Era
uma vez um bairro, pequeno, com as casas todas iguais. Um dia, uma velhinha
solitária que lá vivia, passava muito tempo à janela, sentada num pequenino
sofá, a ver quem passava, e o que via.
Falava sozinha e com as plantas, para quebrar a solidão e a
tristeza. Cansou-se de ver todos os dias a mesma paisagem, os mesmos bichos, as
mesmas árvores, as mesmas cores…já conhecia todo aquele espaço de cor.
Enervou-se e gritou:
- Estou farta de ver isto!
Farta de ver sempre a mesma coisa, os mesmos bichos, os mesmos buracos, as
mesmas paredes, tudo está sempre igual.
Sai de casa e vai falar com um jovem artista que vive no
bairro. Chega à janela da casa do artista, espreita.
- Óh! Tanta coisa diferente…mas…como
é que ele é capaz de viver assim? Como é que ele cabe ali com tanta
quinquilharia por todo o lado?
O rapaz olha para a janela e vê a velhinha. Levanta-se,
abre a janela, a velhinha recua
assustada.
- Bom dia, bela senhora. –
Diz ao jovem a sorrir
- Desculpe…! – Diz a
velhinha a sorrir envergonhada
- Porque está a pedir
desculpa? Não me fez nada…
- Estava a espreitar a sua
casa, da sua janela. Isso não se faz.
- Ora essa…e é mesmo para
espreitar. Se eu não quisesse que espreitassem fechava as janelas.
- Áh, então deixa as
janelas abertas de propósito?
- Sim, só assim é que
entra luz e fico mais inspirado.
- Mas a sua casa não tem
luz?
- Tem, mas a luz do dia é
muito melhor.
- Isso é bem verdade.
Adoro a luz do sol.
- Eu também. Fica tudo
muito mais bonito, e até eu fico mais feliz.
- Claro! Disse que fica inspirado?
É artista?
- Sim. E você, também é
artista?
- (ri) Já fui, em
nova…escrevia muitos poemas e pintava.
- Pintava? Que maravilha.
Um dia destes vou ver os seus quadros, se me permitir.
- Claro.
- Mas devia ter continuado
a pintar.
- Eu bem gostava, mas os
meus dedos já não ajudam.
- Isso são coisas da sua
cabeça…se quiser…as suas mãos voltam a pintar. É você que manda nelas, não são
elas que mandam em si. Quer alguma coisa? Não repare na bagunça. Entre…vou
mostrar-lhe as minhas obras.
- Não, filho…não vou
atrapalhar.
- Por favor, trate-me por
«tu». Entre! Não atrapalha nada.
Ela entra, o jovem recebe-a com um grande sorriso.
- Quer tomar ou comer
alguma coisa?
- Não, muito obrigada.
- Então sente-se…não faça
cerimónias. Faça de conta que está na sua casa. Como se chama?
- Mas que rapaz tão
educado. Parabéns.
- Ora…não vejo porque
seria mal - educado consigo! Os meus pais sempre me ensinaram a ser bem-educado
e a respeitar os mais velhinhos.
- Grandes pais!
- São mesmo. Entendo o que
diz. Hoje em dia, os pais já não sabem pôr limites. Vê-se jovens da minha idade
e mais novos que não têm qualquer sensibilidade, nem respeito.
- Pois é! É por isso que
até estranhamos quando encontramos um jovem simpático.
- É. Há poucos, mas
felizmente ainda se encontram alguns. A minha namorada por exemplo, é boa moça,
é da minha idade, mas as primas e vizinhas dela são insuportáveis.
- Pois.
- Como se chama?
- Maria das Dores.
- Eu chamo-me Pedro. Sou
estudante, e pinto quadros.
- Áh! Que lindo. E vives
aqui sozinho?
- Sim…bom…eu não sou
daqui, mas vim estudar para aqui!
- Porque não ficaste lá?
- Vim atrás do meu sonho.
Lá não havia!
- Qual era o teu sonho?
- Era ser pintor…artista.
- Áh!
- É! Eu moro a mais de 300
quilómetros daqui.
- Éh lá…!
- É! Vim atrás do meu
sonho.
- O teu sonho estava mesmo
longe.
- Sim! Muito longe mas
cheguei até ele. Ele esperou por mim, e agora encontramo-nos. Sabe que…eu acho
que quando há um sonho, devemos segui-lo, mesmo que ele esteja muito
longe…podemos e devemos fazer tudo o que conseguirmos para chegar até ele.
Mesmo que demore, devemos acreditar que ele vai chegar. Se for mesmo isso que
queremos. Claro que às vezes, para chegar ao nosso sonho, temos de deixar muita
coisa para trás…eu deixei os meus pais, a minha casa, o resto da minha família,
os meus amigos, os meus animais…e muitas mais coisas que gostava, pelo meu
sonho! Mas era mesmo o que eu queria. Por isso, a felicidade de ter chegado ao
meu sonho, é mais forte que a tristeza da saudade.
- E a tua namorada também
a conheceste cá?
- Sim! Esse não era um
sonho que eu tinha, mas veio ter comigo, recebi-o de braços e coração aberto…e
valeu a pena.
- Pois. E ela também é
pintora?
- Não. Ela está a tirar
medicina na mesma faculdade que eu.
- Áh! Que lindo.
- Mas…não costumo vê-la
por aqui…
- Pois. Eu vivo perto
daqui, muito perto mesmo…mas estou muito em casa.
- Porquê? Não tem pernas?
- Felizmente tenho! Um
pouco vagarosas. Não me deixam sair muito.
- E o que costuma fazer
tanto tempo em casa?
- Fico à janela.
- Á Janela? (ri) Bem, já
deve saber tudo sobre essa janela…quantos buracos tem, quantas aranhas, moscas…
- (ri) Sim, estou farta de
ver sempre o mesmo.
- Não admira.
- Foi por isso que saí de
casa, hoje.
- Claro. E fez muito bem.
É preciso ver coisas diferentes para crescermos e sentirmo-nos preenchidos.
- Tens toda a razão. Vim
atrás de coisas diferentes.
- Veio ao sítio certo.
Tenho muitas coisas diferentes para lhe mostrar. Vamos sair.
O jovem mete-lhe o braço e vão os dois passear sem pressa,
apreciam a paisagem, todos os pormenores, conversam e riem alegremente. Ao fim
do dia, o jovem mostra muitos quadros que já pintou e ainda anão vendeu.
- Gostou do passeio?
- Muito! Muito obrigada,
filho…adorei.
- Eu também. Gostou de ver
coisas diferentes?
- Claro que sim.
- Eu também. E quando não
quero ver o mundo lá fora, olho para o meu mundo interior…para todos estes
quadros, e muitos outros que já vendi.
- Áh! São lindos.
- Muitas destas imagens só
existem no meu mundo interior.
- Mas que lindas! Tens
muito jeito e bom gosto!
- Obrigado! Escolha todos
os quadros que quiser.
- Como? Não, eu vou pagar,
um ou dois…
- Nada disso. Não vai
pagar nada! Eu quero oferecer-lhe!
- Mas eu quero ajudar-te!
- Agradeço muito, mas hoje
não quero que me ajude! Outro dia oferece-me a sua ajuda.
- Está combinado.
- Um dia destes, levo-a a
conhecer os meus avós, os meus pais e toda a minha terra. Quer?
- (sorri) Com muito gosto.
A senhora olha para todos os quadros, com atenção, e escolhe
dois.
- Escolha mais dois.
A senhora escolhe outros dois.
- Muito bem escolhido. Eu
levo-a a casa.
O jovem leva a senhora a casa, e os quadros.
- Bom, adorei estar
contigo, filho! Muito obrigada por tudo.
- Eu também gostei muito
de estar consigo! E de si. Espero vê-la muitas mais vezes! E não se feche em
casa.
- Está bem! Quando já
tiver visto bem estes quadros, vou buscar mais.
- Isso mesmo.
- Assim terei sempre
janelas diferentes para ver!
- Pois é! E temos de
pintar um quadro juntos.
- Está bem.
Dão um abraço e dois beijos. Como prometido,
a velhinha feliz, olha para os quadros, maravilhada, e faz passeios imaginários
em segurança, pelas paisagens e imagens dos lindos quadros. Sente-se leve e
feliz.
Uns dias depois, o rapaz vai visitá-la de surpresa e leva-lhe
mais quadros. Como tinham combinado, nesse dia, os dois pintam um quadro
juntos, muito bonito, alegre, cheio de cor.
- Este quadro vai
chamar-se… - Pergunta a senhora
- Que tal…avó e neto?
- Boa ideia…ou…o meu
renascimento…?
- Huummm…pode ser…
Como não conseguiam escolher, a Avó sugere, feliz:
- A minha janela de hoje!
- Excelente, Avó! – Diz o
rapaz a sorrir.
- Ficou maravilhoso.
- Sim, foi mesmo. Agora
com os teus quadros, tenho todos os dias uma janela diferente, e todos os dias,
vejo e crio janelas diferentes! Graças a ti, voltei a pintar…anda ver.
Trocam um abraço, e o jovem fica encantado com os quadros. Nunca
mais se separaram, e tornaram-se uma família. O rapaz leva-a muitas vezes para
a sua terra, e ela convive alegremente com os avós dele. Toda a gente gosta da
senhora.
Esta foi mais uma janela
para a senhora velhinha que vivia só, e que se cansou de ver sempre a mesma
coisa.
FIM
Lálá
(12/Novembro/2014)
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