Era
uma vez uma praia cheia de lixo e gaivotas. Não era uma praia que tivesse muita
gente, porque de dia para dia, aumentava o lixo.
Era Inverno, e por isso, as tempestades no mar, eram
quase diárias. Por causa disso, as gaivotas não podiam comer no mar, nem tinham
a sorte de encontrar pescadores.
Estavam cheias de fome, e voavam baixinho, ao contrário
do que era costume, com o peso das nuvens. Quando há tempestades, as gaivotas
não têm outra escolha a não ser procurar no lixo das cidades alguma coisa para
comer. Nem sempre é o que elas mais gostam, mas comem para sobreviver.
Um dia, com muita
chuva, o monstro que vivia no mar, vem à superfície. Um ser de lata, com
sucata, mas simpático.
Quando chegou à superfície
assustou-se:
- O que está a acontecer
aqui? Tanta gaivota em terra?! Áh…já sei…deve haver tempestade no mar! óh…e há
mesmo…que ondas tão grandes se aproximam…ui…que medo! Acho que os terrocos não
vão escapar…o mar vai engoli-los.
- O que estás a fazer
aqui? Volta para a tua casa! – Grita uma gaivota.
- Mas quem és tu para me
mandar para casa?
- Sou uma gaivota.
- E eu sou o monstro
sucata! Conheço muito bem o fundo do mar.
- E nós a superfície! –
Diz outra gaivota
- Eu também conheço a superfície!
Sei muito bem que vem aí uma tempestade daquelas!
- Nós também sabemos. Por isso
é que te estamos a avisar.
- Eu vivo aqui no mar…
- E nós também vivemos por
aqui.
- Se o mar está
tempestuoso porque é que estão aqui?
- Porque viemos à procura
de comida, e vimos-te aqui…achamos que te devíamos avisar.
- Obrigada! Sabem, eu
tenho lixo de sobra, lá em baixo. Vou trazer-vos algum. O que gostam mais?
- Óh! Que simpático!
- Gostamos de qualquer
coisa.
- Espera…qualquer coisa,
não é bem assim. Um dia quase sufocamos com plástico, por isso, plástico e
ferro, e pedras, pregos ou madeira não comemos.
- Pois! Já vi muitas
iguais a vocês aflitas por causa de lixo.
- Mas porque tens lixo na
tua casa?
- Porque…olha…não sei…eu
também fui criado a partir de lixo, pelas mãos de um homem!
- Um homem?
- Sim! Um terroco…ou terra…qualquer
coisa…
- Terráqueos…ou…terrenos…
- Dizem as gaivotas em coro.
- Isso!
- E como é que ele te
criou?
- Devia ser uma mulher!
- Uma mulher porquê?
- Era uma artista.
- Áh! – Respondem todas
- E deixou-te aí em baixo?
- Sim!
- Porquê?
- Não sei.
- E onde é que ele, ou ela
foi buscar o teu corpo?
- Ao fundo do mar! – Diz o
monstro
- Como é possível?
- Vocês não fazem ideia do
lixo que há lá em baixo.
- A sério?
- Sim!
- Como pode ser?
- As pessoas fazem do mar…um
gigantesco caixote do lixo! Não sei de quem foi a estúpida ideia de dizer que o
mar é um caixote do lixo.
- Só pode ter sido alguém
que em vez de miolos, tinha lixo na cabeça.
- Os terráqueos também têm
lixo na cabeça?
- Desconfio bem que sim!
- Não tenho pena nenhuma…
- Diz o monstro a rir
- Nós também não! – Dizem as
gaivotas
- Bom, volto já, com os
vossos petiscos.
O monstro de sucata mergulha outra vez e manda para a superfície
muito lixo, que não serve para alimentar as gaivotas. Mas de repente, um barco
estranho despeja baldes de restos de comida, como cascas, fritos, alface…as gaivotas
enchem o papo de comida, satisfeitas e felizes.
- Ei…eu aqui com este
trabalho todo, e agora não querem nada? Mas que mal agradecidas. – Resmunga o
monstro.
- Só nos trazes coisas que
não comemos!
- Fidalgas!
- Lembra-te que somos
seres vivos… gaivotas…! Não comemos qualquer coisa como tu, que és feito de
sucata!
- Áh…pois é! Tens razão,
desculpem…mas já viram o que aquele louco fez?
- Deu-nos de comer! – Diz uma
gaivota satisfeita.
- Sim, mas também poluiu,
e arriscou-se a ser engolido pelas ondas.
- Pois foi! – Dizem as
gaivotas em coro.
Vem uma onde enorme e vira o barco. O rapaz cai á água. Um bando
de gaivotas voa logo em direcção a ele.
- Socorro…! – Grita o
rapaz.
As gaivotas às centenas transformam-se em lindas mulheres e
ajudam o rapaz a sair da água.
- Ei…vamos salvá-lo ou
damos-lhe uma liçãozinha? Só…uma brincadeirinha! – Propõe uma gaivota.
- Salvamo-lo! – Gritam todas.
- Tenho tantas saudades de
ser mazinha…aaaaiiiii…!
- Eu também, mas agora
não! – Responde outra gaivota.
- Controla lá esses
desejos maléficos…
- Também acho.
- Se o deixarmos vai ser
mais lixo para o mar!
(Todas desatam às
gargalhadas, levam o rapaz para terra. Enquanto ele recupera, as gaivotas
comentam entre si)
- Aii…que tentação! –
Suspira uma gaivota a olhar para ele
- Temos aqui um belo
peixão…realmente! – Comenta outra
- Ai, que vontade de lhe
dar umas belas bicadas…
- Que jeitoso…
- Ui, acho que vou levá-lo
outra vez para a água…
(Todas riem)
- Olhem-me para estes
lábios…este corpo…
(Todas suspiram a sorrir)
- Por momentos até senti
inveja dos polvos…quem me dera ser um polvo! Agarrava-me a esta escultura, não
o largava mais…corria este corpinho todo centenas de vezes por dia…huuummm…! Só
se ele me cortasse os tentáculos.
(Todas riem)
- Acho que vamos virar
mais vezes o barco dele…
O rapaz abre os olhos,
olha em volta, vê as gaivotas e diz)
(Riem)
- Estou vivo?
- Sim! – Gritam as
gaivotas.
- Óh…que maravilha! Óh…milagre!
- Milagre? Bem…eu
chamo-lhe sorte!
- Pois. Se não estivéssemos
ali, bem que te passavas…
- Tu tiveste noção do que
fizeste?
- Mas que grande louco! Meteste-te
ao mar, com este tempo, e com estas ondas?
- Salvaram-me a vida…uau! Um
bando de gaivotas salvou-me a vida.
- Louco!
- Óh…nem sei como vos
agradecer.
- Deste-nos de comer, mas
estamos zangadas contigo, porque poluíste o mar com a comida. – Resmunga uma
gaivota.
- Tu fazes sempre isso? –
Pergunta outra gaivota
- Sim! Não tenho outra
solução.
- O quê?
- Então para que servem os
caixotes do lixo?
- Estão sempre a rebentar.
Não há espaço para mais!
- Que desculpa mais
esfarrapada.
- Vocês humanos são mesmo
porcos selvagens. Até os animais porcos são mais limpos na natureza.
- Não sejam assim…
- Vê se mudas de
comportamento, se não da próxima vez deixamos que vás ao fundo, principalmente
para veres a porcaria que mandam para o mar!
- Esperem aí…eu estou a
falar com um bando de gaivotas, ou a delirar?
- Estás a falar com
gaivotas, sim!
- Eu quase podia jurar que
tinha, sido umas mulheres que me salvaram.
- Mulheres? – Perguntam em
coro.
- Sim! Os pescadores que
já foram salvos, disseram que eram mulheres!
- Mulheres? – Perguntam em
coro.
- Não! – Diz outra gaivota
- Isso queriam eles! – Diz
outra.
- O quê? Viram sereias,
não? – Diz outra.
(Todas riem)
- Devem ter tido uma
visão, com o medo! – Diz outra gaivota.
- Sim…deve ter sido isso! –
Diz o rapaz desconfiado
- E tu, também viste a
mais…ou…viste aquilo que querias…gostarias de ter visto! Querias ter sido salvo
por mulheres, não era?
- Bem! Sim! – Diz ele a
sorrir.
- Vê se tens juízo, e se
paras de poluir! Há muitos sítios e muitas pessoas que têm fome, dormem na rua,
e procuram comida como nós, nos caixotes! Em vez de deitarem para o mar…ponham
tudo junto dos caixotes do lixo, que há pela cidade. Vão ver que desaparece
tudo num instante.
- Áh! É?
- Sim! Não sabias?
- Moras na cidade e não
sabes dessa triste realidade?
- Andas a dormir.
- EU não vou para esses
sítios.
- Tens muita sorte! Então
abre os olhos, e lembra-te disto, quando deitares comida no mar…
- Sim, porque da próxima
vez, podes não ter a mesma sorte que tiveste desta.
- O mar já tem lixo que
chegue e sobre.
- Quem o deitou para aqui,
devia engoli-lo.
- Pois era.
- Bom…gaivotas…muito
obrigado! Não me vou esquecer do que me disseram…- murmura – Parecem a minha
mãe…
- A tua mãe é com certeza
alguém que te ama e que te quer proteger! Agradece-lhe e trata-a bem.
O rapaz fica embaraçado, sorri e volta
para a sua casa. as gaivotas caminham pela praia em forma de mulheres lindas,
leves e misteriosas, ao sabor do vento forte, e à chuva.
E depois deste dia, o rapaz nunca mais
deitou comida para o mar. Fez o que as raparigas gaivotas disseram, e matou a
fome a muita gente sem poluir.
Antes de poluirmos o mar, é melhor
pensarmos duas ou três vezes antes de o fazermos. Devemos pensar se queremos
ficar doentes por causa da poluição dos mares, ou se queremos ter saúde, ser
amigos do mar, e aproveitar tudo o que ele tem de bom.
O mar não é um caixote do lixo gigante!
FIM
Lálá
(13/Maio/2014)