Era uma vez um espantalho que vivia num campo de produtos alimentares, em cima de um pequeno armário onde se guardavam os cereais como milho, trigo, centeio e outros. Além dos produtos, o campo tinha enormes girassóis.
O
espantalho era de palha, estava vestido, calçado e tinha sido levado para o
campo há muitos pouco tempo. De dia gostava de estar lá, do sol, das cores,
tinha sempre a companhia das pessoas, ouvia muitos barulhos diferentes, mas
logo que escurecia e as pessoas voltavam para casa, ele ficava mais triste, e
quando era noite, ficava muito triste.
Sentia-se
muito sozinho, o mais pequeno barulho assustava-o, porque todos lhe eram desconhecidos,
e não conseguia ver nada. Ele quase nem se mexia com medo. Não segurou mais as
lágrimas, e soluçou, mas parou quando um gato foi com as suas patinhas de lã,
muito levezinho pelo campo fora a farejar.
Quando
encontrou o espantalho ele já tinha visto, disse-lhe:
- Boa
noite!
O
espantalho estremece, fica gelado e responde a medo:
- Ai que
susto! Boa noite! Quem está aí? Vai-te embora…não podes comer os cereais aqui
do armário…xôôô…
- Ei…! Não
estás a ser nada simpático! – Diz o gato
- Não
tenho que ser simpático! Tenho de proteger os produtos dos meus donos
- Entendo!
Mas comigo não precisas de falar assim…eu sou da casa! Sou um gato, um dos
muitos que foram acolhidos por estas pessoas queridas!
- Não
foram muito queridas, pelo menos comigo, deixaram-me aqui sozinho, nesta
escuridão! – Lamenta o espantalho
- Tu és um
boneco de palha, certo?
- Certo!
- Então, a
tua função não é assustar ou afastar vadios que queiram roubar ou comer os
cereais e essas coisas deliciosas?
- É!
- E tens
medo?
- Sim. Está
muito escuro aqui! Acho que não me deviam deixar cá fora de noite.
- Mas de
noite é que é preciso tomar conta…!
- Porquê?
- Porque
de noite é mais fácil roubar ou comer…
- E tu,
não tens medo?
- Não! Já estou
habituado! Mas diz-me do que tens medo?
- Não há
luz aqui! Eu gostava de ter luz! Está muito escuro. E estes barulhos que não
conheço!
- Não está
tudo escuro; se não eu não te tinha visto, e vejo-te!
- Se
calhar já conheces o terreno!
- Sim, mas
não é só por isso! Olha para a tua frente…
- Áh! Estou
a ver alguma coisa.
- Claro! No
sítio onde estás é escuro, mas por cima de ti, e à tua volta há luzes. As da
rua, as da casa, a da lua e das estrelas…olha! Ali em cima…aquela bola enorme e
as pintinhas todas à volta!
- Áh! Que lindo!
Pois é! Nunca tinha visto aquilo.
- Claro! Só
se vê de noite. E se tens medo, tudo à noite parece muito mais assustador, há
muitas sombras, as coisas parecem transformar-se em gigantes, monstros,
criaturas horríveis…tudo fica mais inspirador para a criatura medricas.
- Como é
que sabes isso?
- Já
passei pelo mesmo.
- Então
também já tiveste medo?
- Claro! Toda
a gente, e animais incluídos, têm medo! Enquanto não conhecemos os espaços, e
as coisas que nos rodeiam, temos medo.
- E quem é
aquela de que falaste? Mora aqui?
- Aquela
quem?
- A
criatura de que me falaste.
- A
criatura medricas?
- Sim!
- É uma
criatura que está por todo o lado.
- Como é
que ela é?
- Ela está
aqui agora. É difícil descrevê-la.
- Onde
está? Não vejo ninguém.
- Pois. Mas
está!
- Então
como consegues vê-la?
- Ela vive
na nossa cabeça! É ela que nos faz ter medo! É ela que transforma tudo o que
vemos, em coisas horríveis!
- Como é
que sabes?
- Também
vive na minha…quer dizer…já viveu, mas depois saiu.
- E para
onde foi?
- Não sei!
Sei que às vezes ainda me vem visitar, mas por pouco tempo.
- Quando
tens medo?
- Isso
mesmo!
- E de que
tens medo?
- De
algumas coisas.
- Quais?
- Do que
não conheço, de alguns sítios, e de alguns animais.
- Áh! Mas…e
estes barulhos?
- Estes
barulhos sempre estiveram aqui. São pequenos insetos que cantam! E outros
brilham, dão luz. Tu não estás sozinho…
O
gato explica-lhe tudo e convida o espantalho a ir dar uma volta pelo campo,
para o conhecer, enquanto conversam alegremente um com o outro. O espantalho
vai muito assustado, e pára muitas vezes, vai com os olhos muito abertos, e o
corpo muito preso.
O
gato ri-se e diz-lhe:
- Não
precisas de abrir tanto os olhos, deixa-te ir…confia em mim. Aqui não há perigo,
podes andar à vontade! Olha os meus amigos…Olá boa noite, malta.
Os
outros gatos aproximam-se, o gato apresenta-os, e criam logo uma linda amizade
com o espantalho. O espantalho aprende a conhecer muito bem o terreno e fica
deliciado a ouvir os barulhos das cigarras e grilos a cantar.
Depois,
um outro espantalho, do campo vizinho, também se torna amigo dele, e os dois
começam a ter longas conversas um com o outro, e a juntar-se para ver as
estrelas, passear pelos campos com os gatos.
Uns
dias depois, uma fada dos campos ofereceu uma luzinha a cada espantalho,
pendurando-a no seu pescoço, e pôs outra luz maior aos pés de cada um.
O
espantalho vizinho apresenta outros espantalhos, de outros campos, e
encontraram-se muitas vezes para conviver. Com a amizade que o espantalho
criou, com os gatos e com os espantalhos, nunca mais se sentiu sozinho, e
perdeu alguns medos.
Quando
todos tinham medo de alguma coisa nova, ou barulho estranho, rapidamente
deixavam de o ter, porque abraçavam-se uns aos outros, ou davam as mãos, e iam
todos juntos, ver o que era.
Quando
percebiam que não era nada de tão assustador quanto imaginavam, respiravam de alívio
e riam-se.
Eles
sabiam que o medo muitas vezes não existia mesmo, e alguns eram só da sua
imaginação, que se desfaziam quando viam que não era nada de tão perigoso…o medo
ajuda-nos a proteger, e a ter mais atenção!
O
medo faz parte de nós, e todos nós temos medos! Uns podem ser mais reais do que
outros, uns desaparecem rápido, outros demoram mais tempo.
Uns
aprendemos, outros criamos e outros não sabemos como nascem…quer dizer…imaginamos.
E
vocês, do que têm medo? Peçam a um adulto para vos falar dos medos. Eles também
os têm!
Fim
Lálá
(30/Outubro/2016)
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