Era uma vez uma senhora já com muita idade, mas parecia muito jovem, e realmente, o seu interior era ainda de uma criança. Ela vivia sozinha, mas recebia sempre a visita de muitas amigas, todos os dias que iam lanchar a casa dela, conversar, rir e fazer arranjos ou roupas.
Era
uma senhora muito bem-disposta, risonha, brincalhona e muito feliz. A sua casa
ficava perdida num pinhal, e perto de uma praia, onde raramente iam pessoas,
por ser de acesso difícil.
Mesmo assim, ela ia lá
muitas vezes, com as amigas e sozinha. Gostava muito de se sentar no seu
terraço, onde via o mar, e na areia. Enquanto ela olhava para o mar sonhava,
imaginava, e depois, bordava todos os seus sonhos nas ondas.
Bordava
em tecidos azuis, ondas muito grandes e redondas, com linhas de vários tons de
azul, e verde, tal como ela via o mar em cada dia. Além das ondas, ela bordava
o que tinha imaginado enquanto olhava para o mar, e às vezes eram coisas
mágicas, objectos marinhos como conchas, algas, búzios, peixinhos, pedras,
estrelas-do-mar, gaivotas, barcos, pescadores, sereias, golfinhos e muito mais.
Uma
imagem mais bonita que a outra…cada linha do tecido, cada cor que ela
utilizava, tinha um significado! Contava um pedacinho da sua imaginação, e do
que ela tinha sentido, ou pensado nesse momento!
Geralmente,
os seus sonhos eram felizes, porque todos os bordados eram muito coloridos, outras
vezes, quando se sentia mais triste, bordava ondas gigantes, com círculos enormes,
cores mais escuras e linhas brancas mais grossas, pareciam verdadeiras
tempestades.
Um
dia, numa noite de tempestade, o mal ficou louco de fúria, e o vento,
juntamente com a chuva e a trovoada, engoliram a areia e chegaram ao pinhal. A
chuva parecia pedra a cair e a bater nos vidros, com tanta força que quase os
partia. O vento soprava tão forte, fazia muito barulho…até arrepiava a espinha,
e quase deitava as árvores do pinhal abaixo…elas pareciam bailarinas para um
lado e para o outro, folhas contra folhas, como se dessem cabeçadas, e
partiram-se muitos caninhos. Caiam dezenas de pinhas, que eram atiradas pelo
vento, contra a porta e contra o telhado da casa. a trovoada era tão forte, que
viam-se flashes de trovões a iluminar tudo, e depois uns estrondos tão grandes,
que a casa até abanava…que medo! Parecia um filme do fim do mundo.
A costureira
estava muito assustada, estremecia, encolhia-se, aconchegava - se mais nos
cobertores, e os terríveis trovões rebentavam mesmo por cima da casa. Não havia
maneira de fugir.
Como
se tudo isto não bastasse, as ondas gigantes, subiram a praia e entraram por
baixo da porta da sala. Molhou tudo. Até alguns trabalhos que a senhora tinha
feito ultimamente sobre o mar.
Uma onda viu os trabalhos e ordenou:
- Meninas…vamos embora! Esta casa não é para estragar…olhem
nós aqui!
As outras
ondas apreciam:
- Áhhh! Que bonitas…!
- Uau! Nós somos assim?
- Ááááhhh…
- Olha que bem que estamos!
- Lindas!
- Esta é casa daquela senhora que vai sempre à praia
olhar para nós…
- Ááááhhh…!
E as
ondas levam os trabalhos da senhora. Saem a porta, e ficam a ler os bordados no
pinhal. As ondas percebem a linguagem dos sonhos, por isso, tudo o que a
senhora bordou, elas lêem, e comentam umas com as outras.
- Áh! – Suspiram todas as ondas encantadas.
- Mas que maravilha esta senhora!
- Olha que linda…
- Áhhh…ela aqui estava mesmo triste…
- Coitadinha!
- Olha como ela nos pôs aqui…parecemos uns monstros.
- Deve ter sido num dia parecido com o de hoje.
- Sim, estávamos mesmo zangadas.
- Pois era!
- Ááááhhh…que romântica!
- Ai, até fico comovida.
- Óh mulher, segura lá essas lágrimas. Já há aqui água
que chegue.
(Todas riem)
- Pois…já me esquecia que sou água salgada…
(Riem)
- Que sonhos tão bonitos, que tem esta senhora.
- Olha, até está aqui a nossa sereia…
-Áh! Pois é.
- Meninas…olhem esta história…Ááááhhh…
Elas lêem,
encantadas, suspiram, sorriem, riem e choram, conforme o que a senhora bordou. A
tempestade acalma. A senhora vai à sala, e vê tudo encharcado.
- Áh! Não posso acreditar…está tudo molhado. O mar entrou
aqui…! Os meus últimos bordados…? Ai…lá foram eles, com o mar…
Ela ouve
uma voz:
- Estão aqui connosco.
- Estamos aqui.
Ela abre
a porta e vê que há ondas no pinhal. As ondas dizem em coro:
- Boa noite, bela senhora.
Quem está
aí?
- As ondas…!
- O quê?
As ondas
explicam à senhora, e conversam um pouco, depois do susto:
- Sim…nós chegamos até aqui, trazidas pelas trovoadas e
pelo vento.
- Que noite! Parecia o fim do mundo.
- Não se preocupe com os seus trabalhos. Estão inteiros…
- Onde?
- Aqui, connosco.
- Mas quem deu autorização?
- Desculpe o abuso…mas vimo-nos aqui nos tecidos, e
gostamos tanto, que lemos os seus sonhos, e os seus sentimentos.
- Áh! Sim…? – Diz a senhora a sorrir
- São lindos!
- Estamos embaladas pelos seus sonhos…e sentimentos.
- A sério?
- Sim.
- Vocês entendem a linguagem dos sonhos?
- Sim!
- Conseguimos entender cada desenho seu.
- São bordados.
- Lindos!
- Como faz isto?
- Com linha, e agulha.
- Que delícia.
- É romântica…e às vezes também fica triste.
- Claro.
- Mas nota-se que é uma senhora feliz.
- Sim, isso é verdade. Muito feliz.
- É. Usa muita cor, e escreve palavras muito boas,
bonitas, sonoras…
- Para algumas pessoas, não passam de desenhos, mas para
mim, têm muitos significados.
- Pois claro! E nós entendemos.
- Que coisas mais lindas…
- E sentimos que gosta de nós.
- Também…muito. Vou ver-vos todos os dias, e depois,
passo para os tecidos, o que me disseram nesse dia…o que eu senti…o que eu vi,
ou que imaginei.
- Muito obrigada.
- Por favor, vá visitar-nos mais vezes, e leve os seus
desenhos…
- Está bem! Fica prometido.
- Nunca deixe de desenhar o que sente, e nunca deixe de
sonhar.
- Pois não. Isso é o que me mantém viva, jovem, apesar da
idade, e quebra a solidão.
- Quando se sentir sozinha pode vir ter connosco.
- Está bem. Irei. Posso pedir-vos uma coisa?
- Claro.
- Façam-me um carinho, por favor…
- Mas…
- Vai ficar molhada.
- Cheiram tão bem. Vá lá…toquem-me.
- Mas, olhe que estamos frias…
- Não faz mal. Eu quero sentir-vos.
- Mas nós não queremos que fique doente.
- Não…
E as ondas aproximam-se devagar,
carinhosa e delicadamente da senhora, dos seus pés, e acariciam-na. Ela molha
os pés, e as mãos. Dá uma gargalhada, como se fosse uma criança. As ondas riem
com ela. E brinca com as ondas, chapinha, senta-se, acaricia-as e molha-se, ri,
e as ondas riem com ela, dançam juntas, e trocam carinhos.
O sol
está quase a nascer. A senhora está, como se tivesse dormido a noite toda. Levanta-se
do pinhal, feliz e sorridente, as ondas voltam para a praia, também felizes.
Ela
entra em casa, toma um bom banho quente, e um bom pequeno-almoço, veste uma
roupa quente, acende a lareira, e pega num pano azul. Enquanto se aquece,
põe-se a bordar o que aconteceu e o que sentiu.
Primeiro…bordou
a tempestade, o medo, os barulhos, o vento, a chuva, as pinhas a bater no
telhado e nos vidros, os trovões…cores escuras…depois…bordou a parte mais feliz!
O seu encontro com as ondas, as conversas, as brincadeiras, as carícias, e o
que sentiu.
A senhora
já tinha construído milhares de bordados com momentos e sentimentos felizes,
mas este último, tinha sido o bordado mais completo e mais especial.
No
final do quadro, bordou uma senhora, com uma criança dentro dela. Isto queria
dizer que naquela noite, ela sentiu-se criança outra vez, e foi por isso que
ficou tão feliz!
Como
tinha prometido, levou o bordado à praia e mostrou às ondas. As ondas
aplaudiram, vaidosas e emocionadas. Cada onda beijou o pano carinhosamente.
Essa felicidade, tal como a criança que ela
bordou dentro do corpo da senhora, passaram a fazer parte dos seus dias.
FIM
Lálá
(6/Maio/2014)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Muito obrigada pela visita, e leitura! Voltem sempre, e votem na (s) vossa (s) história (s) preferida (s). Boas leituras