Do livro de pintar para adultos
Era uma vez um menino que andava muito pensativo, sobre a Guerra e a Paz.
Não gostava nada do que via na televisão sobre os países em guerra, nem de ouvir os adultos a falar sobre Guerra, mas era o que existia.
Chorava quando ia dormir, agradecia por o seu país ter Paz, e por tanto ele como a família estarem em Paz.
Pedia nas suas orações em conjunto com a família, que a Guerra acabasse e que houvesse Paz.
Antes de ir dormir, aquelas imagens e a pena que sentia daquelas pessoas, perturbavam-no, mesmo não estando lá, porque conseguia imaginar-se naqueles sítios, imaginava o que ele próprio sentiria e a sua família se algum dos seus estivesse lá.
Adormecia com as lágrimas a cair, mas acreditava que um dia a Guerra acabaria.
Para tornar o sono mais agradável, depois de pensar na Guerra, pensava e perguntava-se:
- Será que a Paz só tem a cor branca? Ou será que tem as cores da bandeira onde andam em Guerra, e as nossas em so...li...soli...solidaridade...ai...solidariedade, acho que é assim que se diz.
No dia seguinte, de manhã, ao pequeno almoço, perguntou à mãe:
- Mãe...de que cor é a Paz?
- É branca!
- Será que não tem outra cor?
- Não. Despacha-te mas é, esquece lá a cor da paz...! Temos de sair a seguir.
- Está bem!
Entra o pai, e o menino pergunta:
- Pai, de que cor é a paz?
- É da cor do não me chateies, que estou cheio de pressa e do despacha-te!
- Porque é que estão tão zangados? Também querem a Guerra, é?
- Come e despacha-te. - gritam os dois
- Deixa lá a Guerra, ela não está cá.
O menino fica tão triste, que quase não toma o pequeno almoço, e os pais cheios de pressa nem reparam.
Engolem os deles, pegam no menino, metem-no no carro e vão depressa levá-lo ao colégio, a mãe num carro e o pai no outro, com velocidade, a murmurar, a resmungar baixinho, a bufar, por causa do trânsito, a buzinar, a bater com as mãos no volante.
Nem um beijo deram um ao outro, nem ao menino, largam-no à porta do colégio e avisam-no que a Avó vai buscá-lo ao fim do dia.
O menino está triste como a noite. Entra na sala, cumprimenta a educadora, senta-se num canto triste.
A educadora vai ter com ele, preocupada, e pergunta:
- Então, príncipe, estás muito triste hoje, o que aconteceu?
O menino desata num pranto, a educadora abraça-o, acaricia-o na cara, e o menino a soluçar responde:
- Os meus pais hoje foram maus comigo, como são sempre.
- Foram maus…? Mas....o que fizeram? Bateram-te?
- Não. Gritaram comigo, eu perguntei se a paz tinha outra cor, mandaram-me despachar, disseram que a Paz tinha a cor do não me chateies e do despacha-te...isso não são cores, pois não?
- Não!
- Estão sempre a correr, sempre a gritar um com o outro e comigo, eu não gosto da Guerra, choro sempre à noite, por aquelas imagens, e agradeço por estarmos em paz, mas afinal, os meus pais não fazem pela paz, fazem Guerra.
- Óh, meu querido, isso é muito bonito de tua parte. Os teus pais fizeram isso sem pensar, estavam com pressa para ir para o trabalho, os adultos são assim.
- Nem deram um beijinho um ao outro, nem a mim...eu não gosto quando eles falam assim um com o outro e comigo! Parece que gostam da Guerra.
- Não, eles não pensaram, só estavam com pressa, mas de certeza que te amam, e que querem a paz.
- Mas, eu queria saber se havia outra cor da paz...eu gosto da Paz. Não sei porque ficaram tão zangados com essa pergunta!
- Vais ver que à noite, já estão mais calmos.
- Não gosto de os ver sempre a correr. Tu também corres?
- Às vezes, sim, corro, quando me atraso, e às vezes também resmungo com o meu marido e com os meus filhos, mas gostamos da paz, fazemos pela paz, e ao fim do dia estamos todos bem.
- Porque é que fazem isso?
- Olha, porque...os adultos são uns apressados! Deixa lá, agora vamos mas é brincar!
- Mas, e tu, achas que a Paz tem outra cor?
- Huuummm… a paz tem a cor branca! Mas sim, pode ter outra cor. Que agora não sei. E tu, achas que a paz pode ter outra cor?
- Sim! Azul, ou...amarelo, ou verde.
- Áh, sim? Porquê?
- Azul porque é a cor do céu, do dia, o amarelo porque dá claridade e luz, o verde porque é natureza, e traz bem.
- Olha, muito bem visto! Concordo contigo. Essas cores também me trazem Paz. Gosto muito dessas cores.
- Eu também.
- Agora lembrei-me de outra cor da paz...
- Qual?
- A do sorriso!
- Áh! Sim, e a dos abraços...-diz o menino
- Também!
A educadora abraça o menino, e este retribui o sorriso e o abraço.
- E qual é a cor dos abraços? - pergunta o menino
- São muitas cores! Todas as alegres.
- E a cor dos sorrisos?
- Todas as cores alegres.
- Tu gostas dessas cores?
- Adoro. E tu?
- Eu também.
- Vamos lavar a carinha, brincar com os meninos e tu pode ir perguntando ou perguntamos na roda, aos outros meninos qual é a cor da Paz, combinado?
- Combinado.
O menino abre um grande sorriso, vai brincar com os meninos, alegre, e quando se sentam na roda, a Educadora pergunta:
- Meus amores...hoje o nosso amiguinho trouxe uma pergunta muito boa e bonita: qual é a cor da Paz? Eu quero saber o que cada menino acha!
- Branca! - respondem em coro
- Mas que outras cores podem ter?
- A cor dos abraços. - diz uma menina
- Que lindo! - diz a educadora
- Tem a cor de quando nos portamos bem! - diz um menino
- Gosto muito dessa cor! - diz a educadora a sorrir
- Azul. - diz uma menina
- Boa! Gosto muito dessa cor, para mim também me faz sentir paz.
- É a cor dos jardins! - diz uma menina
- Boa! Qual é a cor dos jardins?
- São muitas. Verdes, todas as cores das flores.
- A água!
- Os rios!
- Os lagos!
- Os pássaros.
- A cor da amizade!
- A cor dos risos.
- A cor dos sorrisos.
- A cor das estrelas e dos animais.
- A cor do carinho.
- A cor de algumas canções!
- A cor do canto dos pássaros.
- A cor das borboletas e das joaninhas.
- A cor do vento.
- A cor da chuva.
- A cor das árvores, das folhas nas estações do ano.
- A cor do dizer «bom dia», do «obrigado», do «gosto muito de ti».
- A cor da praia.
- A cor do mar.
- É os pais não andarem sempre a discutir.
- Pois, os meus andam sempre a discutir.
- Os meus também! Às vezes nem falam comigo, só quando eu saio de onde eles estão. Apetece-me pô-los de castigo, ou dar-lhes umas sapatadas, como eles fazem.
Todos dão uma gargalhada.
- Não gosto nada quando eles fazem isso!
- Nem eu!
- Os adultos são mesmo assim. - diz a educadora
- É os pais não andarem sempre a correr.
- Os meus pais estão sempre a correr, engolem o pequeno almoço, fazem-me correr e engolir o pequeno almoço.
- Os meus também.
- Mas isso não é paz.
- Depois de certeza que fazem as pazes…!
E ficam ali um bom bocado de tempo a dizer as cores que achavam que tinham a paz, na verdade, era tudo o que lhes trazia paz, o que os fazia sentir paz.
A falar de paz, e de Guerra, dão as mãos e pedem pela paz. O menino estava feliz com tanta coisa bonita que ouviu, e para ele tudo o que ouviu também eram as cores da paz.
No fim do dia, a Avó vai buscá-lo ao colégio, abraça-o, beija-o, e leva-o para sua casa, faz-lhe um lanche com tudo o que ele gosta. O menino pergunta ao Avô:
- Avô, a Paz tem outras cores?
- Sei lá, nunca a vi!
- Já parecem as respostas dos meus pais! - diz o menino
- Ááááhhhh...então não vives em paz comigo? - diz a Avó
- Tem dias! - diz o Avô
- Avó, para ti qual é a cor da paz?
- Hummm…são muitas cores!
Enquanto o menino lancha com a Avó, a Avó diz-lhe cores parecidas com as que os meninos disseram. O menino sorri:
- Obrigada, Avó! Disseste coisas parecidas com o que os meninos disseram hoje. É que os meus pais estão sempre zangados, a correr, sempre a mandar-me despachar, sempre a correr, sempre a resmungar...eu acho que eles não conhecem a Paz. Eu não gosto da Guerra, quando adormeço peço sempre para a Guerra acabar, e agradeço por estar em paz, afinal vem os meus pais e andam em guerra.
- Santa Inocência! - murmura e ri o Avô
- Não, filho. Não andam em guerra, andam é mais nervosos, com muitas coisas a fazer, pensam em muita coisa ao mesmo tempo, atrasam-se, é o trabalho, é o trânsito...mas isso não é Guerra.
- Gritam um com o outro, e comigo, mandam-me despachar, fiz esta pergunta, o meu pai disse que era a cor do despacha-te e do não me chateies, nem repararam que eu nem tomei o pequeno almoço todo. Não me deram beijinhos, foram o caminho todo a resmungar.
- Tu quando fores mais crescido, vais perceber melhor, mas não é Guerra, como a da televisão.
- Mesmo assim não gosto.
- Eu sei, mas é normal.
A Avó conversa com o menino mais um pouco, os pais vão buscá-lo quase à noite, e veem que o menino não quer ir.
- Então filho?
Ele não responde, está triste.
- Fez queixinhas. - diz a Avó
- De quê? - perguntam os dois
A Avó conta a conversa que teve com ele, os pais ficam envergonhados, pegam nele ao colo, pedem desculpa, abraçam-no, beijam-no.
- Eu não quero ir para a Guerra, nem para casa, para vos ouvir sempre aos gritos um com o outro, e comigo, a mandar despachar-me, ou a dizer que não me chateies.
- Desculpa, filho. Estávamos nervosos, cheios de coisas para fazer, mas agora estamos mais calmos.
- Não interessa. Magoaram-me! E magoam-me muitas vezes com as vossas pressas...parece que não existo. Só sirvo para vos atrasar, e para ser mais uma coisa a fazer.
- Não, não é isso.
- És o nosso filho, trabalho é trabalho, filho é filho.
- Não parece. Vocês não gostam um do outro, nem de mim.
- Claro que gostamos, amamo-nos, e a ti também.
- Então porque estão sempre aos gritos um com o outro, a bufar, a gritar comigo, a mandar-me despachar...sempre a correr...isso é Paz? Não conheço essa cor, como Paz.
- Desculpa, filho! - dizem os dois
- Os adultos às vezes são muito mauzinhos, mas não é por mal. É sem querer, sem pensar.
- Mesmo assim, amam-se e amam os filhos.
- Como te amamos a ti.
- A Avó não grita comigo, nem me manda despachar. Vou ficar com ela.
- Prometemos que não voltamos a fazer isso, está bem?
- Não acredito!
- Podes acreditar.
- Só estão bem no meio da Guerra, para vocês não existem cores da paz. Que tristeza! E deixam-me muito triste.
- Nós sabemos…
- Vamos! - diz a mãe
- Jantamos e brincamos contigo, contamos-te uma história… pode ser?
- Não acredito que vão fazer isso. Estão sempre com pressa! Até ao jantar, e para me deitar.
- Mas a partir de agora vai ser diferente!
- Se não for diferente, eu fujo para a casa da Avó.
- Está bem. - diz o pai a rir
- Vamos? - diz a mãe
- Avó, está atenta ao telefone, se faz favor. Eu não acredito neles!
- Obrigado, filho, por nos abrires os olhos! - diz o pai, triste
- Obrigada, meu amor...não imaginávamos o quanto sofrias.
- Mas em casa, explicamos-te, ou quando cresceres.
- Eu não quero ser grande...quero viver sempre na Paz. Vocês nem sabem as cores da Paz, não veem nada, como podiam ver a minha tristeza…? É sempre o despacha-te, não há bom dia, nem beijinhos…
- Tens razão! - dizem todos
Todos riem, e lá convencem o menino a ir para casa. Nesse dia cumprem o que prometeram e viram a diferença na criança.
Nos dias seguintes, sempre que podiam, evitavam discutir um com o outro, e gritar com a criança.
E para vocês…? Qual é ou quais são as cores da Paz, além do branco? Porquê? (crianças e pais, tios, avós...)
Já pensaram nesta situação real em muitas famílias? A correria todas as manhãs, outras prioridades, em vez de estar inteiros com os filhos? Já imaginaram como eles se sentirão? Mesmo que as vossas preocupações sejam compreensíveis? Já agradeceram o vivermos num país em Paz? Tudo o que temos, e tudo o que os inocentes em Guerra perderam?
Coisas simples, podem encher-nos de Paz.
Podem deixar nos comentários se quiserem.
FIM
Lara Rocha
25/Julho/2023