desenhado por Lara Rocha
Era uma vez uma senhora com alguma idade, que vivia triste e solitária, pois os seus filhos estavam muito perto, mas era como se estivessem muito longe porque nunca a iam visitar. Os netos também seguiam o exemplo dos pais, e não queriam saber da avó.
A senhora chorava horas a fio, dias seguidos, passava
grande parte da noite acordada, com medos, e a recordar os tempos felizes que
tinha passado com os filhos, e que lhe traziam muitos sorrisos, carinho e
muitas saudades.
- Quem me dera que o tempo
voltasse para trás, e que os meus filhos voltassem a ser bebés! Nessa altura eu
era mesmo muito feliz, tinha a casa sempre cheia de crianças, às vezes até me
cansavam, mas ainda assim, eu adorava estar com eles. Até sentia falta deles
quando não estavam. Era tão bom senti-los nos meus braços, pegar-lhes ao colo, embalá-los,
tê-los à minha beira, beijá-los até quase os aspirar…É! Como eu era feliz nessa
altura. Foram 8 crianças que trouxe ao mundo…e agora…? Agora…nem um me vem ver,
nem me telefonam, e estão quase à minha porta. Chego a esperar horas ali à
porta, na esperança de ver um…um que fosse…dos meus 8 filhos. Ou netos. Ai, que
mundo este nosso! Antigamente, não era nada disto. Não sei o que ainda estou cá
a fazer…a sofrer…! Até os meus netos, que criei com tanto amor…agora fazem de
conta que eu não existo. Uma mãe está habituada, desde que decide ser mãe, a
esperar…esperar, esperar…esperar que os filhos nasçam, esperar que os filhos
comam, esperar que os filhos adormeçam, esperar que os filhos acordem, esperar
que os filhos…eu sei lá…tudo gira à volta dos filhos. Até nos esquecemos de
nós, e do marido…por isso é que o meu se pôs a andar depois de fabricar o
oitavo. E eu…à espera que ele voltasse! Até hoje…nunca voltou. Se calhar já nem
existe. Também não quero saber. Ai, que saudades…o que eu era, e o que sou
agora…sou uma velha…um traste…um trapo…Ai…quem me dera que o tempo voltasse
para trás…nem que fosse só por uns minutos, para eu ver outra vez os meus
pequeninos…de certeza que sentiria ainda agora, o mesmo amor, e o mesmo orgulho
que senti nessa altura, e certamente, sentir-me-ia totalmente preenchida, como
me senti antes…agora…sinto um enorme vazio! Se pudesse voltar atrás…ia ser
outra vez tão feliz…! Depois que os meus filhos se formaram…nunca mais conheci
a felicidade…a não ser…quando os meus netos nasceram, e quando eles vinham para
cá, encher-me a casa e os ouvidos…como eu era feliz! Depois, cresceram…e…parece
que deixaram de saber que têm uma Avó. Talvez se eu lhes desse dinheirinho
quando eles vem cá, eles lembravam-se mais…mas como não dou. Não dou, não é
porque não tenha, e se eles precisassem eu dava, mas não dou! Primeiro, porque
não precisam, e depois…porque não eduquei os meus filhos para o dinheiro. Eduquei-os
para serem pessoas…boas, trabalhadoras, lutadoras…e não materialistas. Não sei
se eles educaram os meus netos para os valores, ou para o dinheiro…é muito
triste, depois de tudo o que fiz por eles…depois do amor que lhes dei, agora
viram-me os rabos. A solidão é muito triste! Ai…que mundo, mundo…! Isto não é
um mundo…é um desfiladeiro para o inferno.
A senhora continua a lamentar-se, triste, a olhar para a
janela e para o horizonte, sentada na sua poltrona da marquise.
- Nem viva alma! Só chuva! –
Suspira a senhora
Nesse dia, depois de muito chorar, deitada na sua cama
olha para a janela e vê estrelas a brilhar.
- Olha as estrelas…quem me dera
estar no lugar delas…lá em cima…de certeza que era mais feliz. Com tantas
estrelas à minha volta…Ainda me lembro que pedia desejos às estrelas, na minha
inocência. Óh…como elas são lindas! Se pudesse voltar atrás no tempo, eu queria
voltar à minha inocência e pedir desejos às estrelas…achava eu que elas me
ouviam e concediam os desejos. Se fosse agora, pedia…uma companhia…uma
estrelinha para me acompanhar e dormir comigo…que falasse comigo, que me
abraçasse…que me fizesse sentir mais feliz.
Suspira, deita-se e adormece a sorrir pela lembrança feliz
que esse momento lhe trouxe. As estrelas ouviram o seu pedido. Uma estrela
envia uma cesta com dois lindos cãezinhos bebés, muito fofos, e pendura na
porta da senhora. A senhora acorda, sobressaltada, levanta-se, vai à janela e
vê qualquer coisa na porta.
- O que é isto?
Sai a porta, abre, e vê a cestinha com os dois cãezinhos
deliciosos. Ela pega na cestinha, e abre um enorme sorriso de felicidade e dá
uma gargalhada.
- Estas são duas estrelinhas
para ti… - Diz um bilhetinho que vinha na cestinha
- Ai, que coisas mais fofas…Óóóhhh…tão
lindos…
A senhora pega na cesta, entra a porta, e pega nos
cãezinhos, um de cada lado. Abraça-os, encosta-os a ela, beija-os, acaricia-os,
eles lambem-na, ela sorri, e brinca com eles. Dá-lhes de beber, e comer.
- Vocês são as minhas companhias,
minhas estrelinhas…ai…que coisa tão boa. Obrigada, obrigada, obrigada!
De repente tocam à campainha. A senhora assusta-se. Espreita.
- Quem é?
- Sou eu, Avó!
- Avó?
Abre a porta, e vê um dos seus netos, com o irmão mais
pequeno, a chorar.
- Ai…
- Avó…
- O que foi…?
- Por favor…deixe-nos dormir
aqui.
- Entrem…
Os dois meninos entram, e contam à Avó que a mãe deles
fugiu com outro homem, e o pai deles, filho da senhora, ficou tão triste, que
se meteu no álcool e não consegue cuidar deles. A senhora chora.
- Desculpe, Avó!
- Óh, não se preocupem…
- Podemos ficar consigo? Eu sei
que não fomos bons netos, porque não viemos mais vê-la, mas gostamos muito de
si.
- Óh filhos, claro que podem
ficar…
- Tem dois cãezinhos agora?
- Sim! São duas estrelinhas que
me ofereceram…
- São lindos…
- Segurem-me neles, por favor
que eu vou fazer alguma coisa para vocês!
Eles seguram nos cãezinhos, brincam com eles, acariciam-nos,
e a senhora cozinha. Serve uma bela sopa, que eles comem deliciados, e faz uns
belos panados com batata frita.
- Muito obrigado, Avó.
Tocam outra vez à campainha e ela vai ver quem é. É o seu
filho, pai dos meninos.
- Mãe…perdoe-me…por favor…
(Põe-se de joelhos e chora aos pés da mãe) Eu sei que não fui um bom filho, não
tive cabeça…por favor…preciso de ti! Dá-me colo…ou podes dar-me uma tareia.
- Óh filho…olha para ti. Estão aqui
os teus filhos.
Ele entra de gatas. A mãe dá-lhe uma sapatada e
grita-lhe:
- Tu merecias mesmo um belo
para de chineladas…primeiro porque deixaste-me aqui tipo cadela vadia,
abandonada…quase porta a porta e não quiseste saber…e agora vens pedir colo…? Nesse
estado? Onde está a responsabilidade e a educação nos valores que te ensinei? –
Dá-lhe outra sapatada no rabo.
- Sim, podes bater, mãe…tens
toda a razão. Aliás, sempre tiveste toda a razão.
- Ai, agora reconheces…Ááááhhh…é
bom! A carcaça sempre serve para alguma coisa…
- Que carcaça?
- A tua mãe…
- Mãe…não digas isso. Por favor…perdoa-me…deixa-me
voltar para aqui…
- Merecias ficar lá fora…com
tanto amor que te dei, e desde que te formaste, eu deixei de existir…mas quando
o coração dói, a mãe serve não é?
- Desculpa mãe…eu não fiz por
mal.
- Não tiveste cabeça…deixaste-te
levar pela ilusão…é bem-feita. Eu bem te avisei…mas tu pensaste que era ciúmes.
- Pois era…posso ficar…? Por favor?
- Sim, podes. Mas o álcool fica
lá fora…entendeste bem?
- Sim, mãe…tudo o que quiseres…até
durmo no jardim, se quiseres.
- Cala-te. Uma mãe mesmo
magoada, perdoa, porque o amor pelos filhos nunca acaba, e não tem tamanho, nem
idade.
A avó está mais feliz, embora
magoada. Uns dias depois, os filhos e os netos começam a regressar a casa dela,
para a visitar muitas vezes, almoçar com ela, levá-la a passear e ficar com os
netos, enquanto os pais trabalham. Todos a adoram.
A Avó parece que rejuvenesceu uma série de anos, está muito
mais feliz, muito mais sorridente, e cheia de actividade. Os netos adoram
brincar e fazer tarefas com ela, ajudam-na, e brincam com os cãezinhos.
A Avó nunca mais chorou, nem ficou triste, nem sozinha. Voltou
a ter a casa cheia como sempre, e era uma avó maravilhosa para os netos, uma
mãe excelente para os filhos, e uma sogra acolhedora e simpática.
Passados uns meses, a Avó
foi novamente à sua janela e olhou para as estrelas.
- (sorri) Estrelinhas…desculpem
já não falar convosco há muito tempo…quero agradecer-vos muito, as estrelinhas
que me mandaram! Os cãezinhos, e as maiores estrelas que se pode ter: filhos e
netos…e agora bisnetos. São o meu sol…a minha vida e a luz da minha casa.
Uma neta ainda pequena foi passar o fim-de-semana com
ela, e ouve-a a falar:
- Avó…com quem estás a falar?
- Óh filha, estava a falar com
as estrelas.
- Tu também falas com as
estrelas? – Pergunta a neta surpresa e a sorrir
- Claro. Pode-se falar com as
estrelas sempre que se quiser…ou achas que os velhos não falam com as estrelas?
- Avó…tu não és velha.
- Tu também falas com elas, não
falas?
- Sim! Peço-lhes desejos, e
outras coisas.
- Eu também.
- E pediste-lhes algum desejo?
- Pedi.
- E elas realizaram?
- Uns sim, outros não. Mas o
último realizaram…e era o que eu mais queria.
- E podes dizer o que foi?
- Pedi…umas estrelinhas para me
fazerem companhia.
- Áh! Que lindo.
- É. E elas enviaram-me os
cãezinhos, os meus filhos e os meus netos, e agora os meus bisnetos. São as
minhas maiores estrelas.
- Uau! Adoro-te Avó…!
- Eu também te adoro muito,
minha boneca.
Trocam abraços, beijos, carinhos e vão-se deitar as duas
felizes.
FIM
Lálá
(23/Setembro/2014)
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