foto de Lara Rocha
Era uma vez uma montanha,
onde os seres humanos não tinham acesso. Só alguns animais voadores e de quatro
patas que já lá tinham nascido, e estavam habituados. Nessa montanha existia uma casa, há muitos anos desabitada,
em ruínas, com um jardim, que mais parecia um matagal assustador, mas servia de
abrigo aos animais, embora estes não parassem muito tempo por lá, pois o
matagal tornava o jardim frio, e desconfortável.
Os animais não se entendiam muito bem uns com os outros,
e ainda que partilhassem o mesmo espaço, mal se conheciam, raramente se falavam,
abrindo a boca apenas para discutir ou atacarem-se uns aos outros.
As lutas
eram constantes entre os animais de diferentes espécies, e da mesma, sem razão
aparente…talvez…puramente machismo, ou luta por lugar…embora houvesse espaço
mais que suficiente para todos, ou…quem sabe, para ver se reparavam uns nos
outros, e se tornavam amigos. Os mochos e as corujas bem tentavam pôr ordem,
mas não adiantava de nada…os que lutavam, nem os ouviam.
Um dia, os animais acordam sobressaltados com um vento
muito forte…como não se lembravam de ter sentido antes…assobiava imenso, sacudia
bruscamente as folhas das árvores, fustigava-as, e estas caiam. As árvores mais
frágeis e mais velhas começaram a cair. Todos olham para o céu, muito
assustados, e está cinzento, carregado de nuvens.
À sua
volta voam coisas, até pedaços da casa abandonada. Os animais ficam muito
agitados: os lobos uivam, andam de um lado para o outro; as borboletas
escondem-se nas flores, que também quase são arrancadas pela ventania; as
gaivotas piam, e elas e os pássaros em geral, não conseguem voar.
O matagal
começa a levantar e num instante, fica meio descampado. Os animais não sabem o
que vai acontecer, nem o que fazer.
- Escondam-se! – Grita um
lobo.
- Onde? – Perguntam
todos.
- Onde puderem. –
Responde o lobo.
- O que é que está a
acontecer? – Pergunta um gato, nervoso que se tenta segurar.
- Não sei…mas é muito
assustador! – Responde outro gato assustado.
- É uma tempestade! –
Grita outro lobo.
Todos os animais correm de um lado para o outro, muito
nervosos e assustados; chocam-se várias vezes uns com os outros, com a aflição,
e envolvem-se em lutas severas.
- Parem já com isso,
seus trogloditas! – Ordena uma loba zangada.
- Abriguem-se, e
deixem-se dessas lutas ridículas… - Acrescenta uma cadela.
- A não ser que queiram
ir juntamente com a ventania…mas irão orgulhosos por lutarem não? – Diz outra
loba.
- Mas onde nos vamos
esconder todos…se mais de metade do jardim já foi pelos ares? – Pergunta um
lobo que estava envolvido na luta.
- Já teriam encontrado,
se nem sequer começassem a perder tempo com lutas! – Responde outra loba.
- Já não podemos voltar
atrás…queremos é saber agora onde nos escondermos! – Responde outro lobo.
- Arranjem-se! –
Respondem as fêmeas.
- Continuem aí a lutar…!
– Diz outra cadela.
- Não percam mais tempo…não
faltam sítios onde se abrigarem…despachem-se! Não temos mais tempo a perder,
para salvarmos a nossa pele. – Diz outra loba.
- Aquela parte do jardim
não deve ir pelo ar! – Repara uma gaivota.
- Abriguem-se ali na
gruta. – Sugere uma gata.
- Estou totalmente de
acordo! – Diz outra gata.
- Nem pensar! – Gritam todos
os animais machos.
- Eu não vou ficar com
este peludo…que nojo…! – Diz um gato muito incomodado.
- Nem eu vou ficar com
estes ali no mesmo sítio… - Responde um lobo.
E começa uma grande discussão, porque não querem ficar
uns com os outros, são inimigos.
- Meninas…vamos pôr
ordem nisto! – Sugere outra loba.
- Boa! – Concordam todas.
- Mas como…se estes
cabeçudos não nos ouvem? – Pergunta uma cadela.
- Querem ver? – Pergunta
a Águia.
A Águia solta um sonoro, agudo e prolongado grito, e
todos os machos param gelados, a olhar em volta assustados. As fêmeas riem e
aplaudem.
- Obrigada! – Agradecem as
fêmeas, a rir.
- Ora essa! Temos de ser
umas para as outras…! – Diz a águia a sorrir.
- Foste tu, óh…? –
Pergunta um gato.
- Óh quê? – Pergunta a
Águia que assobiou.
- Casaco de penas…bico
de gancho… - Acrescenta o gato.
- Pensas que me ofendes
com essas piadinhas…? Esquece…tenta outra! – Responde a Águia.
- Estás cheio de inveja!
– Acrescenta outra Águia.
- Com certeza! –
Confirma a Águia.
- Eu…? Com inveja de ti…?
Para quê? Sou muito mais bonito, eu sei… - Responde o gato vaidoso.
- Cala-te! – Grita uma
loba.
- Meus grandes selvagens
brutamontes…não querem abrigar-se, é problema vosso…preferem ir com o vento, e
servir de refeição para abutres…à vontade! A escolha é vossa! – Informa a
Águia.
- Seus inconscientes! –
Grita uma loba zangada.
- Continuem a fazer
figuras tristes…a lutar, e vão com o vento…! – Diz uma cadela.
- É vergonhoso o vosso
comportamento! – Diz uma loba.
- Uma tempestade…prestes
a rebentar…e vocês aí com lutas insignificantes de machos imbecis! – Acrescenta
outra loba.
- Olhem à vossa volta,
seus ridículos! – Ordena outra loba.
- Olhem com olhos de ver…à
vossa volta, meus anormais. – Acrescenta a Águia.
- Vejam se vale a pena,
e se é tempo de estarem agora, engalfinhados em lutas, face ao perigo que nos
rodeia, seus ignorantes. – Acrescenta outra loba zangada.
- São tão insignificantes!
Mas estão aí metidos a grandes…parece uma anedota! – Resmunga outra Águia a
rir.
- Somos insignificantes,
minorcas…comparados com o tamanho do monstro invencível que está prestes a
rebentar com tudo…e nós incluídos…! – Lembra outra loba.
- E vocês machões de
meia Leça…aí…a esfrangalharem-se, por causa de machismos…que ridículos que
vocês são…! – Diz outra Águia.
- Pensem, seus
ignorantes, se são mais fortes que uma tempestade, que sobrevoa a nossa cabeça!
- Diz outra Águia.
- É! Pensem se vale a
pena armarem-se em machos, e deixarem-se dominar pelos preconceitos machistas…
- Lembra uma cadela.
- A porcaria das lutas,
o machismo estúpido, e a desunião, é que são importantes, não é, seus limitados…?
– Resmunga outra loba.
- É! As lutas, o
machismo, o preconceito, a falta de respeito pela diferença, a desunião são
muito mais valiosos que a vossa vida…não é? – Acrescenta outra loba.
- Pensem se tudo isso
vale a vossa vida…pensem se vale a pena tudo isso, com esta tempestade! – Grita
outra Águia.
- Se tiverem a sorte de
ter tempo para pensar. – Diz uma gata.
E ouve-se um forte trovão, com relâmpagos que fazem
desenhos no céu.
- Até a terra treme…continuem
a lutar, e não se protejam. – Diz outra loba.
- Nós…vamos fazer por
nós…vocês…se são tão machos, mais fortes que a tempestade…arranjem-se! – Diz outra
Águia.
- Boa sorte para vocês! –
Diz outra Águia.
- Vamos meninas…ali,
temos espaço e protecção…esperamos! – Diz uma loba.
- Vamos! – Gritam todas.
Outro trovão estrondoso, todos se encolhem, o vento
continua a soprar mas ainda mais forte, e a fazer redemoinhos, levantando
objectos da casa, arrancando árvores, as fêmeas de várias espécies estão muito
assustadas, mas protegidas debaixo de árvores centenárias que abanam mas
resistem, muito encostadas umas às outras, a segurarem-se umas às outras, e às
raízes.
As Águias
também se abraçam, abrem as grandes asas, e protegem as outras fêmeas, envolvendo-as,
e aquecendo-as, com as garras presas nas raízes para se segurarem.
- Meninas…estamos
juntas, e em segurança! – Diz a Águia.
A trovoada
é assustadora, e as fêmeas dão as patas umas às outras, debaixo das asas para
se sentirem mais seguras.
- Ai, que medo! –
Comenta uma loba.
- Concordo contigo! –
Diz outra loba.
- Nunca pensei assistir
uma coisa tão monstruosa como estas! – Acrescenta outra loba.
- Nem eu! – Respondem todas
as fêmeas.
- Nunca estivemos tão
juntas, como agora…! – Comenta uma cadela a sorrir.
- Pois não…mas isso
incomoda-te? – Pergunta uma gata.
- Não, de maneira
nenhuma! – Responde a cadela.
- Numa altura destas,
não tínhamos outra solução, se não…juntarmo-nos, e abrigarmo-nos. – Responde uma
loba.
- Claro. Mesmo que antes
nunca tivéssemos estado juntas…! – Responde outra loba.
- Mas somos todas fêmeas…!
– Lembra uma gata.
- Claro, mais uma razão
para nos juntarmos…ao contrário daqueles idiotas! – Responde outra loba.
- Pois! – Concordam todas.
- Entre nós, nunca houve
nada! – Lembra uma loba.
- Não! – Respondem todas
as fêmeas.
- Sempre convivemos
pacificamente…nunca nos falamos grande coisa, mas também nunca nos pegamos. –
Comenta outra loba.
- Nós somos
suficientemente inteligentes para separar as coisas. – Diz uma Águia.
- É verdade! – Respondem
todas.
- E sabemos muito bem
quando temos de nos unir. – Acrescenta outra loba.
- Pois! – Respondem todas.
- Este era o momento! –
Diz outra Águia.
- Um dia, todas
precisamos umas das outras. – Diz outra Águia.
- Com certeza! –
Respondem todas.
- Juntas somos muito
mais fortes, e podemos conseguir muito mais! – Lembra outra loba.
- É verdade! – Respondem
todas.
- Os machos engoliram o
orgulho e estão juntos em algumas tocas! – Diz uma Águia.
- Menos mal…! Também estão
a salvo! – Diz uma gata.
- Que bom! – Respondem em
coro.
- Felizmente acho que
lhes demos uma boa lição…! – Comenta uma loba a sorrir.
- Deve estar um ambiente
naquela toca…de cortar à faca…mais gelado do que o vento lá fora… - Diz outra
loba a rir.
- Sim! – Respondem todas.
- Mas acho que a
estupidez deles, não lhes permite aprender o que é bom! – Diz uma gata.
- Eu tenho esperança que
sim! – Responde outra gata.
- Talvez esta tempestade
tenha a sua missão! O seu lado positivo! E…ensinar-nos qualquer coisa. –
Comenta outra loba!
- Claro que sim! –
Respondem todas.
- Olhem, meninas…já que
estamos aqui, podemos aproveitar para nos conhecermos…- Sugere a Águia.
- Boa Ideia! – Respondem
em coro.
Os machos
são teimosos e orgulhosos, não querem ficar juntos, e cada um procura abrigo
onde pode, com grande dificuldade, quase a ir pelo ar. Um lobo decide engolir o
orgulho e grita para os outros machos:
- Aqui há espaço! Venham
rápido.
Os machos que andam muito aflitos à procura de abrigo, de
diferentes espécies, ficam surpresos, mas como sentem o perigo muito perto, não
pensam duas vezes…metem-se nessa toca que está protegida, por pedras e ficam
também juntos para se aquecerem.
- Que estranho…estarmos
assim tão juntos…! – Comenta um lobo.
- Nunca estivemos assim!
– Diz outro lobo.
- Não gosto muito disto…!
– Comenta outro lobo.
- Nem eu, mas não
tivemos alternativa! – Diz outro lobo.
- Podiam ter ficado lá
fora! – Diz o lobo.
- Não! – Respondem em
coro.
- Mal por mal…! –
Responde o gato.
- Não sei o que me
parece estar tão encostado a outro macho! – Comenta outro lobo.
- Nunca estiveste
encostado ao teu pai ou irmão…? – Pergunta o lobo.
- Já! Mas era diferente!
- Diferente porquê?
- Porque era família…agora…estou
com estranhos…!
- Qualquer amizade
começa com alguém que nos é estranho.
- Sim, é verdade…
- Que diálogo mais
estranho. – Comenta outro lobo.
- Devemos é pensar que
neste momento, estamos juntos, para nos protegermos…e não pensar que somos
todos machos, e que não sei quê…não sei que mais…! – Diz um gato.
- Se estivéssemos com
fêmeas era bem melhor. – Acrescenta outro lobo.
- Como podes pensar
nisso agora? – Pergunta um gato indignado.
- Tu também não querias?
– Pergunta o lobo.
- Se não estivesse nesta
situação, claro que sim! – Responde o lobo.
- Queres é usar-nos para
refeição não é? – Diz um gato.
- Claro…! Tanta simpatia,
traz água no bico…! – Diz outro gato.
- (suspira) Cala-te! Não
é nada disso…! – Responde o lobo.
- Não é altura para falarmos
de Guerra! – Acrescenta outro lobo.
- Estamos em perigo! –
Suspira e comenta outro lobo.
- Sou lobo, mas tenho
sentimentos…e não ficaria bem, se vos visse a correr perigo, num momento de
aflição como estes, e não fizesse nada…! – Diz o lobo.
- E vocês, não fariam o
mesmo? – Pergunta outro lobo.
- Apesar das nossas lutas,
e das nossas diferenças…sim…acho que sim! – Responde o gato.
- Só espero que a
tempestade passe rápido. – Comenta o lobo.
- Eu também. – Respondem
todos.
- Olhem, e se
aproveitarmos o facto de estarmos juntos, para nos conhecermos melhor? – Sugere
o lobo.
- É…talvez a tempestade
até passe mais rápido! – Diz outro lobo.
- Huummm…sim, pode ser! –
Responde outro lobo.
- Boa! – Respondem os
outros.
Todos os animais estão a salvo e protegidos, embora muito
assustados. Na toca das fêmeas, e no abrigo dos machos, nessa manhã,
conversa-se alegremente, ri-se, e descobre-se muitos aspectos em comum.
A tempestade alivia, e aproveitam para almoçar. Trocam impressões
com os machos, e elas estão felizes por verem os machos a entender-se bem. Comem
juntos, e as fêmeas partilham o momento de almoço sempre a falar e a rir umas
com as outras, e provam alimentos diferentes.
No fim do almoço, volta o vento forte, e a trovoada. As fêmeas
voltam para o sítio onde estavam e os machos para as tocas, mais amigáveis, e a
conversar.
Os barulhos que se ouvem da tempestade arrepiam e
assustam: coisas a partir, a estalar e a voar, o vento a soprar forte e a levar
tudo pelo ar, árvores arrancadas…a casa já só tem quase as paredes de pé, e do
jardim restam os muros e as árvores milenares que resistiram, onde estão as
fêmeas e os machos.
As fêmeas arranjam sempre assuntos para falar a tarde
toda, e rir, enquanto à volta delas chove torrencialmente, troveja e venta como
nunca antes tinham visto. Os machos também se decidem a divertir-se juntos.
Nessa noite, todos festejam juntos e alegremente, o facto
de terem sobrevivido, trocam agradecimentos, pedidos de desculpas, e abraços, e
dão as boas-vindas, com um brinde à linda e sincera amizade que tinha acabado
de nascer na tempestade.
A partir
desse dia, os animais que partilhavam o mesmo espaço, tornaram-se amigos
verdadeiros, convivem alegremente, ajudam-se uns aos outros, vivem alegrias e
partilham tristezas, medos, desesperos, dores…fazem festas, e passeiam juntos.
A tempestade
teve realmente o seu aspecto educativo e positivo pois: juntou animais que,
apesar de viverem no mesmo sítio não se conheciam, nem se falavam…e despertou
neles, a união, a partilha, a cooperação, a protecção e a amizade, acabando com
as lutas machistas.
Às vezes,
na nossa vida também conhecemos amigos e unimo-nos a pessoas que se tornam
verdadeiras amigas especiais, em momentos difíceis. Mas o melhor é não esperar
por esses momentos para ter, e conhecer amigos, e para mostrar aos outros, como
somos iguais em muitas coisas. Além disso, as diferenças físicas, as zangas ou
lutas e vinganças, o egoísmo, a desunião e o desrespeito, o preconceito, a
indiferença e a desumanidade, são perda de tempo e não resolvem os problemas,
apenas os aumentam.
FIM
Lálá
(9/Agosto/2013)
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