Era
uma vez uma menina quase adolescente, que estava sempre a gritar, não conseguia
falar baixo, e quando falava baixo, os seus gritos transformavam-se em
lágrimas, por isso, quando tal acontecia, ela tinha de fugir e gritar num sítio
onde não incomodasse ninguém.
Mas
um dia, nesse lugar onde ela foi para gritar, apareceu um ser muito misterioso,
um rapaz adolescente, calado, alto, elegante, todo vestido de roupa preta. Ela assustou-se
e engoliu o grito para não incomodar o rapaz.
- Ai…acho que vou
rebent (com uma voz fininha e baixinho, até que grita outra vez) aaaaaaaaaaaaaaaaaaarrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...Desculpe!
– Diz a menina a tossir
O rapaz dá uma
sonora a dobrada gargalhada:
- Mas o que é que
te mordeu?
- Nada!
- Estavas a
gritar, pensei que algum bicho te tinha dado uma dentada.
- Não.
- Então porque
estavas a gritar?
- É que…não
consigo evitar…sinto umas coisas a subir pela minha garganta, e tenho que
gritar, se não, fico muito mal disposta.
- Vens para aqui
gritar?
- Sim.
- Porquê?
- Para não
incomodar as pessoas com os meus gritos.
- E porque é que
gritas?
- Não sei.
- É mais forte do
que eu.
- Já fazes isso
há muito tempo?
- Sim, desde
bebé.
- E já foste ao
médico?
- Já.
- E então?
- Ele não viu
nada.
- Então já é de
ti.
- Sim.
- Mas porque o
fazes?
- Não sei. Sei que
fico muito aliviada.
- Ora…grita lá.
- Óh, é melhor
não…
- Vá lá.
- Não…vou
incomodar…
- Não incomodas
nada. Eu quero ouvir.
- O quê?
- Sim, eu quero
ouvir-te gritar.
- Tens a certeza
do que me estás a pedir?
- Tenho.
- Acho que não
vai ser boa ideia.
- Anda…grita.
- Bem, se é isso
que queres…
A rapariga começa a gritar, e a
fazer movimentos com o corpo, gestos que acompanham os gritos. O rapaz fecha os
olhos, ouve-a, e diz:
- Chega.
Ela cala-se muito surpresa. Ele
sorri:
- Uau. Que linda
voz.
- Ãh? Estás a
gozar não?
- Não. Estou a
falar muito a sério. Arrepiaste-me.
- Isso deve ter
sido de nervoso…pelo menos é o que toda a gente me diz…que os meus gritos
provocam arrepios de nervoso.
- Isso é
insensibilidade.
- Eu acho que
eles têm razão.
- Não. Tu dás
tudo, os teus gritos ganham vida, têm emoções, todo o teu corpo falou enquanto
gritaste…
- Mas…
- Alguma vez
cantaste?
- Sim, mas
rapidamente me mandaram calar.
- O que é que te
acontece quando não gritas?
- Parece que
rebento, e choro.
- Gostavas de
cantar?
- Acho que…até
gostava.
- Então vamos
experimentar.
- O quê?
- Sim.
- Mas, o que é
que tu fazes?
- Depois
conto-te, agora quero ouvir-te.
Ela começa a gritar, ele ouve
atentamente, e responde com um tom de voz mais grave, mas igualmente bonito. Parece
que os dois entram num lindo diálogo de ópera, com movimentos e gestos a
acompanhar as vozes. A rapariga fica encantada com a voz dele.
A
certa altura, ele manda-a gritar baixinho, e os gritos dela transformam-se em lágrimas,
que ele transforma em notas musicais a sair dos olhos, apanha-as e mete-as numa
bolsinha especial.
- O que é isso
que guardaste?
- São as tuas
lágrimas.
- Para que queres
as minhas lágrimas?
- Para
transformá-las em letras de músicas. Vou ouvir as tuas lágrimas, e compor
canções para cantarmos juntos.
-
Ááááááááááhhhhhhhh… nunca outra ouvi.
- Vais ver que
vai ficar maravilhoso. Por favor…de cada vez que chorares, guarda as tuas
lágrimas e traz-mas. Pode ser?
- Se fazes assim
tanta questão…
- Sim! E cantaremos
mais vezes juntos…aparece aqui, quando precisares de gritar.
- Combinado.
- Obrigado. Até à
próxima.
O rapaz desaparece, e ela fica
pensativa. Cada um vai para sua casa, e o rapaz explora as lágrimas da rapariga,
como notas musicais, compõe dezenas de letras para canções, experimenta, sorri,
comove-se, e brinca com as notas musicais.
Uns
dias mais tarde os dois votam a encontrar-se, e a rapariga dá-lhe um frasco com
mais lágrimas. Ele põe-na a ouvir as canções que compôs com as lágrimas dela. Ela
fica muito surpresa, e ao mesmo tempo encantada.
- Uau! Estão
maravilhosas…são lindas as canções! – Diz ela a sorrir
- Também achei. Vamos
experimentar?
- Está bem.
E
os dois cantam as canções dele, com muita delicadeza, suavidade, leveza e
sorriem. Cresce entre eles muita cumplicidade, amizade, carinho e a paixão pela
música. Ele leva as outras lágrimas dela, e compõe mais músicas.
Uns
tempos depois, os dois vão pelas ruas mostrar as suas canções, e todos
aplaudem, até dão moedas. Com o dinheiro que juntaram, conseguiram gravar o
primeiro CD, e a partir daí não pararam mais. Tiveram muito sucesso, foram
muito aplaudidos e solicitados para atuar.
Afinal,
os gritos da rapariga eram um talento escondido, que se transformaram em
canções, e foi descoberto por uma alma sensível.
FIM
Lálá
(12/Outubro/2016)
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