Era uma vez uma folha de
árvore enorme, que numa noite de tempestade, com chuva torrencial, trovoada e
vento forte, foi arrancada da árvore e arrastada numa enxurrada que se formou
no chão do jardim onde vivia.
A folha deixou-se levar, triste, a tremer, sem saber onde
ia parar, mas não podia fazer mais nada…tudo era mais forte que ela. Rolou ao
sabor da corrente, escorregou, bateu contra paus e pedras, enrolou-se com
outras folhas, e com lixo.
A noite foi
terrível, e a folha só parou quando bateu contra uma janela de um quarto, numa
casa, e caiu atordoada. Uma velhinha que passou, com passinhos pequeninos e
lentos, apoiada numa bengalinha, e bem agasalhada, passeava o seu cão, e olhou
em volta.
- Foi uma noite terrível!
Que medo! Nem dormi…e tu também não…pois não, pantufinhas? Uivaste, ladraste,
ganiste…mas foste uma grande companhia e aqueceste-me! Como sempre! É por isso
que eu gosto tanto de ti! Ainda está tudo de pernas para o ar.
O cão cheira a folha, e ladra-lhe. A folha assusta-se, e
olha para ele.
- Óh, não…não bastava a
tempestade, ainda vem este…Aaaaiiii…o que é que vem agora? Olha bichano…deixa-me
respirar, sim? – Diz a folha.
O cão ladra.
- Au…Au…! O que é que te
aconteceu? – Pergunta o cão á folha
- Por favor, não me
ladres tão perto…estou cheia de dores de cabeça. – Pede a folha.
- Oh…desculpa…! É que
nunca te vi aqui antes. Mas estás doente?
- Acho que…não sei.
- Não sabes…? Como
assim? Dói-te alguma coisa?
- Sim, dói-me a cabeça e
acho que estou toda amassada!
- Não! Até estás mais ou
menos direitinha…és enorme.
- Preciso de me secar! E
de aquecer…
- Já percebi, foste
trazida pela tempestade.
- Sim. Mas não sei onde
estou! Eu vim de muito longe, acho eu…ai…não sei…sei que andei aos trambolhões
muito tempo, a chocar com paus e com pedras e lixo… Nem sei onde vim parar! -
Explica a folha.
- Eu sou daqui! E apercebi-me
de tudo…ouvi as chuvadas, que pareciam que iam partir os vidros todos…os
trovões, que até me abanavam o esqueleto todo…e…o vento…uuuuuuhhhhhh…parecia
que me atravessava! Até ficou quase louco. Estive sempre com a minha dona, à
beira dela, bem quentinho e a aquecê-la! Ela estava com muito medo, e eu…nem se
fala! Mas enquanto estava lá confortável, pensava nos estavam à chuva, e ao
vento…nos que não têm casa, e nos que não se podem aquecer, nem têm ninguém
para aquecer! Fiquei triste, sabes…e imaginei-me todo-poderoso, a construir
casas para esses…como se fosse um mágico! – Diz o cão.
- A sério? Tu és um bom
cão…tens bons sentimentos! – Elogia a folha.
- Sim. Eu também já fui
um cão sem dono, e sem casa…dormia onde calhava…e era muitas vezes chutado! Mesmo
assim, nunca mordi ninguém. Foram tempos muito duros, mas se calhar, isso
amoleceu o meu coração! Gosto apenas de carinho, e de fazer companhia…! Aquela é
a minha dona! Trata-te muito bem, e retribui o amor que tenho por ela. Foi ela
que me acolheu, quando eu era ainda muito pequeno, e fui deixado na rua! A família
dela está muito longe, por isso, eu sou a sua família, neste momento, e ela é a
minha família. Uma senhora maravilhosa, com um coração enorme! Anda comigo. Vou
mostrar-te onde moramos.
- Está bem.
A folha vai no lombo do simpático cão. Regressa para casa
com a sua dona, e a folha vê a paisagem pelo caminho. Já em casa, a folha fica
na beirada da porta para se secar, e aquecer. O cão vai para dentro de casa,
mas está sempre de vigia.
- Áááhhh…que sol tão
bom! – Suspira a folha a sorrir.
Passa um
coelhinho bravo pequenino, desesperado, a tremer muito, e a chorar.
- Óh, coitadinho…o que foi?
- Estou perdido! Não sei
onde estão os meus pais. – Responde o coelhinho muito aflito e a chorar.
- Não te preocupes. Eles
vão aparecer rapidamente…! Mete-se aqui debaixo, para aqueceres.
O coelhinho senta-se na beirada, e o cão sente que alguma
coisa não está bem, sai a porta.
- Amigo…este coelhinho
está perdido…não sabe onde estão os pais. – Diz a folha.
O cão cheira, e vai à procura rapidamente. Num abrir e
fechar de olhos, com o seu olfacto apurado, encontra a toca do coelhinho, com a
entrada coberta de folhas. Os pais estão lá dentro, muito preocupados. O cão
espalha tudo com as patas, e põe a entrada a descoberto. O coelhinho saltita
feliz, abraça o cão, e acaricia-o. Bate à porta e grita:
- Papá…Mamã…!
Os pais vão à porta, e abraçam o filho, aliviados.
- Onde foste? – Pergunta
o pai
- Ia buscar lenha para
nos aquecermos…para vos fazer uma surpresa, mas…o vento arrastou as folhas e o
lixo todo, e quando voltei…não soube onde estava a entrada! – Explica o
coelhinho.
Os pais sorriem deliciados.
- Óh, meu amor…que lindo…mas
devias ter avisado, que íamos contigo. – Diz o pai.
- Mas assim já não era
surpresa…!
- Não te preocupes com as
surpresas para nós, querido! – Diz a mãe sorridente, com carinho.
- O cão descobriu a
entrada!
O cão sorri, e ladra.
- Muito obrigada! – Diz
a mãe sorridente, acariciando o cão – Entra…vou dar-te água quente…e se
quiseres comer alguma coisa…
O cão entra com o coelhinho, e bebe água quente,
conversam animadamente. A folha volta para o sol. Passa um passarinho, com as
penas todas ensopadas e meladas da chuva, põe-se também ao sol, junto da folha.
O cão regressa da toca, mesmo a tempo, pois prepara-se outra tempestade. Ele convida
a folha a entrar. Ela entra. Fora da porta ficou o passarinho. O cão e a folha
ficam cheios de pena do passarinho, e a folha quer ir abrigá-lo. Sai por baixo
da porta, e fica encostada á janela por cima do passarinho, como se fosse um
guarda-chuva. O cão fica com pena dos dois, e abre um cantinho da janela da
sala.
- Entrem! Fiquem aqui…! –
Diz o cão.
A folha e o passarinho entram, e ficam abrigados,
protegidos e quentinhos, na janela da sala onde tem lareira. A velhinha está a
cozinhar, e os três na sala conversam alegremente.
Lá
fora, cai uma valente tempestade. A velhinha fica muito assustada, e começa a
falar com o cão. O cão, embora assustado, responde sempre, e senta-se à beira
da velhinha que está sentado no sofá.
De repente
batem à porta. A velhinha vai ver, e o cão segue-a. É uma cadelinha com uma
grande ninhada de cãezinhos ainda bebés (8), quase congelados, e fracos.
O cão
ladra, uiva, procura logo aquecer os pequeninos, com o seu pêlo, deitado no
chão, quase em círculo á volta dos pequeninos.
- Uma visita…! Óhhh…coitadinha!
Olha, amigo…acho que arranjei uma família para ti!
A velhinha
pega na cadela, carinhosamente, e coloca-a num cobertor perto da lareira, acaricia-a,
cobre-a, e dá-lhe água quente. A velhinha prepara outro local em frente à
cadela e muito perto da lareira, com o cobertor e deita lá os cãezinhos, o cão
ajuda a transportá-los.
- Obrigada, querido! –
Diz a velhinha.
O cão está feliz e orgulhoso. A velhinha dá água quente
aos pequeninos, sorri, acaricia-os e cobre-os. O cão lambe a cadela, e os
cãezinhos pequeninos. A folha e o passarinho apreciam maravilhados. A velhinha
janta, e dá de comer aos animais.
A cadela
e os cãezinhos dormem, ao quentinho da lareira, e conversam alegremente uns com
os outros. O cão apaixonou-se pela cadela, e pelos filhotes, que os trata tão
bem como se fossem seus, sempre com a ajuda da velhinha que os acolheu para o
resto das suas vidas.
A folha
e o passarinho, ficaram a viver no quarto do sótão da casa da velhinha, e a
folha servia de abrigo a muitos animais…era tão grande, que cabiam lá debaixo
borboletas, joaninhas, passarinhos…para dormirem sonecas, e protegerem-se do
calor, do sol, e mesmo da chuva e do frio.
A velhinha
ficou muito mais feliz, e o bondoso cão, tornou-se um verdadeiro ídolo da
aldeia, por todos os seus actos de salvar pessoas, de ajudar, e proteger…!
FIM
Lálá
26/Setembro/2013