vocês? - pergunta uma senhora, assustada 

- Não precisam de ficar com esse medo todo! - diz uma mulher sombra 

- Somos do bem! - diz a outra 

- Nunca vos vimos por aqui, só recentemente! - explica um senhor 

    Estava uma brisa nessa noite, e depois formou-se um vento forte, que põe as sombras a ondular, a dançar, a tocar música, só perceberam passado algum tempo, que eram os diferentes sons do vento, quando este passava entre as folhas, na erva alta, nas espigas dos campos. 

- Somos feitas pelo vento! - diz uma sombra 

- E de fumo, ou neblina, conforme o seu estado de espírito, se está bem disposto, mal disposto. 

- Ele gosta de variar e brincar! É por isso que já nos devem ter visto também com outras formas…! - acrescenta outra senhora 

- Quem é o vento? Um vizinho novo? - pergunta uma senhora 

- Não, minha senhora! O vento, que a senhora e todos vocês sentem, todos os dias. Umas vezes, uma brisa, outras vezes mais ou menos forte, até quase ao ciclone! - explica uma sombra 

- Áh! Sim, é verdade. Mas ele tem filhos ou filhas? Não sabíamos. Mas o vento não se vê. Só se sente, e vocês as duas veem-se! - responde a senhora 

- Pois! Também não sabemos porque é que ele faz isso! - diz outra sombra

- Respeitamos o trabalho e as brincadeiras, as alterações de humor dele. - diz a outra sombra 

- E gostamos do que ele faz connosco. - acrescenta a outra sombra 

- Claro! - respondem todos 

- Sim, é verdade. - dizem todos os habitantes 

- Umas pessoas dizem que vocês são fumo ondulante, que dança e toca. 

- Outras pessoas dizem ver uma mulher de luz transparente. 

- Sim, é isso mesmo. 

- Outras vezes somos da cor das nuvens em dias de chuva, para nos protegermos. 

- O nosso Pai é um grande artista! Adora mudar-nos a forma e brincar connosco! - diz uma sombra 

- Nós já tínhamos visto, mas não sabíamos quem eram, de que espécie eram. 

- Querem sentir o nosso abraço? - pergunta uma sombra 

- Sim! - dizem todos 

- Aproximem-se. 

    Os habitantes aproximam-se um pouco a medo, e quando as sombras as abraçam, elas sentem as variações do vento: desde uma brisa, vento moderado, fraco, ligeiro, até um vento cortante, gelado, quando elas se afastam e começam a dançar para os habitantes levemente, de forma alegre, e a outra sombra toca. 

    Todos os habitantes perdem o medo, deixam-se contagiar pela leveza e música delas, com várias cores, brilhos e luzinhas. Tão bonitas, tão leves, parecem artistas de rua, acrobatas, divertidas, brincalhonas, giram sobre elas próprias, cruzam-se, entrelaçam-se, uma na outra, e o público acompanha com um olhar maravilhado, surpreso, e encantado.   

    Deliciavam-se a ouvir os diferentes sons do vento que elas transmitem. Todos sentem as aragens, e os sopros fortes, dançam com elas, e uns com os outros, e aplaudem. Elas sorriem, agradecem e depois desse encontro, gostaram tanto que prometeram encontrar-se mais vezes. 

    E vocês: se pudessem ver o vento, teria forma? Qual? Cheiro? Qual? Sabor? Qual? Cor? Ou cores? Qual ou quais? Tocaria algum instrumento musical? Qual ou quais? Gostavam de ver o vento? 

    Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

                                                                    Fim 

                                                                Lara Rocha 

                                                               14/Julho/2025 

domingo, 13 de julho de 2025

A casa dos patinhos

  

foto de Lara Rocha, tirada num jardim (2025) 


  Era uma vez uma família de patinhos que viviam num pequeno ribeiro, calmo, da casa numa quinta, que ia aumentando mais adiante e encontrava-se com um rio maior, para outro enorme. 

  Geralmente estava bom tempo, mas de repente, acontece uma grande mudança, como já não se lembravam de sentir. Um dia com um calor muito estranho. 

   Uma atmosfera que causava aflição e medo, estava tão pesada que até os habitantes se queixavam e andavam mais lentos. Os patinhos quase não se mexiam, pareciam sonolentos, os pássaros murchos nos ninhos, como se fosse noite, ou Inverno. 

   Os animais das cortes, pareciam pressentir alguma mudança porque mostravam-se inquietos, agitados, entravam e saiam dos estábulos a correr desvairados, sem destino, voltavam a entrar com falta de ar. 

    Os donos da casa sentiam-se muito cansados e preocupados com aquela mudança do comportamento dos animais, aquela atmosfera horrível, um calor sufocante, sem sol. 

   O céu fica cada vez mais pesado, escuro e a juntar à preocupação dos donos, os cães desatam a uivar e a ladrar. Eles tinham razão, porque de repente, surgem no céu rajadas de clarões e trovões estrondosos, que abanavam o chão. 

  Os donos ficaram dentro de casa, com medo e a rezar para que aquilo passasse rápido, e para não ser nada de mau. Mas estavam enganados. 

  Infelizmente, começa uma chuva torrencial, tão forte como nunca antes tinham visto. Nem queriam acreditar que fosse verdade, só existia noutros países, mas era mesmo verdade, naquele lugar, onde nem sequer imaginavam. 

   Os pássaros e outros animais conseguiram proteger-se nos troncos, nos estábulos, mas os patos não tiveram tempo. Quase como se estivessem a dormir, deixaram-se ir pela corrente, que se tornava cada vez mais cheia, mais suja, mais forte, e fazia muito barulho. 

   Os pobres patos não sabiam o que estava a acontecer, nem onde iam parar, mas algum sítio haveriam de encontrar. Tentavam voar, mas era impossível.

 Tentaram sair da água mas esta era mais forte do que eles. Grasnavam forte, agarraram-se uns aos outros com muito medo, rodopiaram várias vezes na água, algum lixo bateu contra eles. 

- Tanta água! - grita um patinho 

- Onde vamos parar? - pergunta outro 

- Não sabemos. Vamos ver. Estamos juntos, não nos larguem. - diz a mãe pata 

  Os pais sentiam tanto medo, como os pequenos, mas tentaram disfarçar; sempre a segurar nos pequenos. A enxurrada continuava, mas felizmente os patos conseguiram saltar numa zona mais larga, onde também havia água que assustava. 

    Esse rio era mais largo, tinha margens,  e os patos conseguiram voar para lá. 

- E agora? - pergunta a pata mãe

- Não conheço este sítio! - diz o pai pato 

- Nem eu. - diz a mãe pata 

- Vamos ver! - sugere o pai 

    Ao longo da margem, em pedra, a chover torrencialmente mas já em segurança, protegidos pelas árvores que abanavam quase até ao chão, para o lado da rua, e voltavam a levantar-se, os patos correm com medo. 

  Caminharam uns metros, e viram uma praia. O mar metia medo, chegava quase à estrada, com ondas que fustigavam tudo e enormes. Os trovões iluminavam tudo, e estouravam ruidosamente por todo o lado. 

- Viemos ter onde…? - pergunta um patinho 

- À praia! - responde uma gaivota que eles não tinham visto. 

- Como é que andam por aqui com esta tempestade? - pergunta outra gaivota 

- Não sabemos! - respondem os patos 

- Nem sabemos o que está a acontecer, nunca vimos tanta água, mas viemos com a força dela. - explica a mãe pata 

- Era muita água suja, e arrastou-nos. - acrescenta o pai pato 

- Nós viemos de uma quinta, com outros animais. 

- Áááhhh…! - dizem as gaivotas 

- Que pena! - lamenta uma 

- Vieram com o enxurro? - dizem várias gaivotas 

- Sim. 

- Abriguem-se aqui! - sugere uma gaivota 

- Entrem, fiquem à vontade. - diz outra 

- Este barco está abandonado, quer dizer, nós fizemos dele a nossa casa, quando está mais frio, ou chove, vamos para a parte de baixo, que é coberta. Tem várias casotinhas. Fiquem aí numa delas. 

- Obrigado! - dizem todos 

  Entram no barco abandonado, com o que restava dele, realmente podiam aproveitar para viver vários animais. Conversam com as gaivotas, elas tentam arranjar alimento para todos e conseguem, com dificuldade, por causa do vento. 

  No dia seguinte, ouvem toda a gente na praia a falar de muitos estragos. Os patos ficam preocupados. Estão muito agradecidos às gaivotas, mas voam no sentido inverso para ver se encontram novamente a quinta onde viviam. 

  Nem querem acreditar no que estão a ver...tanta coisa estragada, tanta árvore caída, casas com coisas partidas, telhas no chão, vidros, portas quase arrancadas, lixo por todo o lado. Os campos não se viam, estavam alagados de água. 

   Ouviram e viram pessoas aos gritos a ver a destruição, aterrorizadas, e a chorar por terem ficado com estragos nas casas, nos telhados, nos campos, nos carros. 

  Encontraram a quinta onde viveram, não viam o seu lago, estava cheio de água, coberto de pedras e paus, lama, os campos completamente inundados com água, os donos em prantos, a tirar água aos baldes, de dentro de casa, das cortes, um filme de terror, também eles tinham estragos no telhado e nos vidros. 

  Os patos sentiram muita pena deles, ficaram desolados, com as lágrimas nos olhos. Não aguentaram, nem podiam fazer nada, voltaram para o barco da praia. Contaram às gaivotas a desgraça que viram. 

    As gaivotas ficaram tristes, e convidaram-nos a dar uma caminhada pela praia, apanhar sol, para acalmar, enquanto elas iam pescar. Foi o que fizeram, patas na areia molhada, o mar muito mais calmo, tanto andaram na areia como no mar, e deliciaram-se com comida. 

    Mesmo gostando tanto do primeiro sítio onde viveram, e dos donos, decidiram ficar a viver no barco que consideravam confortável, aconchegante. 

    Uma casa perecida com a deles, com as vizinhas gaivotas, com quem se davam muito bem, e eram ótimas pescadoras. Conversavam, brincavam, riam, passeavam, pescavam e abrigavam-se. 

    Nos dias seguintes, voaram várias vezes, com as gaivotas, por cima da casa antiga, que tinha desaparecido, viam os donos a tentar recompor-se. 

  Tanto os patos, como as gaivotas, sentiam-se tristes, e queriam ajudar, mas eram corridas de muitas casas, com a revolta dos moradores que também pensavam que estas iam roubar alimentos. 

    Claro que a culpa não era delas, mas elas compreendiam que fosse a tristeza e a revolta. Deixaram-se estar na praia, no barco, naquele novo espaço, que tornaram mais confortável e aconchegante, com a ajuda das gaivotas que fizeram ninhos quentes, para os patos. 

   Como se sentiram bem nesse barco, não voltaram para a quinta. Viam o nascer do sol, contemplavam o maravilhoso pôr-do-sol, aplaudiam, sorriam, outras vezes, iam com as gaivotas vê-los do mar. Ainda mais bonito. 

   As tempestades começaram a ser mais frequentes, o mar onde estava o barco, mas outro lugar seguro que encontraram, foi a casa também abandonada de um antigo pescador. Estava vazia, as gaivotas e os patos resguardavam-se lá. 

    Num dos dias que foram revisitar a quinta, repararam que ainda havia muita coisa estragada, e a sua casa, do pequeno rio, não tinha sido reconstruída. 

    A sua tristeza era enorme. Não percebiam porque é que estava a haver tantas tempestades tão violentas, mas ouviam toda a gente a falar nelas, e a dizer que era a poluição, as alterações climáticas, o aquecimento global. 

    Mesmo que não soubessem o que era isso, percebiam que não era bom. E era perigoso para todos. 

E vocês, porque é que acham que há cada vez mais tempestades, com muitos estragos? 

Se as gaivotas e os patos vos perguntassem, o que lhes respondiam? 

Se fossem os patos, onde preferiam morar: no barco abandonado, ou na casinha do pescador? 

Porquê? Podem deixar nos comentários, se quiserem.

                                                            Fim 

                                                      Lara Rocha 

                                                    12/Julho/2025 

 

                                        

                                                

 

A viagem de uma pena

       Era uma vez uma pena que se soltou de um pavão, muito bonita, comprida, brilhante, pousada na relva a apreciar a paisagem. O que lhe chamou mais a atenção foi uma criança sorridente, do outro lado da margem a lançar um barquinho feito de esponja, colorido, leve. 

      Nunca tinha visto um barquinho daquele estilo. O menino lançou o barquinho, a cantarolar, baixinho, e disse: 

- Boa viagem, barquinho! Xau. 

      O barquinho começa a andar lentamente, porque o rio tinha pouca água, ao sabor desta, o menino acompanha os movimentos, parece estar a imaginar onde irá parar, levanta-se, e acompanha pela margem, olhando também para a paisagem à sua volta. 

      A pena entra na água mas está tão fria, que sai para se aquecer e apanhar sol, mas fica tão curiosa com o barquinho que vai pela relva a acompanhar a viagem do barquinho e o menino, maravilhada. 

      A sua imaginação começa a trabalhar, sobre para onde irá aquele barquinho, o que encontrará na água e fora dela. Será que alguém vai entrar no barquinho? Talvez um peixinho, um sapinho, uma rãzinha, uma borboleta, uma pedra, uma gota de água? Uma folha de uma árvore? Uma abelha? Ou será que já leva alguém lá dentro? Hummm...não, não vejo ninguém. Será que vai um passarinho a viajar no barquinho? Ou...uma pena, como eu? Será que vai o menino? Não...o menino não sabe lá! Ou, será que é uma armadilha para caçar algum animal? O menino tem ar de bonzinho, acho que não fazia isso. Talvez o barquinho encontre pedras grandes, como é que ele vai sair de lá? Pode ser difícil. 

       Vê o menino entrar na água, porque tal como a pena do pavão imaginava, o barquinho encontrou pedras altas e nem a água conseguia empurrá-lo. O menino pega no barquinho, e põe-no na parte mais lisa. Sai da água, e continua a ver para onde vai. A pena aparece e comenta consigo: 

- E se aparece um patinho, será que vai abocanhá-lo? 

        Aparece mesmo um patinho, o menino grita-lhe, quando se preparava para abocanhar o barquinho. 

- Nem penses! Isso não é para comeres! 

        O patinho não lhe mexe, mas segue atrás dele. Mais à frente, o barquinho fica a rodopiar num buraco com água entre rochas e não consegue sair. O patinho vai lá e empurra-o com o bico. 

- Obrigado, pato! - diz o menino 

- Pensei que ias gritar outra vez comigo. Eu já sabia que isto ia acontecer. - diz o pato 

- Desculpa! Obrigado. 

        O barquinho segue viagem, o pato atrás, a pena numa margem, e o menino na outra. A pena imagina: 

- E se aparece um rato que o quer comer? 

        Aparece mesmo um rato, que tenta morder o barquinho, mas o menino e o pato gritam: 

- Nem te atrevas! 

        O rato recua e encosta-se assustado à parede, logo a seguir esconde-se num buraco. Mais à frente, o barquinho passa por uma zona cheia de pedrinhas, e trepida demais. O patinho pega nele, o menino grita com o pato: 

- Larga isso! 

        Mas quando vê que o patinho tirou o barquinho de tantas pedras, sorriu: 

- Áh! Desculpa, patinho. Obrigado. 

        O barquinho segue, e todos o acompanham, até que para nas grades onde acaba o lago. O menino aprecia a paisagem, vê a pena de pavão na relva, molha os pés, vai buscá-la e põe-na no barquinho, para voltar para o mesmo sítio. A pena sente um bocadinho de medo, mas está toda refastelada. 

- Mas que barquinho tão agradável, tão macio...parece uma nuvem, ou uma espuma! Áh! Que gira paisagem, daqui! Senta-se, aprecia a paisagem, deita-se e vê o céu, a cor do céu, os pássaros, ouve o som da água, vê as árvores e os seus troncos com formas diferentes, as folhas verdes, de vários tamanhos, e tons, a abanar com o vento, como se fossem mãos a acenar. 

        Ela sorri e abana-se também, diz olá, vê a água, a sua cor, as pedrinhas, dezenas de peixes de vários tamanhos e cores, à volta do barco e dos lados. Ela ri, e fica com vontade de lhes tocar, como faz o menino que a acompanha, com os pezinhos na água. 

        Molha as mãos, e desata às gargalhadas quando toca nos peixes, porque são escorregadios, e nadam rápido. Alguns param aos seus pés e aceitam mimos, outros fogem. A pena também os vê nas rochas onde o barquinho ficou preso, para não rodopiar, o menino tira-o e põe-no na água. Faz o mesmo quando passa no monte de pedrinhas. 

        A pena vê flores bravas, e relva verde, esquilos a correr, coelhos bravos, cães a passear com os seus donos, pais a passear bebés, pessoas a andar de bicicleta, a pé, a jogar à bola. O menino também viu, enquanto deu o resto do passeio, relaxado, e no final, ele tira a pena do barquinho, atira-a a rir-se, para a relva, e tira o barquinho da água. 

        A pena fica triste e zangada, pela indelicadeza do rapaz. Vai embora e a pena ficou na dúvida se imaginou essa viagem, ou se a fez mesmo, porque já não viu o menino, nem o barquinho. 

- Será que sonhei, imaginei ou dei mesmo este passeio tão bom naquele barquinho? Porque é que ele tinha de estragar o passeio, ao tirar-me do barquinho e deixar-me aqui na margem? Depois de um passeio tão bom, ou...um sonho, imaginação, não sei...ele não devia ter feito isso! Põe-me no barquinho, e no fim atira-me assim para a relva, leva o barquinho, e eu fico aqui? Óh! Não gostei. Só gostei enquanto andei no barquinho. E o pato, onde está? Se calhar ficou lá atrás. Ele até foi simpático, cuidou do barquinho, livrou-o de alguns perigos. 

        A pena levanta-se, e recolhe-se bum buraquinho de um tronco, porque estava frio. Um passarinho pega na pena com o bico, e leva-a para o seu ninho, para cobrir os seus filhotes. 

        A pena fica assustada, mas quando percebe que é para aquecer passarinhos pequeninos, sente-se orgulhosa e deixa-se ser levada. 

Será que foi um sonho, imaginação ou realidade? 

Se vocês imaginassem um passeio num barquinho como estes, como seria? 

O que veriam? 

E se fossem a pena de pavão, como imaginariam o passeio do barquinho? 

E o que é que o barquinho encontraria? Um rio calmo, ou um rio cheio de obstáculos? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

                                                                            FIM 

                                                                       Lara Rocha 

                                                                    12/Julho/2025 

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Os cubos doces

     Era uma vez uma casinha de campo, onde vivia um casal com filhos, e os netos, porque os pais tinham ficado no desemprego. Havia cada vez menos flores, por causa da poluição, e dos terrenos secos, pelo calor, e falta de chuva. 

     Isto era perigoso, e estava a tornar-se um problema, porque as abelhas precisavam de pólen, mas estava a tornar-se escasso. Até as abelhas estavam a ficar desesperadas, com as flores secas. Um dia aproximaram-se da janelinha da casa, espreitaram, viram que havia um pacote em cima da mesa, com alguma coisa que os habitantes punham numa chávena. 

     Quando a família saiu, deixou uma frincha na janela, aberta. Entraram, cheirou-lhes a doce, puseram uma patinha, provaram, e era mesmo doce. Eram cubinhos de açúcar. Sem pensar duas vezes, chamaram umas pelas outras, e cada uma levou um cubinho para uma árvore. 

     Não sabiam que era açúcar, mas queriam era comer. A família regressou e reparou que o pacote estava quase vazio. Muito assustados, procuraram pela casa, vestígios. Não descobriram nada, entretanto, na árvore, a Abelha Rainha ficou completamente possuída, ao saber que as abelhas tinham invadido uma casa, e roubado cubos de açúcar. 

    Chamou todas, olha-as nos olhos, com um ar ameaçador, e intimidatório, que elas congelaram. Sentiu vontade de gritar, e ralhar, respirou fundo e perguntou, desiludida: 

- O que é que vocês fizeram?

- Fomos… fomos… - dizem todas com medo 

- Foram onde? - pergunta a Rainha a tentar responder de forma calma 

- Fomos…

- Onde? - grita, zangada 

- Ahhh...

- Fomos à procura de comida. 

- À procura de comida...roubada? - explode a Rainha e grita: Roubaram cubos de açúcar...numa casa! (Põe a pata na testa, respira fundo) Verdade? 

- Sim…- dizem todas encolhidas e com medo 

- Não posso acreditar! Como puderam fazer uma coisa dessas? Como se atreveram? Quem é que vos ensinou a fazer isso? - grita a Rainha 

       As abelhitas, ficam muito envergonhadas e tristes, a olhar para o chão. 

- Pensaram no que fizeram? - pergunta a Rainha - que vergonha! 

- Desculpe Rainha, é que estávamos cheias de fome. - diz uma 

- Cheias de fome...francamente! - Resmunga a Rainha 

- É que há poucas flores, infelizmente, está tudo muito seco, temos de arranjar em algum sítio. - explica outra 

- Mas precisavam de roubaaaaaaaarrrr? - grita a Rainha com raiva e de olhos muito abertos

- Aquilo é docinho. - diz outra 

- Mas não é para vocês. - ralha a Rainha 

- Não faltam flores nos arredores, basta dar corda às patas e às asas, e procurar. Eu vi uma série delas. Vão imediatamente devolver os cubos de açúcar à família e pedir desculpa. - ordena a Rainha 

- Mas...

- Mas o quê? Não há mas, nem meio mas. Rápido, e eu estou de olho. 

- E se eles nos fazem mal? 

- Problema vosso. Ninguém vos mandou mexer no que não é vosso. Vão…! Eu estou a ver. 

        As abelhitas, tristes, pegam nos cubos de açúcar que sobraram, e pousam na janela da casa. Quando a família as vê, abre a janela, e repara que têm os cubos de açúcar na mão. A abelha Rainha vai atrás. 

- Encontraram os cubos de açúcar? - pergunta a dona da casa 

      A abelha Rainha vigia, e acena com a cabeça. 

- Nós...roubamos! - diz uma envergonhada 

- Roubaram? Como assim? - pergunta a senhora 

      A abelha Rainha acena com a cabeça, e dá a entender que também não percebe 

- Viemos devolver. - diz outra 

- E pedimos desculpa. - dizem todas 

- É que aqui quase não há flores e estão secas. 

- Pois! Não admira, da maneira que está o clima. 

- Estávamos cheias de fome. Isto era docinho, comemos algumas, mas viemos devolver as outras. 

- Realmente já tínhamos reparado que faltavam cubos, mas nunca pensamos que tivessem sido vocês. - diz o Senhor 

- Pois, têm razão! - dizem todas 

- Não voltamos a fazer isso. - diz outra 

- Podemos entrar para os colocar outra vez no saco? - pergunta uma abelha 

- Claro que sim. - diz a senhora 

- Obrigada! - dizem todas 

       Os donos da casa sentem pena delas, e põe um potinho de mel à disposição na janela.

- Isto é para vocês! Feito por vocês, ou por abelhas como vocês. Compreendemos que sentem fome! Por isso, como devolveram os cubos de açúcar, podem comer à vontade, fica aqui na janela, do lado de fora, e uma tacinha com água. Temos aqui mais. 

- Não nos vão atacar, pois não? 

- Não, claro que não! - garantem as abelhas 

- Estamos envergonhadas por termos roubado estes cubos de açúcar. 

- Está tudo bem, deixem isso para lá! Devolveram, obrigada, agora têm a recompensa: este potinho à disposição, com água, e quando este acabar, há mais. - diz a senhora 

- Muito obrigada! - dizem todas as abelhas 

- Em breve haverão mais flores, para se deliciarem com o pólen delas, e a nós, com o vosso trabalho, este mel, delicioso! 

- Que bom! - gritam todas as abelhas felizes, e tocam as asinhas umas nas outras 

- Sirvam-se à vontade! Com licença...vamos jantar - diz a senhora 

- Bom jantar, e muito obrigada. - dizem todas 

- Mais uma vez, pedimos desculpa 

- Estão desculpadas. 

    Apesar de zangada, a Abelha Rainha está orgulhosa, e as abelhitas deliciam-se com o mel, e a água, enquanto a família da casa janta. Recolhem, a Abelha Rainha diz sentir-se orgulhosa delas, para não se voltar a repetir, e ficou feliz com o prémio por terem devolvido os cubos de açúcar. 

    Todos os dias vão cumprimentar, alimentar-se, e conversar com a família, de repente, formam-se violentas tempestades, com trovoada, chuva, vento, vários dias e noites seguidas. Isso abre as sementes das flores que a senhora falou, às dezenas de todas as espécies, e cores. 

    Na altura de recolher o pólen, as abelhas estavam maravilhadas com as flores, e a qualidade do pólen, até ofereciam à família, que adorava comer pólen. Agradeciam às abelhas, e estas à família. A janela passou a ser a segunda casa das abelhas, e o local de trabalho. 

     Ganharam amigos humanos, com quem conversavam e partilhavam pólen, mel, água, dedicação, carinho, até aconchego em dias frios, ou quando queriam descansar, como recompensa. Também levavam à Abelha Rainha que parecia estar a comer um baquete de príncipes, sorria orgulhosa e deliciada, tal como a restante família das abelhitas. 

    Nunca mais passaram fome.

E vocês, acham que a Abelha Rainha teve razão? 

E as abelhitas, fizeram bem ter pedido desculpa e devolver os cubos de açúcar? 

Vocês faziam o mesmo que a senhora da casa? Sim, não, porquê? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem. 

                                                                            Fim 

                                                                       Lara Rocha   

                                                                     11/Julho/2025 




quinta-feira, 26 de junho de 2025

A menina pequenina que calçava sapatos altos

   Era uma vez uma menina que adorava brincar às princesas. Achava que era uma princesa! Pedia à mãe para a vestir sempre como as princesas, calçar-se como as princesas, de sapatinhos finos e tacão alto, cor de rosa, brancos, brilhantes, às vezes amarelos a condizer com o vestido. 

    Brincos da mesma cor, cabelinhos enfeitados a rigor, com lacinhos e ganchinhos ou elásticos da mesma cor do vestido. 

   Pinturas na carinha, nos olhinhos, nas bochechas, brilhantes, como as princesas usavam, casaquinhos de gala, e até uma carteirinha que parecia uma senhora, quer dizer, uma princesa como ela achava que era. 

     Os chinelinhos de quarto também tinham tacão, porque todos os da sua família, achavam graça, estava na idade das princesas, e ficavam encantados ao vê-la vestida assim, calçada daquela maneira, e pintada, a parecer uma senhora. 

   Mas passados uns tempos, a menina queixou-se dos pés, que lhe doíam, como não sabia dizer, ao assentar os pés no chão, gritava de dores, e punha-os em bicos. 

  A mãe reparou que os dedos e o peito do pé estavam feridos, e pareciam inchados, dobrados, não assentavam no chão. 

   A menina mal conseguia andar. Então, a mãe levou-a ao médico, e este disse que ela tinha os pezinhos realmente feridos, inchados e dobrados, mas nem ele percebia porquê. 

    A mãe disse que ela era uma princesa, adorava brincar às princesas, vestia-se como elas, calçava-se como elas, com saltos altos, pintava-se como elas. 

    O médico fica estático e pensativo: 

- De saltos altos, esta criança? 

- Sim, Doutor, faz parte da idade, não é? 

- É. Mas a mãe alimenta essa fantasia? 

- Sim. Também já fui da idade dela, gostava de princesas, e de ser parecida com elas. 

- E também andava de saltos altos? 

- Sim, algum tempo andei, mas depois proibiram a minha mãe de me calçar sapatos altos, porque estavam a deformar os meus pés. 

- Pois, é o que está a acontecer com a sua filha. 

- A sério, Dr.? 

- Sim. A menina é uma menina, não é uma princesa na vida real. Deixe-a sonhar e imaginar, mas tire-lhe os sapatos altos. Além de não ter idade, os pés dela estão em desenvolvimento, com certeza que lhe estão a doer muito, neste momento. Se continuar a usar sapatos altos vai ficar com sérios problemas...olhe para os dedinhos dela...isto é dos sapatos. E esta parte...Tem aparecido aqui muitas meninas assim, com a mesmo ideia e com os mesmos problemas por usarem tacão alto. A menina tem de andar descalça, e pôr os pés no chão, na relva, na areia, desde que não esteja quente, e chinelos, rasos. Vai ter de usar chinelos, sapatilhas, fazer uns exercícios, colocar uns cremes, gelo, saquinhos de água quente, massagens, e só depois, quando o pezinho voltar ao normal é que vai usar os sapatinhos adequados para a idade dela, não os de princesa. 

- Entendi, Dr. 

    A mãe segue atentamente todas as indicações do médico, faz tudo o que ele recomendou, a menina grita e chora, quase não deixa tocar nos pés com dores, mas a mãe tenta distraí-la, e ela consegue ficar sossegada, sempre a chorar. 

- Princesa...não queiras ser princesa, combinado, pequenita! As princesas sofrem muito. Ficam muitas vezes com os pezinhos magoados, como os teus, deixa-os à vontade, está bem? - diz o médico 

- Mas eu quero ser princesa, eu sou princesa! Eu gosto de andar como elas, de me vestir como elas, de me calçar como elas. Elas são lindas. - insiste a menina triste 

- Eu sei, querida, também tenho filhas e sobrinhas da tua idade, elas adoram princesas, mas não são como elas, são meninas normais, bonitas como são, andam descalcinhas e adoram, andam de chinelinhos e adoram, andam de sapatilhas e sapatinhos, botinhas para a vossa idade, e não querem outra coisa. 

- Elas não usam sapatos altos? - pergunta  a menina 

- Não! Os sapatos altos fazem muito mal aos pezinhos das princesas e das meninas. - diz o médico 

- Fazem? 

- Fazem. Tu não queres ficar com os pezinhos magoados pois não? 

- Não. 

- Pois, são os sapatos de saltos altos que te fazem essas feridas. - explica o médico 

- Ahhh...não quero! - diz a menina triste 

- Não queres, o quê? - pergunta o médico 

- Ficar magoada...ter feridas. 

- Pois, bem me parece! Mas então para isso, vais ter de deixar de usar sapatos altos, está bem? - propõe o médico 

- Está bem. - diz a menina com grande tristeza 

- Não te quero ver triste, por causa dos sapatinhos de princesas...tu és uma menina, não és uma princesa, mas eu gosto muito mais de meninas do que de princesas! - diz o médico 

- Gosta? 

- Gosto. 

- O Dr. conhece as princesas? 

- Conheço, as minha filhas e as minhas sobrinhas apresentaram-mas, mas eu não gosto muito delas. Os pezinhos delas são...os teus e os das meninas verdadeiras são muito mais bonitos, perfeitos! 

- São? 

- São! 

- Então eu quero ter uns pezinhos bons. - diz a menina 

- Boa! Dá cá mais cinco...mas então, usas os teus sapatinhos, está bem? Deixa os sapatinhos de princesas com elas, e os sapatos altos. 

- Está bem, Dr. Vou deixar…

- Podes brincar às princesas, imaginar que és uma princesa, mas não uses as coisas, nem os sapatos delas, está bem? 

- Sim. 

   Quando tenta pousar os pés no chão, grita, a mãe e as terapeutas ajudam-na a pôr os pés no chão, põem-lhe gelo, saquinhos quentes, fazem massagens e exercícios, aos bocadinhos a menina lá vai conseguindo assentar os pés no chão, as dores, as feridas, o inchaço, vão diminuindo, e melhorando. 

    A menina consegue finalmente pousar os pés no chão, e sorri, ao senti-lo, caminha devagar, e salta alegremente, corre de um lado para o outro feliz. 

  Todos riem e aplaudem. Vão para a praia, e a menina adora sentir a areia nos pés, brinca com as mãos, molha os pés, tudo era novo para ela, principalmente sem sapatos de tacão alto. 

 Experimenta os chinelas rasos da idade dela, os sapatinhos e as botinhas, confortáveis, delicadas como os seus pés, sente-se feliz, calça sapatilhas, adora, e anda descalça. 

   A menina gostou tanto da experiência e da mudança, que não quis outra coisa! Esqueceu-se de que achava ser uma princesa, não quis mais ser como elas, nem andar como elas. 

   Adorava andar descalça, na terra, na relva, na areia, em casa, saltava, corria, cantava, ria, batia palmas, dançava, com pantufas, sapatilhas, em meias, de sapatilhas, de chinelos. 

    Inventou novas brincadeiras, para sentir a felicidade que é andar descalço, principalmente ao ar livre no jardim da sua casa, e dos avós, na praia e na casa das amiguinhas. 

E vocês? Gostam de andar descalços, ou descalças? 

Qual é o vosso calçado preferido? 

Gostavam de usar sapatos altos como as princesas? 

Podem deixar nos comentários, se quiserem.

                                                        Fim 

                                                   Lara Rocha 

                                                  26/Junho/2025 

 

domingo, 1 de junho de 2025

Monólogo (ou leitura em forma de jogral coletivo) - Ser criança

 Ser criança…

Ser criança começa no desejo dos pais, em dar continuidade à longa história das famílias.

Ser criança é ser frágil, dependente, mas ao mesmo tempo...para os pais, avós, tios, tias, primos, primas, amigos, ser criança é fazer as delícias de quem a tem nos braços. 

Mesmo a dar muito trabalho aos pais, a criança é um ser cheio de compensações emocionais, encanto, recompensas, abraços, sorrisos fáceis e de gratidão sem palavras, olhares fixos, luminosos, brilhantes. 

Ser criança é ter colo, amor, afetos, mimos, carinho, compreensão, palavras de incentivo para crescer segura, apoio, diálogo, atenção, dedicação, brincadeira, companhia, satisfação das suas necessidades mais básicas e regras, «nãos» («não, porque...»). 

Ser criança não é ver todos os seus caprichos e manhas cumpridas, é também ficar amuada (o) por não lhe fazerem as vontades todas. É com isso, aprender a esperar e que não pode ter tudo o que quer. 

Ser criança é brincar livremente, sozinha, com outras crianças, com adultos, bonecos, brinquedos, e não usar telemóveis ou jogos eletrónicos. 

Ser criança é dar asas à sua imaginação, rir sozinha, rir com os outros, falar com os outros, com os seus bonecos, brinquedos, amigos e amigas imaginários, os bonecos da televisão. 

Ser criança é ouvir histórias fantásticas, dos pais, dos avós, dos tios e tias, dos primos e primas, das educadoras e professores, contadas e lidas por elas próprias. 

Ser criança é sonhar com o impossível, com magia, com fantasia, é ter sonhos acordada e a dormir, ter pesadelos, gritar, ir para a cama dos pais, chorar, chamar por alguém, sentir medos que fazem sentido, outros são imaginários, construídos pelo desconhecido. 

Ser criança é acreditar em personagens como se fossem verdadeiras, é fingir que são outras pessoas, personagens, isto ajuda à descoberta de si mesmas, à construção das suas personalidades, e acreditar em seres fantásticos. 

Ser criança é ser inocência, pureza, leveza, teimosia, desafios dos limites, e aprender a obedecer, cair e levantar mesmo que fique ferida, e sem pânico dos adultos, para aprender por elas próprias. 

Ser criança é jogar à bola, correr, saltar, dançar, rebolar, sujar-se, brincar, pintar, desenhar, conviver com a Natureza, e explorar, sentir o que existe à sua volta. 

Ser criança é tocar, cheirar, saborear, sentir, provar, experimentar, errar, ser elogiada, valorizada, repreendida quando passa os limites. 

Ser criança é seguir o exemplo dos adultos, no respeito pela diferença, aprender a viver com todos, a selecionar quem partilha os mesmos valores de respeito e amizade, carinho, dedicação, companhia.  

Ser criança é brincar com quem mais gosta, independentemente da cor da pele, raça, cultura, crença, país de onde veio, e aprender a viver com amor, no amor! 

Ser criança é sentir o vento na cara, e no cabelo, é espontaneidade, curiosidade, alegria, é molhar-se na chuva, e rir, saltar nas poças. 

Ser criança é dormir, é parecer estar ligada à tomada, riscar as paredes ou outros objetos, cantar, imaginar, escrever.  

Ser criança é ter em si todas as cores, todas as raças, todos os valores, por isso deixemo-las ser crianças saudáveis, deixemo-las brincar com bonecos e brinquedos até quando elas quiserem. 

Não há idades para deixar de brincar! Mas infelizmente nem todas as crianças vivem num mundo perfeito, nem podem festejar o seu dia, de hoje, como muitas. 

Crianças e pais que sofrem com doenças graves, que estão em hospitais, que vivem com medo, em países onde há fome e guerra, tristeza bombas em vez que brinquedos. 

Crianças que não vivem em casas, mas entre escombros, onde ficaram todos os sonhos, toda a infância que não é a que imaginavam, nem desejavam. 

Crianças que vivem em tendas, esconderijos, onde não veem o sol, onde não ouvem palavras de amor, nem histórias bonitas, não recebem carinho, não ouvem cantar, nem rir. 

Crianças que deixaram de saber sonhar, não ouvem o vento nem os risos, só lágrimas, dor, medo, pesadelos, incerteza. Crianças abandonadas, exploradas, maltratadas, desrespeitadas, usadas como objetos.

Crianças que são postas de lado por serem diferentes. 

Feliz dia das crianças, mesmo as que não podem festejar, e que no próximo dia das crianças, tudo esteja melhor, com as crianças que não têm infância. 

Nota: podem completar este texto com o «Menino sei porque choras». 

                            FIM 

                         Lara Rocha 

                        1/Junho/2025 

terça-feira, 13 de maio de 2025

O pequeno pavão

    



foto tirada por Lara Rocha 

 
     Era uma vez um pavão pequenino que viu a sua imagem refletida num lago do jardim. Ficou imóvel a olhar para a imagem: 

- Quem é esta criatura na água? Que ser estranho! Está a olhar para mim e a repetir o que eu digo...mas eu não o oiço. 

    Dá uma bicada na água e o seu reflexo desaparece, formando pequeninas ondulações. 

- Nunca outra vi, desapareceu? 

    Olha outra vez e volta a ver a imagem. 

- Apareceste outra vez? 

    O reflexo não responde. 

- Estás a gozar comigo, é? Eu não acho piada nenhuma, por estares a repetir tudo o que eu faço e tudo o que digo. Porque é que estás aí? 

    O reflexo não responde. O pequeno pavão fica nervoso, vira-se de lado e no reflexo vê as suas lindas penas traseiras, brilhantes na água, abana-se, o reflexo faz tudo. Começa a gritar nervoso, e aos saltinhos com os olhos muito abertos assustado: 

- Agora tenho olhos atrás? O que é isto? 

    Salta, olha para a água e lá está o seu reflexo, com as pequenas penas a abanar. Grita, sacode-se, salta nervoso e assustado. Corre a abanar-se, os outros animais observam-no intrigados e a rir: 

- O que é que lhe está a dar? - comenta um macaco às gargalhadas 

- Realmente...ele não parece nada bem! - diz um esquilo que estava a saborear uma noz. 

- Está para ali aos gritos, a sacudir-se, a correr, a saltar...vou  perguntar-lhe se está tudo bem com ele - diz um coelho a rir-se

- Parece que tem algum inseto a chateá-lo ou a picá-lo! 

    Aproxima-se do pavão:

- Então moço? O que se passa? Estás muito agitado! 

    O pavão continua a saltar, a gritar, não responde ao coelho e vai a correr para a beira dos pais: 

- Pai, Mãe, está um bicharoco dentro da água do lago a olhar para mim, a imitar tudo o que eu digo e faço. Depois...desaparece, volta a aparecer. Virei-me de lado, olhei para a água e lá estava ele a imitar-me. Mas agora vi que tenho ramos de árvores colados ou espetados nas costas, ou mais abaixo, ainda por cima com umas centenas de olhos, não os contei mas deve ser próximo disso. Aparecem na água lá com  o outro que também tinha iguais...e vocês também têm! O que é isto? Como é que estes paus com olhos vieram aqui parar? Socorro! Tirem-me isto, por favor. Eu corri, saltei, e não saíram.

    Os pais desatam às gargalhadas. 

- Estão-se a rir? Eu aqui em sofrimento, numa grande aflição, e vocês riem-se? Ááááhhhh, não estava à espera. 

- Mostra-nos esse bicharoco do lago. - diz a mãe a rir 

- Vocês não vão gostar de o conhecer! Tenho a certeza. - diz o pavão pequenino 

- Nós conhecemos esse bicharoco, mas mostra-nos! - diz o pai a rir 

- Conhecem? - pergunta o pavãozinho muito surpreso 

- Sim, mas mostra-nos, para termos a certeza que é quem estamos a pensar. 

    Os pavões adultos, vão a rir à gargalhada o caminho todo até ao lago. 

- Aqui! - diz o pequeno e espreita 

    Os pais também espreitam, e veem o seu reflexo: 

- Olha que bonitos que nós estamos! - diz a mãe a sorrir 

- Mas então, onde está o bicharoco? 

- Está aqui...e agora tem mais dois. - diz o pequeno

- Não vês que somos nós, e tu? - comenta a mãe 

- É o nosso reflexo? - acrescenta a mãe? 

- Olha tu...eu...e a mãe. - diz o pai 

    O pequeno pavão olha várias vezes para os reflexos na água e para os pais, que continuam a rir 

- Mas...mas...como é que pode ser? - pergunta o pavãozinho 

- É como se nos estivéssemos a ver ao espelho, em casa. 

- Mas estes não têm os ramos das árvores espetados ou colados aqui atrás, com os olhos… 

    Os pais viram-se de lado, e as grandes penas luminosas veem-se refletidas na água. 

- Não são ramos de árvores coladas, muito menos com olhos! São as nossas penas, e as tuas também vês, quando te pões de lado. - explica o pai 

- As tuas ainda são pequeninas, mas à medida que vais crescendo, elas também crescem. Ficam como as nossas! - acrescenta a mãe 

    O pavão pequeno fica boquiaberto, muito surpreso e em silêncio. Os animais à volta riem à gargalhada, com os pavões grandes. 

- Ele estava aqui, completamente histérico, nem me respondeu - diz o coelho a rir-se 

    Gargalhadas de todos 

- Pensávamos que ele estava a fugir de algum inseto, ou que estava a picá-lo. - diz o esquilo às gargalhadas, com os pavões grandes 

- Então...não há outro a imitar-nos na água? - pergunta o pequeno 

- Não, claro que não. - dizem os pais 

    Os pais abrem as penas maravilhosas, todos os animais batem palmas, como costumam fazer. O pavãozinho pequeno abre as dele, os pais e os outros animais também aplaudem. Ele sorri. 

- Sois maravilhosos! - grita uma preguiça num tronco

-Obrigada! - dizem os pavões 

- Onde é que o pequeno há bocado ia com tanta pressa, aos saltos, aos gritos…? - pergunta a preguiça

- Estava a ver os reflexos na água e não sabia o que era, nem de quem eram. Eram dele, e depois nossos. - responde a mãe

Todos riem

- Pensei que tinha ramos de árvores com olhos, colados às costas, ou mais abaixo. E que estava uma criatura monstruosa a imitar tudo o que eu dizia e fazia. Que susto que eu apanhei - diz o pavãozinho a rir

Conversam alegremente, passado uns tempos o pequeno pavão cresce como os pais, e vê o seu reflexo na água do lago, com as penas enormes e bonitas. 

Vai frequentemente ao lago, e abre as penas, umas vezes com os pais, outras, sozinho e vaidoso, os outros batem palmas. 

Adora desfilar, e exibir as suas penas lindíssimas, vai com outros para esse lugar festejar, brincar, rir, conversar, saltar, correr e receber palmas. 

A grande família de pavões era realmente bonita e especial, pelas suas penas e espetáculos que davam quando as abriam. 

                                                                Fim 

                                                          Lara Rocha 

                                                        12/Maio/2025