- Boa noite! O que temos aqui? – Pergunta o
mocho, apesar de já saber a resposta
- Boa noite! Com quem estou a falar?
- Com o mocho. E tu és uma toupeira!
- Eu chamo-me…
- Toupeira.
- Não sei como me chamo.
- É assim que te chamam!
- Quem?
- Os humanos!
- Quem são esses?
- São os que plantam o que tu comes!
- Raízes?
- Sim, raízes e sementes.
- Áh! Mas que simpáticos. Então tenho de lhes
agradecer.
- Acho que não é boa ideia.
- O que é que não é boa ideia?
- Agradeceres aos humanos.
- Porque não?
- Porque eles não vos veem com bons olhos!
- Então que arranjem outros olhos.
- O que eu quero dizer é que eles não gostam de
vocês.
- Não?
- Não!
- Porquê?
- Porque vocês dão cabo de tudo!
- Mas então porque é que nos dão alimento? Se
fazem isso, estão a cuidar de nós…e se cuidam de nós é porque nos querem bem,
certo?
- Não!
- Foi o que sempre nos ensinaram.
- Mas no caso deles não é assim! Vocês
destroem tudo, e eles não gostam disso.
- Mas é o nosso alimento! Porque é que põem lá
essas coisas? Eles também as comem, é? Se é por isso, partilhamos, não tem
problema.
- Não! Eles não comem essas coisas. Vocês é que
comem, sem autorização.
- Sem autorização? Como? É preciso autorização
para comermos? Nunca vi lá em baixo nenhuma placa!
- Vocês dão cabo do trabalho deles.
- Temos de comer, para sobreviver, como eles!
Se não nos querem, não ponham a nossa alimentação!
- Mas eles precisam!
- Então comem isso?
- Não! Comem outras coisas.
- Tudo isto que estás a dizer é muito
estranho.
- Sim! É verdade.
- Mas, e tu, quem és?
- Um mocho.
- Vives aqui?
- Sim!
- O que fazes?
- Tomo conta deste espaço, à noite.
- Trabalhas de noite, só?
- Sim!
- E de dia?
- Durmo!
- Conheces bem este espaço?
- Muito bem.
- E como é?
- É bom, sossegado, silencioso.
- Onde estão os que vivem aqui? Vive gente?
- Sim, vive gente e animais. Estão a dormir!
- E tu estás acordado?
- Sim!
- Porque não estás a dormir como eles?
- Porque trabalho de noite! De dia não é
preciso vigiar, mas de noite, eles descansam, e alguém tem de garantir a
segurança!
- Áh! E é difícil trabalhar de noite?
- Não! Já estou habituado!
- Tu vês bem?
- Vejo, muito bem!
- Eu não! Mais ou menos.
- Não usas óculos?
- Não sei o que é isso!
- Umas coisas para ajudar a ver bem, quem vê
mal.
- Áh! Não sei. Nunca nos falaram nisso. Vemos
mal, mas cheiramos na perfeição! Tu usas essas coisas?
- Não! Para já não. O que vieste fazer cá
fora?
- Vim ver como era!
- Como era o quê?
- Este espaço!
- Ááááhhhhh!
- Posso subir para aí, e ver o que se vê daí?
- Podes.
A
toupeira vai para o ramo do mocho, sobe pelo tronco e quando chega ao ramo…
- Ei…tu és tão grande! Lá de baixo parecias
mais pequeno.
(O mocho ri-se)
- Ao longe tudo parece mais pequeno. Até de lá
de baixo.
- Já experimentaste?
- Já.
- E também vês mais pequeno?
- Sim.
- Podes dizer-me o que vês, por favor?
O
mocho suspira, e compreende a toupeira que não vê bem. Então, pacientemente, e
com o máximo de pormenor, descreve tudo o que consegue ver, em todas as
direções. A toupeira ouve, sorri e segue a voz do mocho, maravilhada.
- Áh! Que maravilha que é a superfície! Lá em
baixo não temos nada disto! É tudo igual, tudo feio, que tristeza…! Obrigada
pelas tuas descrições.
Ela
olha para cima.
- Que pintas são aquelas?
- Onde?
- Ali…no telhado da tua casa.
- Não são pintas, são estrelas, e não estão no
telhado da minha casa.
- Áh!
- O telhado da minha casa é de madeira, não
tem estrelas! Aquelas estão muito longe daqui.
- E estão sempre ali?
- Estão, mas só se vêm à noite…como está
agora!
- E têm outra coisa além da noite?
- Temos…a manhã, a tarde e a noite!
- Tantas coisas. Eu pensei que estava sempre
escuro cá em cima, como lá em baixo.
- Não! De manhã e de tarde temos dia,
claridade, sol, chuva…
- Sol?
- Sim!
- Nunca vi!
- Um dia vais ver. Mas tens de vir de manhã,
quando estiver claro!
- Não sei se consigo! Gostaria! Descreve-me
como é o sol, por favor!
- É amarelo, redondo, dá luz, aquece, alegra,
faz nascer plantas…é bom!
- Áh! Tantas qualidades. É um candeeiro?
- Não! É um astro!
- O que é isso?
- Está lá em cima, com as estrelas…
- Porque é que ele não está ali com elas,
agora?
- Porque é noite! E as estrelas é que aparecem
de noite! O sol aparece de dia, e enquanto há sol, não há noite, por isso, não
há estrelas. Quando é noite, não há sol, e há estrelas!
- Áh! Não aparecem ao mesmo tempo?
- Não!
- Que giro! Conta-me mais coisas da
superfície, por favor!
- O que queres saber mais?
- Estes barulhos, o que são?
- Que barulhos?
- Estes que eu estou a ouvir! Tu não ouves
barulhos?
- Ouço! Muitos barulhos.
- Eu também. O que são?
- São cigarras, grilos, sapos, rãs. Há
pirilampos a voar, aquelas luzinhas que vês à volta das flores e das árvores,
há corujas, cães a ladrar, gatos a miar, carros da cidade, na estrada, há vento
a bater nos galhos, há música nas ruas da cidade.
- E aquela claridade?
- São as luzes da cidade!
- Que lindo! Já foste à cidade?
- Não vou há muito tempo. Há demasiado
barulho, confusão, luzes, fiquei muito agitado.
- Obrigada pelas informações.
Os
dois conversam mais um bom bocado, riem, e a toupeira fica a conhecer o lugar.
Já de madrugada alta, depois de muita conversa, a toupeira fica com sono e
volta para a sua toca no solo, com a promessa de voltar. E assim foi. Nos dias
seguintes, a toupeira voltou à superfície, e acompanhou no solo, as rondas
noturnas do mocho, a conversar de vez em quando, mas não tanto porque o mocho
tinha de estar atento, e a toupeira tinha medo de predadores, mesmo assim ela
fez bons amigos nesses passeios.
Se vocês fossem o mocho, o que mostrariam à
toupeira? Escrevam…
FIM
Lálá
(25/Março/2016)
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